O cenário internacional pode estar caminhando para uma “nova Guerra Fria”? A velha rivalidade tem se mostrado presente nas políticas externas das potências e conduzindo ao desgaste da diplomacia OTAN-Russia.
Dani Melo – Outras Palavras
Os recentes episódios relacionados ao aumento da presença militar da OTAN no Leste europeu, aos conflitos na Síria e ao rearmamento russo mostram que o pensamento político das potências ainda resgata a rivalidade da era bipolar. Em fevereiro de 2016, na Conferencia de Munique, o primeiro ministro russo, Dmitri Medvedev, afirmou o desgaste das relações russas com o Ocidente e declarou estar numa nova era da Guerra Fria. A OTAN tem instigado esse confronto ao continuar enviando suas tropas muito próximas à fronteira e à base naval russa de Kaliningrado. Só em janeiro desse ano, 1200 soldados alemães se deslocaram para uma base militar na Lituânia e cerca de 3.ooo soldados do exército americano, tanques e helicópteros Apache e Black Hawk foram mobilizados para compor a segurança dos países aliados na Europa Oriental.
Mesmo com o fim da URSS, a OTAN não deixou de revelar sua insegurança quanto ao futuro da Rússia. As percepções de desconfiança trazidas pela era bipolar permanecem sólidas e acabam interferindo nas políticas externas das partes envolvidas. Primeiro, a Aliança incitou uma ambiente de tensão ao se engajar numa política de portas abertas que inclui novos membros do Leste como a Polônia, República Tcheca e Hungria. Mais tarde, em 2008, outro capítulo de apreensão do pós-guerra fria surgiu quando os membros da OTAN não reconheceram a legitimidade das intervenções russas no conflito da Geórgia e da Ucrânia. O Ocidente priorizava um discurso que assegurasse a soberania dos antigos territórios soviéticos e evitasse qualquer “pretensão neoimperialista” russa. Por fim, a mais recente onda de conflitos na Síria, colocou a Rússia e o Ocidente em lados opostos e num iminência possível de um confronto direto. O governo de Bashar al-Assad recebeu o apoio russo, por um lado, e críticas ocidentais, por outro, principalmente com os bombardeios russos sobre os rebeldes na região.
Em termos econômicos e militares, uma nova Guerra Fria nesse momento não representaria grandes ganhos para ambas as partes. A Rússia, por exemplo, ainda se mantém dependente de capital e tecnologia ocidental para sua infraestrutura, o conflito geraria fuga de capitais e encolhimento do mercado de crédito. Além disso, países como Armênia, Bielorrússia e Cazaquistão poderiam optar por minar seus acordos econômicos com os russos com o objetivo de não arruinar suas relações com o Ocidente. Por outro lado, significaria também um grande custo militar e a retirada de tropas do Ocidente em outras áreas de influência como a Ásia e Oriente Médio para obter melhor desempenho no confronto principal Leste-Oeste.
O primeiro ministro russo, Medvedev, afirma que a OTAN vem adotando uma “política hostil e fechada” em relação ao seu país, dificultando as negociações. Estabelecer uma relação de confiança entre as partes tem sido uma tarefa difícil. A Aliança tem se preocupado em promover a integração das forças áreas, terrestres e marítimas que reforcem a defesa no entorno geográfico oriental como a NATO Response Force (NRF) e a NATO Force Integration Units (NFIUs), localizadas na Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia e Roménia.
Em 2013, os planos de ativação das bases de defesa antimíssil na Romênia e na Polônia, por parte da OTAN, geraram grande repercussão em Moscou. Segundo a Aliança, esses escudos antimísseis próximos à fronteira russa têm como finalidade impor uma estratégia mais defensiva para garantir a segurança transatlântica diante das instabilidades no Oriente Médio, também contra o potencial nuclear do Irã e da Coreia do Norte. Por sua vez, a Rússia enxerga as instalações do escudo antimíssil como um enfrentamento à sua dissuasão nuclear. Logo, os receios e as incertezas que marcaram a relação entre as duas grandes potências na era bipolar estão presentes até hoje na forma como “um” percebe o “outro”. O velho medo e a desconfiança são renovados no período atual e podem explicar a tendência das políticas hostis e desafiadoras dos atores envolvidos.
Logo na década de 1990, o Ocidente não se preocupou em ouvir as percepções russas, simplesmente adotaram um olhar de suspeitas em relação à política externa do país. Os objetivos de ambos os lados também não tem se mostrado inteiramente claros e especificados, o que gera maior distorção das visões. O fato de excluir a Rússia de importantes espaços de negociação, como o G8, também contribui para que o país se sinta com menor voz e importância no ambiente internacional e, assim, o Ocidente deixa de compreender melhor as perspectivas russas. A OTAN tem sido o instrumento simbólico utilizado pelo Ocidente para garantir sua dissuasão contra os russos. Essa nebulosidade dos interesses só destrói cada vez mais a diplomacia OTAN-Rússia.
Em julho de 2016, durante o mais recente encontro dos chefes de Estado da OTAN, em Varsóvia, tanto a Polônia quanto os EUA adotaram um discurso de encarar a Rússia como uma ameaça ao entorno dos países de sua fronteira. Por outro lado, a França, sugeriu que os russos podem ser um possível aliado aos recentes desafios de segurança internacional tais como o combate ao terrorismo. Na publicação do The Guardian, Dmitry Peskov, um diplomata russo, nega o papel do país como inimigo e reafirma o interesse de manutenção de um diálogo com o Ocidente “A Rússia não está olhando [para um inimigo], mas na verdade vê isso acontecer”, “Quando os soldados da OTAN marcham e os jatos sobrevoam ao longo da nossa fronteira, não somos nós que estamos nos aproximando das fronteiras da OTAN”.
Com a mudança na presidência norte-americana, alguns críticos acreditam que Donald Trump irá manter a estratégia de dissuasão em relação à Rússia, sem que isso conduza a uma guerra nuclear. Embora Trump, em uma de suas declarações mais antigas, tenha afirmado que a OTAN caminha para um fim obsoleto, na realidade, o objetivo é exigir algumas redefinições institucionais e uma partilha mais equilibrada dos custos e encargos com os europeus. Assim, a proteção de países na Ásia e na Europa pela OTAN só será mantida se houver o comprometimento europeu em contribuir mais financeiramente.
Se a forte presença militar da OTAN próxima às fronteiras russas continuar, Moscou provavelmente não deixará de adotar uma postura mais firme, influente e de maior rearmamento nas principais regiões de tensão. E assim, esses eventos vão conduzir, cada vez mais, ao congelamento de oportunidades para o diálogo Leste-Oeste.
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