Donald Trump veio à Europa. Visitou o Papa, esteve numa cimeira da NATO, falou com líderes da União Europeia e por fim participou em Itália num encontro do G7. Houve apertos de mão falhados, curiosidade em torno dos vestidos de Melanie Trump, empurrões para ficar melhor na fotografia e outros casos menores. Mas houve sobretudo a sensação de um enorme desencontro. Ttump queixou-se a Juncker que "os alemães são maus, muito maus", Merkel lamentou-se no fim-de-semana dizendo que “EUA e Reino Unido já não são parceiros fiáveis”, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros considerou mesmo que "Trump está a colocar a paz da Europa em risco". Ecos de uma cimeira da NATO tumultuosa, marcada pela omissão, no discurso do Presidente dos Estados Unidos, às obrigações de auxílio mútuo estabelecidas no Artigo 5º dos tratados, a par com as suas muitas referências ao pouco queos parceiros europeus gastam em Defesa. No G7 o clima foi porventura ainda mais gelado ao verificarem-se as primeiras cisões no que se refere aos compromissos comuns relaticos ao aquecimento global.
Manuel Villaverde Cabral, no Observador, não ficou surpreendido com todos estes sinais de uma desordem internacional ao rubro: “Guerras já havia, declaradas ou não, e neste clima só podem continuar, como a guerra que o terrorismo islâmico move diariamente contra a Europa que o deixou medrar dentro de si. Não é, pois, de admirar que a desordem internacional se tenha multiplicado e esteja hoje ao rubro. Exemplo flagrante disso foi a reunião no fim de semana passado do chamado G7, com os murros na mesa que o Sr. Trump não é capaz de deixar de dar”.
Mas mais do que constatar a surpresa de muitos – afinal o que Trump disse em Bruxelas e na Sicília não é muito diferente daquilo que sempre disse em campanha: que os parceiros europeus têm de gastar mais com a Defesa e não contarem apenas com a protecção dos Estados Unidos, e que não iria assinar os acordos de Paris – importa ver como reagir. Os analistas dividem-se entre os que sublinham sobretudo a indignação com as acções de Trump e aqueles que, apesar de tudo, entendem que os Estados Unidos têm bons argumentos para pedirem à Europa uma contribuição maior para as obrigações comuns de Defesa.
Teresa de Sousa, no Público, está claramente com os primeiros. Em Não é o dinheiro, são os valores, mesmo reconhecendo que “a Europa descansou demasiado na protecção americana” e “podia ter acordado mais cedo”, a ênfase vai para a natureza da NATO: “Por que razão a aliança transatlântica sobreviveu às mudanças tectónica que o mundo está a viver, incluindo a sua poderosa aliança militar? Porque assentava no património comum dos valores da democracia liberal e da defesa dos direitos humanos, que via como universais, para além dos interesses comuns que ainda hoje partilha. É a ruptura com este património comum que torna a presidência de Trump tão preocupante.”
Já António Barreto, no Diário de Notícias, em Quem deve teme, preferiu destacar que “dos 28 membros da NATO, apenas cinco cumprem” as suas obrigação, “todos os outros ficam abaixo dos 2%”. Isto porque “Preferem gastar com coisas mais agradáveis e entregar-se à protecção do poderio americano. A ideia é simples: tudo quanto ameaça a Europa ameaça também os americanos. Como estes são mais fortes e mais ricos, eles que se ocupem disso.” Não é uma atitude que aprecie: “Faz lembrar a de tantos que entendem que os credores devem obedecer aos devedores e que aqueles a quem devemos dinheiro têm de fazer o que queremos e aceitar as nossas condições. Há quem faça disso um programa político: viver à custa dos outros!”
Na imprensa internacional não falta quem tenha uma aproximação muito próxima da de Teresa de Sousa, caso da historiadora Anne Applebaum, também colunista do Washington Post, e que em For the U.S.-European alliance, everything has changed é muito ácida no balanço que faz desta incursão europeia do inquilino da Casa Branca: “As a result of this trip, American influence, always exercised in Europe through mutually beneficial trade and military alliances, is at its rockiest in recent memory. The American-German relationship, the core of the transatlantic alliance for more than 70 years, has just hit a new low: (...) The Russian government, which has long sought to expel the United States from the continent, is overjoyed: On Russian television, Trump was said to have turned NATO into a “house of cards.”
Num registo porventura mais analítico, Edward Lucas, um jornalista da The Economist, fez um balanço igualmente pessimista numa coluna no site CapX – Nato has become a loveless marriage: “The heart of the alliance is being hollowed out. The transatlantic relationship increasingly resembles a loveless marriage. The bills are paid (amid a lot of squabbling about who picks up which tab). The house and car are maintained. The kids are educated. There is food in the fridge. There are even regular trips abroad. But at least one side thinks privately that if not already married, they would be arranging things differently.” Mais: “But as the love drains out of a marriage, temptations abound and standards slip. Sometimes the damage can be too great to repair. If that happens with Nato, America, as well as Europe, will be the loser.”
Ora este é precisamente o ponto de vista de Kori Schake que, numa longa análise na conservadora The American Interest – NATO Without America? – começa por reconhecer que os Estados Unidos têm boas razões para se queixarem, só que têm também de admitir que não têm melhores parceiros do que os actuais. Na verdade as queixas de Washington até são antigas – “Every American President of the past thirty years—actually longer, for the plaint goes back to the early years of the Nixon Administration—has dreamt up a NATO initiative to cajole greater defense expenditures out of our European allies. Defense Secretary Robert Gates’s dire warning in 2011 that American patience was wearing thin went largely unheeded.” – e desta vez até havia um bom pretexto para o protesto, pois a nova sede da NATO estava a ser inaugurada “Coming in over time and over budget, the headquarters cost $1.3 billion, 22 percent of which was paid for by the United States”. Só que, acrescenta-se mais adiante depois de uma exposição detalhada da situação internacional, “Our NATO allies are important validators of the American-led order and important contributors to its sustainment. We will want their help as challenges grow in the Middle East, Russia corrodes further, and China rises (assuming it actually will). We should take care not to throw those allies overboard until we have better allies to replace them with, and that is highly unlikely to occur any time soon.” Por outras palavras: “Like democracy, our European allies are our worst option except for all the others. The Europeans need us, and we need them—let’s not call the whole thing off.”
A fechar este breve apanhado de referências ainda acrescento um texto “On militarism, exhaustion, and decadence” de Robert D. Kaplan na Foreign Policy: Trump’s Budget Is American Caesarism. O interessante deste texto é que analisa a proposta orçamental da administração Trump, considerando, por exemplo, que o investimento na Marinha não produzirá efeitos se não servir para projectar a influência diplomática dos Estados Unidos, e esta pode ser comprometida pelos costes no Departamento de Estado. É que, lembra este analista, “The United States, while not a formal empire, has been in an imperial-like situation since the end of World War II, when America began to construct a liberal world order in Europe and Asia. That world order has been characterized — like Rome, Venice, Britain, and France at their zeniths — by a dynamic combination of military, intellectual, economic, and cultural power. Each element is as important as the others.”
E por hoje é tudo. Tenham um bom descanso, boas leituras, e preocupem-se com a desordem internacional. Há razões para isso.
PS. Amanhã não deverei fazer Macroscópio pois, ao fim da tarde, pelas 18h00, estarei a moderar a segunda conversa da série "Observamos mais", uma parceria do Observador e o Banco Popular. Desta vez o convite é para conversar sobre a importância do tempo nas nossas vidas e falarei com cinco convidados: Isabel Vaz, presidente executiva da Luz Saúde; Manuel Caneira, cirurgião plástico, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética; Eliana Madeira, coordenadora nacional do Banco de Tempo; Eduardo Sá, psicólogo; e João Pedro Marques, historiador e autor de romances históricos. Ao vivo no Espaço Conversas Soltas Popular (na sede do Banco Popular), transmissão em directo no site do Observador.
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