O Dia Mundial da Conservação da Natureza não passa ao lado da realidade que o país enfrentou no último mês e meio. Os incêndios têm destruído a floresta nacional e mais do que nunca é fundamental avançar com a reforma florestal. Mas é preciso ter uma visão de longo prazo.
O Dia Mundial da Conservação da Natureza foi criado pela ONU e celebra-se esta sexta-feira. Em Portugal comemora-se esta dia desde 1998.
Num país com uma costa marítima tão grande e onde parte relevante do território está ocupado por floresta, a conservação da natureza reveste-se de particular importância. Apesar de existir atualmente uma maior preocupação com as questões ambientais, a verdade é que ainda há muito trabalho a fazer em Portugal no que toca à preservação da natureza.
Num ano em que Portugal está a ser novamente devastado pelos incêndios, com particular destaque para o grande incêndio de Pedrógão Grande que vitimou 64 pessoas, a discussão em torno da necessidade da reforma florestal voltou a entrar na ordem do dia, com vários diplomas já aprovados no Parlamento, é caso para questionar se será desta que a tão necessária reforma florestal vai avançar.
Mas num país onde, antes dos grandes incêndios dos últimos meses, a floresta ocupava 3,2 milhões de hectares, ou seja cerca de 35,4% do território nacional, segundo dados do PEFC Portugal, a reforma florestal peca por tardia. Um dos aspetos mais importantes – provavelmente o mais importante nesta altura – onde a preservação da natureza tem sido insuficiente.
Só este ano já arderam mais de 120 mil hectares em Portugal, um número que é ainda mais impressionante se tivermos em conta que representa mais do que a média anual da última década e mais de um terço do que ardeu em toda a União Europeia.
Sem ovos não há omeletes. São cada vez menos meios, menos vigilantes, não há viaturas, não há técnicos"O que nós temos é uma floresta pronta para arder. É uma floresta densa e que não está preparada para as alterações climáticas, para períodos de seca tão grandes como o deste ano", explica Rui Barreira, especialista ambiental da WWF Portugal (World Wide Fund For Nature), ao Notícias Ao Minuto.
O responsável acrescenta que "a floresta que nós temos é resultado de alguma desregulação económica" e lamenta o pouco investimento que tem sido feito "na preservação da natureza". Uma opinião partilhada por João Branco, presidente da Quercus. "Sem ovos não há omeletes. O corte no Ministério do Ambiente foi um dos maiores cortes", e são "cada vez menos meios, menos vigilantes, não há viaturas, não há técnicos".
A floresta portuguesa está na sua grande maioria nas mãos dos privados, o que torna a sua gestão mais difícil. Segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, está atualmente distribuída por mais de 810 proprietários. O que para Rui Barreira é um "problema muito relevante".
Neste sentido, a Quercus apresentou uma medida para esta particularidade na floresta em Portugal porque "há uma necessidade absoluta de fazer um emparcelamento florestal", sublinha João Branco, explicando que o conceito "passa por juntar as terras para que sejam mais facilmente protegidas".
Agora que parece estar a ter-se uma consciência maior da importância da gestão florestal, Rui Barreira acredita que estamos perante "uma oportunidade para restaurar a floresta. Não só as áreas ardidas, mas restaurar a floresta em toda a sua escala".
O especialista ambiental da WWF Portugal lamenta, porém, que se continue a faltar numa visão de médio, longo prazo. "Nesta reforma florestal não se está a falar do que se pretende que a floresta venha a ser, está-se a falar em diplomas avulsos" e, acrescenta, "continuamos a pôr remendos, mas não estamos a pensar na floresta a longo prazo. Estamos a pensar em tapar mais um buraco".
Para Rui Barreira a discussão da reforma florestal tem que envolver todos os intervenientes, para o especialista falta "uma gestão florestal sustentável, algo pelo qual a WWF se tem debatido desde 2006 e pelo qual temos trabalhado ativamente, mas não tem sido possível ainda concretizar isto, na medida em que falta um pouco de vontade política em trazer todas as pessoas para esta discussão".
Francisco Guerreiro, porta-voz e comissário político nacional do PAN, considera que ainda há trabalho a fazer nesta matéria. “Concordamos em parte mas ficam pelo caminho propostas mais desafiantes como a redução ainda mais acentuada da mancha de eucaliptal no país e uma maior percentagem de floresta autóctone por cada hectare de produção de eucalipto”, reforçando que “precisamos de mais fiscalização, de mais vigilantes da natureza, de mais campanhas de consciencialização para proteger a nossa floresta”.
Já João Branco salienta a necessidade de "começar já com medidas ativas de diminuição do eucalipto". O presidente da Quercus fala ainda sobre outra das medidas apresentadas pela associação: "Propusemos que nas novas plantações, 20% fossem de folhosa de baixa combustibilidade".
O que se tem verificado nos últimos anos, e isto governos há parte, é que tem havido um desinvestimento crescente na política de conservação de naturezaCom uma costa marítima bastante extensa, Rui Barreira diz que uma das principais prioridades em termos de conservação passa por "definir uma área de redes marítimas cada vez mais protegidas". Outra prioridade está relacionada com uma atividade económica importante, a pesca: "Os stocks de peixe da nossa costa já não estão tão saudáveis quanto eram e surge de forma cada vez mais premente a necessidade de pensar o que está no mar".
O PAN também alerta para as preocupações com os stocks de peixe. “Assistimos à manutenção da irracionalidade ao concordar com o aumento de capturas na pesca, mesmo havendo pareceres científicos internacionais a alertar para o esgotamento de vários stocks (e.g. sardinha)”.
Em suma, quer Rui Barreira como João Branco concordam que houve uma evolução na conservação da natureza em Portugal, mas que ainda está longe do desejável. "Continuamos a estar um pouco aquém. Aliás, o que se tem verificado nos últimos anos, e isto governos há parte já que tem sido uma situação transversal aos últimos governos, é que tem havido um desinvestimento crescente na política de conservação de natureza", remata João Branco.
Francisco Guerreiro do PAN diz que há muito a fazer em matéria de preservação. “Que estabelecêssemos a meta de 2025 ou 2030 para terminar com a comercialização de veículos movidos com combustíveis fósseis em Portugal, aumentássemos as metas da reciclagem no país, educássemos todas as faixas etárias para uma sociedade verdadeiramente ecológica, terminássemos com a proliferação de plásticos nos nossos bens e serviços”. Francisco Guerreiro também destaca a importância de começar a “desmantelar o Plano Nacional de Barragens”.
Os três responsáveis mostram-se agradados com a crescente importância que as gerações mais jovens dão à proteção do ambiente e à preservação da natureza. Essa poderá ser a chave. Educar ainda mais as crianças, os jovens para a importância da conservação, de proteger o ambiente. Talvez isso se possa traduzir em melhorias nesta área nos próximos anos.
Fonte: Noticiasaominuto
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