Não é fácil ser doador de órgãos. Mesmo que você autorize, ainda em vida, que os médicos aproveitem o que puderem do seu corpo para transplante, o sucesso depende de como você morre.
Muitos tipos de óbito são causados por falência do
coração ou da respiração, o que deteriora os órgãos rapidamente e os torna
imprestáveis. Por isso, a maioria das legislações (incluindo a do Brasil)
define que a retirada de partes do corpo de um paciente só pode ser feita após
o diagnóstico de morte encefálica, ou morte cerebral. Mas será que esse
critério é preciso?
Se houver assinatura prévia sua ou de seus parentes, a
sua família perde os direitos sobre o seu corpo assim que você for declarado
morto. E a declaração é feita com base na morte cerebral. Por essa razão, tem
havido muitas discussões para determinar o que pode ser considerado morte
encefálica e o que não pode.
Na rotina dos hospitais, o exame que se usa para
chegar a uma conclusão é rudimentar. O médico checa os reflexos corporais com
testes simples, tais como espirrar água gelada nos ouvidos para ver se os olhos
tremem. Quando um doutor precisa de uma resposta mais exata, geralmente recorre
ao teste de apneia, ou seja, a suspensão da respiração.
Este experimento, feito em pacientes que respiram por
aparelhos, é simplesmente desligar a máquina e ver se ele continua respirando.
Se não, a morte cerebral é registrada. O problema é o seguinte: depois que o
paciente “reprova” no teste de apneia, os médicos recolocam os aparelhos nele.
Ele volta a respirar, o coração volta a bater, a temperatura e as funções
vitais se mantêm. Tudo lembra um ser humano vivo, exceto o fato de que a morte
cerebral foi declarada.
Muitos médicos não gostam da ideia de considerar morta
uma pessoa que ainda conserva todas as funções vitais, mesmo que com ajuda da
tecnologia. Mas os órgãos já podem ser retirados de um paciente nestas
condições se houver autorização.
Como se trata de operar um corpo “morto”, não se usa
anestesia. Já houve muitos relatos em que o “cadáver” reagiu aos cortes com
bisturi, apresentando pressão arterial elevada e batimentos cardíacos
crescentes. Em 1999, houve até o caso de um paciente que teria se mexido
durante a retirada de órgãos. Neste caso o
“morto” disse em entrevista que chegou a ouvir o médico declará-lo como tal.
Geralmente, tais reacções são classificadas como
reflexos naturais. Mas a ciência ainda não comprovou que um paciente nestas
condições está realmente morto e não sente dor.
Por essa razão, as autoridades médicas haviam
determinado, no passado, que a morte cerebral só pode ser declarada se o
encéfalo não emitir mais ondas cerebrais. Até 1971, era obrigatório constatar
que o cérebro não emitia mais ondas (o que é um sinal de falência do córtex),
através da eletroencefalografia (EEG, na sigla em inglês).
Desde então, esta checagem foi considerada
desnecessária, apesar de vários estudos indicarem que muitas das vítimas de
morte encefálica ainda emitiam ondas cerebrais.
Não é nada barato receber um órgão em um país como os
Estados Unidos, onde todo o sistema de saúde é privatizado. O custo total de um
transplante (incluindo os procedimentos antes e depois da cirurgia) por lá fica
em 750 mil dólares (o equivalente a R$ 1,35 milhão).
Cada doador pode fornecer em média 3,3 órgãos, ou
seja, seu corpo “vale” mais de dois milhões de dólares (algo em torno de 3,6
milhões de reais). Mas nenhum hospital compra órgãos de voluntários, a doação é
realmente uma doação. Esta situação incentiva diretamente o tráfico de órgãos.
Considerando este panorama desigual, aumenta o número
de pessoas que lutam pelos direitos dos doadores de órgãos, ainda que
(supostamente) mortos. Alguns cientistas pedem por maior cuidado na hora de
diagnosticar um óbito como “morte cerebral”. Além disso, defendem que deve
haver uma leve anestesia mesmo no caso de morte encefálica comprovada, já que
há estudos indicando que pode haver dor, mesmo neste estágio.
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