No artigo A mudança que desorientou a esquerda, publicado no “Corriere della Sera” (9-12-14), Paolo Franchi resume o livro Retomemos vida, de Alfredo Reichlin, lançado naquele momento. Este título bem mostra que Reichlin, ex-dirigente do Partido Comunista Italiano, julgava seus ideais sem vida, se não extintos por perempção.
Nos anos do pós-guerra, os comunistas continuavam a tocar seu realejo: combate ao capital e às desigualdades, à pobreza e às injustiças sociais. Hipocrisia, pois naquele momento a URSS (União das Repúblicas Socialista Soviéticas) constituía o modelo de sociedade socialista. E nela o nivelamento era obtido pela miséria, dando os Gulags testemunho de perversas injustiças.
Os países não-comunistas notavam essa hipocrisia e recusavam o comunismo. A palavra “esquerda” já nos anos 70 tinha perdido seu sentido. Ninguém deseja a pobreza. O socialismo já não inovava nem tinha proposições atraentes. Os partidos socialistas procuravam sobretudo um meio termo enganoso entre o comunismo totalitário e a economia de livre mercado. O socialismo não foi capaz de apresentar uma “ideia de sociedade”. Em outras palavras, além do velho coletivismo alienante, nenhum outro conceito lhe ocorria.
Extinto o socialismo? O semanário francês “Valeurs Actuelles” (4-5-17) cita Manuel Vals, primeiro-ministro do governo socialista de François Hollande: “A esquerda militante que conhecemos não existe mais. É o fim de um ciclo, é o fim de uma história. Vira-se uma página, será necessário escrever outra”. Vals é insuspeito para afirmar esta verdade, há décadas escondida.
Entrevistado por “Le Monde” (20-5-17), o historiador Marc Lazar, especialista das esquerdas, estende o pensamento de Manuel Vals. Segundo ele, a crise é perigosa, pois o Partido Socialista é incapaz de governar sem se dividir. Por que o PS se divide, apesar de ter conquistado o poder? Porque todo governante deve saber promover a produção e o bem-estar. Ora, o PS sabe que suas doutrinas levam invariavelmente à pobreza. Mas seus militantes querem aplicá-las, desejam maior intervenção estatal e a progressiva extinção da propriedade privada. Donde a cisão interna.
O governo socialista se põe assim a caminhar por vereda indecorosa, serpenteando entre o crescente controle estatal e a livre iniciativa. Assim, em 1946, ele renunciou à revolução marxista e lançou o falacioso slogan “socialismo humanista”, tentado lavar a face diante da inumana ditadura do proletariado. Mais tarde, livrando sua canoa furada do peso marxista, seus “teóricos” decidem se reconciliar com certa forma de liberalismo econômico e lançam outro slogan: a “terceira força”. O papel do Estado seria suavizado e se atribuiria maior responsabilidade ao indivíduo. Era uma linguagem de um embaraço pudico a fim de não escandalizar os radicais do Partido. Comovente hipocrisia. Mas não convenceu. Pois o PS e toda a esquerda europeia se encontram em situação gravíssima — conclui o Prof. Lazar. O pensamento do PS é fraco, e sua elaboração intelectual nula. Seus “teóricos” não se animam a teorizar. Com suas anteriores teorias gradativamente rejeitadas, hoje eles agonizam.
“A lucidez de um vencido” é outro artigo de “Le Monde” (23-12-16). Versa sobre o historiador Enzo Traverso, nascido numa família italiana “católico-comunista” em 1957 e hoje professor nos Estados Unidos. Em seu livro Melancolia da esquerda [capa ao lado], Enzo analisa o fracasso das passadas proposições da esquerda e sua falta de pensamento. Foi com a queda do Muro de Berlim que ele se convenceu da enorme derrota do socialismo. O PCI (Partido Comunista Italiano) desapareceu de uma hora para outra e sua cultura foi evacuada sem nenhum balanço crítico. Desde então existe na Itália, como em toda parte, uma paralisia. E se vemos tentativas de retomar certas ações, tudo se passa num contexto de eclipse das utopias. Segundo Traverso, resta aos socialistas “tirar novas forças e nova lucidez de cada derrota”. Mais fácil seria procurar icebergs no Saara.
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