sexta-feira, 24 de março de 2017

Macroscópio – Algumas coisas (portuguesas) em que devíamos pensar

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Numa sociedade que se preocupasse com o futuro, esta questão deveria estar no centro das preocupações e do debate público”. A questão abordada no texto a fui buscar esta frase emprestada é a da demografia portuguesa, uma das mais desfavoráveis da Europa. Mas esse foi o tema escolhido hoje por Vítor Bento para a sua coluna no Diário de Notícias, o final de mais uma semana em que, no que diz respeito à política doméstica, nos ocupámos mais de indignações do que de preocupações, para o Macroscópio de hoje seleccionei, e recuperei, alguns textos sobre debates que devíamos estar a ter, mas não temos.
 
Prossigo por isso pelas Coisas que não interessam a ninguém, título escolhido por Vítor Bento, destacando desta crónica uma passagem significativa: “Há 50 anos, existiam cerca de 5.5 pessoas com idade entre os 20 e os 64 anos (potenciais contribuintes líquidos do Orçamento) por cada pessoa com idade igual ou superior a 65 anos (potenciais recebedores líquidos do Orçamento). Actualmente, essa relação andará na ordem dos três para um e em 2050 prevê-se que seja de 1.4 para 1 (isto é, metade da actual). O desafio distributivo - o que quer dizer, o problema orçamental - fica assim preso num círculo vicioso, com a perspectiva de mais necessidades distributivas, via pensões (dado o crescimento da população envelhecida), e de menor capacidade de geração de rendimento (devido à redução da população activa e à fraca produtividade).”
 
 
E porque não cresce a produtividade? Em boa medida por falta de investimento. Isso mesmo é sublinhado por Pedro Romano num dossier que escreveu para o Jornal Económico, A longa agonia do investimento em Portugal. Aí se faz uma análise da evolução do investimento público e privado nos últimos 20 anos, constatando-se que, mesmo considerando que a tendência para a queda do investimento privado se ter invertido em 2015, a verdade é que “há poucas razões para lançar foguetes, pelo menos por agora. Isto porque, apesar de o investimento estar a crescer, o ritmo é ainda insuficiente para assegurar a reposição do stock de capital do país (o conjunto de máquinas, edifícios e infraestruturas à disposição das empresas). De facto, em 2017 a economia portuguesa terá menos capital para afetar a processos produtivos do que tinha em 2011. E não se espera que a situação mude muito em 2018.” Complementarmente o mesmo autor, no seu blogue Desvio Colossal, já veio acrescentar alguns dados à sua análise, em As duas histórias do Investimento (texto de onde retirei o gráfico acima). Nessa análise separa o investimento público do investimento das empresas e do investimento das famílias, mostrando como eles têm evoluído de forma bem diferente e identificando duas tendências, concluindo mesmo assim que “se estas forem tendências de fundo – como parecem ser – então é possível que a margem para uma retoma do Investimento seja bem menor do que se julga.”
 
Estas perspectivas sombrias – investimento insuficiente, produtividade a crescer demasiado devagar (ou mesmo estagnada), demografia altamente desfavorável – ajudam a explicar os níveis de crescimento medíocres (e mesmo assim demasiado dependentes da procura externa e do turismo), e a falta de crescimento, associada aos níveis das dívidas pública e externa, é porventura a mais ponderosa das razões porque as principais agências de rating mantêm o nosso país no “lixo”. Nem o défice em 2,1%, como o INE confirmou hoje, parece demovê-las, algo que Edgar Caetano ajuda a perceber no especial do Observador Por “injustiça” ou por “factos”, o rating de Portugal fica em “lixo”. Aí se ouviam vários analistas, não se iludindo a pergunta: e então o défice, que rondará os 2,1%, não conta? Resposta: “Foi melhor do que o esperado, mas até a S&P deverá assinalar o que todos sabem, que foi graças a fatores extraordinários, como a amnistia fiscal (PERES), portanto não foi à custa de fatores de médio e longo prazo“, acrescenta David Schnautz. Além disso, aponta o outro especialista, os planos anteriores (do Governo de Passos Coelho e do próprio plano original de Centeno) eram de um défice inferior a este em 2016.”
 
 
Por estas e por outras, o custo da dívida portuguesa não tem deixado de subir – nos três primeiros meses do ano o custo da dívida emitida pelo Estado subiu de 2,5% para 3,4%, o mais elevado desde 2014 e acima do custo do stock da dívida –, assim como o diferencial nos juros que pagamos por comparação com a Alemanha (como se vê no gráfico acima). Ora este é apenas um dos riscos que enfrentamos este ano, como explicou o professor do ISEG Joaquim Miranda Sarmento numa na de conjuntura de Fevereiro do Fórum para a Competitividade, texto que o Observador publicou: Os riscos financeiros e económicos de Portugal em 2017. Eis uma passagem significativa: “Aqui reside um dos principais riscos, e que resulta da opacidade que o número de 2,1% divulgado pelo Governo apresenta. Por um lado, ele é de 2,7% sem medidas pontuais. Mas tendo em conta o efeito do corte do investimento e das cativações, quanto dessa despesa que não surgiu em 2016, poderá agora ser contabilizada em 2017? E conseguirá o Governo, em ano crítico do ponto de vista político (manutenção da “geringonça” e autarquias), continuar a ter controlo nos gastos com investimento e com os serviços públicos?
 
Este texto antecipava muitos dos argumentos que vimos hoje serem trocados pelos partidos nas reações aos números do défice, mas importa sublinhar que, noutras análises, tanto eu próprio (em Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas), como Rui Ramos (nomeadamente nos seus textos Tudo em Portugal depende do BCE, até a verdade e Porque não houve champanhe para o défice?), já tínhamos, sempre no Observador, reflectido sobre o significado político e económico das políticas que têm vindo a ser seguidas.
 
Um bom exemplo da cultura política hoje dominante em Portugal é a forma como se tem discutido a integração dos chamados “precários” da administração pública. Sobre esse tema o professor da Universidade Católica Miguel Gouveia escreveu, na coluna semanal da CATÓLICA-LISBON no Observador um texto especialmente instrutivo e revelador: À espera para ser funcionário público. Depois de explicar a atractividade dos empregos públicos em Portugal, explicava o mecanismo perverso que está montado: “O que os organismos do Estado fazem é contratar pessoas para posições temporárias sem verdadeiros concursos, nem transparência. Estas pessoas ficam numa espécie de fila de espera. Mais tarde ou mais cedo (mais cedo se houver eleições), com o argumento de que são “precários”, estes temporários passam a funcionários públicos plenos, ultrapassando todos os outros potenciais candidatos. A integração dos precários significa desprezar todos os direitos que outros portugueses teriam a candidatarem-se a lugares na função pública.”
 
Continuando na economia passo agora a uma outra discussão, muito interessante: a de saber se vivemos um período de estagnação e quais as suas origens – no mundo desenvolvido e também em Portugal. No Eco Mário Amorim Lopes publicou um texto interessante, Um pequeno ensaio sobre a grande estagnação, no qual, além de discordar de algumas leituras internacionais neo-keynesianas, chama a atenção para os diferentes bloqueios que tornam mais difícil as empresas investirem e inovarem, sobre tudo em países como o nosso. Um exemplo: “Existem, contudo, muitos efeitos do lado da oferta que poderão explicar, a par com a hipótese dos ciclos financeiros, o abrandamento do crescimento da produtividade, isto é, do motor do crescimento económico. As regulamentações são um efectivo entrave à actividade económica. Se algumas se justificam, no sentido em que tentam atenuar falhas de mercado, outras são meros caprichos de um legislador completamente alheado da realidade. E no entanto nunca existiram tantas regulamentações como nos dias de hoje.”
 
Termino chamando a atenção para os mais recentes desenvolvimentos do dossier Caixa-Geral de Depósitos, até porque o banco público ficou de novo debaixo dos holofotes por ter emitido uma dívida perpétua pela qual pagará juros de 10,75%, um valor que muitos consideram especialmente elevado. Sobre a CGD – tema a que o Macroscópio terá de regressar – deixo-vos para já mais três referências que reflectem três olhares distintos:
  • As tentações da capitalização da CGD, de Helena Garrido no Observador, um texto onde revela alguma inquietação: “As imparidades na CGD criam margem para alguns voltarem a ganhar bom dinheiro à custa dos contribuintes, numa nova ronda de captura de rendas. É preciso estar a atento ao crédito agora desvalorizado.”
  • Da Atouguia a Teixoso, de Ricardo Arroja no Eco, uma opinião sobre o tipo de exigências que os partidos políticos têm vindo a fazer: “A situação da CGD, e a recapitalização que o governo e os seus apoiantes parlamentares acordaram, faz-nos questionar: se a CGD se demite do serviço público que deveria prestar, o que tem sido repudiado por todo o parlamento – da esquerda (muito cínica) à direita (pouco coerente) –, então, para quê a CGD pública?”
  • Um voto de confiança na Caixa e no país, de André Veríssimo, do Jornal de Negócios, que depois de reconhecer que a taxa de juro a que o empréstimo é concedido é realmente elevada porque o risco é elevado, mesmo assim nota: “É que há  vida além da taxa de juro nesta emissão. Esta é a primeira vez que um banco português emite obrigações no mercado em vários anos. A operação abre caminho para que outras instituições portuguesas possam emitir este tipo de instrumento. O que faz dela um contributo para a estabilização do mercado financeiro. É um marco, como antes o foi o reforço de capital do BCP.”
 
Termino com um texto mais ideológico, daquele que é provavelmente o único socialista empenhado, neste momento, em combater no espaço público as ideias da extrema-esquerda. Refiro-me a Francisco Assis que esta semana, no Público, decidiu comentar uma entrevista publicada naquele jornal com Chantall Mouffe, uma filósofa que inspira movimentos radicais como o espanhol Podemos. Em As ilusões da democracia radical o eurodeputado socialista escreve que nessa conversa e na sua obra “Chantall Mouffe abre as portas a concepções dos Direitos do Homem contrárias às que resultam do contributo de toda a modernidade filosófica Ocidental. A meu ver, esta posição é francamente deplorável.” Mais: “As democracias vivem, como é sabido, de consenso e de dissenso. Nesse sentido, uma relação de natureza agonística é aceitável, desde que não sucumba à tentação de eliminar uma vertente liberal sem a qual as democracias rapidamente correm o risco de se metamorfosearem em tiranias do maior número, ou, pior do que isso, na tirania de alguns, muito poucos, que se arrogam a pretensão de falar em nome desse maior número.”
 
Chove e faz vento lá fora, neste miserável início de Primavera que estamos a ter em Portugal. Mesmo assim desejo-vos um bom fim-de-semana, onde possam descansar e, espero, aproveitar algumas das sugestões deste Macroscópio para as vossas leituras. 

 
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