sexta-feira, 15 de abril de 2016

Macroscópio – É a política, estúpido

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


O ponto de partida para o Macroscópio de hoje é um relatório do gigante bancário holandês ING sobre as razões das dificuldades que as economias europeias, e não só, estão a sentir para retomarem um ritmo de crescimento sustentado. Demos ontem conte desse relatório aqui no Observador, num especial de Edgar Caetano chamado O risco para as economias? “É a política, estúpido” (também em Portugal) onde se resumia as conclusões da equipa de economistas liderada por Peter Vanden Houte, economista-chefe daquela instituição. Havendo preocupação sobre Portugal – “A recuperação económica abrandou de forma acentuada na segunda metade de 2015″ e “as reversões das reformas, aplicadas pelo novo governo, irão provavelmente penalizar ainda mais o investimento privado” –, o relatório é sombrio sobre a Europa e os riscos políticos que tolhem o crescimento das suas economias: “Uma crise dos refugiados não resolvida, um risco latente de Brexit[saída do Reino Unido da União Europeia], um possível regresso de uma crise na Grécia, ascensão de forças políticas nacionalistas e populistas e, finalmente, um desespero crescente acerca daquilo que apolítica monetária consegue e não consegue fazer.”

Não é muito frequente os economistas centrarem a sua análise nos riscos políticos, mas não há dúvida que esta abordagem tem pertinência e deve levar-nos a olhar melhor para algumas das crises referidas neste relatório. O Macroscópio de hoje vai tentar fazê-lo, sugerindo algumas leituras interessantes e variadas.

A minha primeira sugestão vai para um texto de Olivier Blanchard, o antigo economista-chefe do FMI, no Financial Times: Slow growth is a fact of life in the post-crisis world. Eis o ponto de partida da sua análise, em que defende que algumas das medidas extremas de estímulo, como o chamado “dinheiro de helicóptero” de que já falámos nesta newsletter, não serão necessárias: “Today, the scars are largely healed but growth is still slow. Before the crisis, any economist would have predicted that an economy with interest rates close to zero and no other major brakes on demand would see high growth rates and quickly overheat. Yet this is not what we have seen. The reason, I believe, must be found in mediocre medium term prospects, which in turn affect current demand and growth.”

Um ponto de vista bastante diferente, e que já aborda um dos problemas políticos identificados pelo ING, a incerteza sobre o Brexit, é o de Ambrose Evans-Pritchard, que no Telegraph defendeu que Whole of Europe risks spinning into crisis if leaders mishandle Brexit. Este crítico do euro discute neste texto a hipótese de o Reuni Unido sair mesmo da União Europeia e regressar à EFTA: “The balance of power would, of course, change overnight if Britain switched to EFTA. The grouping would then have a combined GDP of $4.2 trillion. This would be bigger than Germany, with formidable financial power and diplomatic reach. Personally, I find talk about "retaliation" against Britain to be a little odd, though I do not rule it out. Any such madness would risk a political crisis in Denmark and Sweden, and ultimately spread to Germany.  British withdrawal would be a thunderous shock to the EU project. The immediate imperative for Europe's leaders at that point would be to patch things up and ensure a velvet divorce as quickly as possible to stop the crisis spinning out of control.”

Atravessando o Canal da Mancha chegamos a França, à França permanentemente bloqueada que merece um dos editoriais da Economist de hoje, curiosamente um texto que alimenta a esperança de que o actual ministro de Economia, Emmanuel Macron, possa ser um agente de real mudança. Em Liberty, equality, seniority a revista londrina elogia a sua nova abordagem ao “ser-se de esquerda” nestes tempos que vivemos: “His other effort is about how to adapt progressive thinking for the 21st-century economy. Unlike many others on the French left, Mr Macron argues that digital disruption can be a progressive force if it opens up opportunities for, say, the 25% of young French people who are unemployed. But it also demands a broader rethink about how systems of welfare and job protection, forged in an era of jobs-for-life, can adapt to Uber-isation. What do rules about working time mean, for example, when salaried employment is no longer the norm?”

Já para os lados da Alemanha as coisas continuam complicadas para a chanceler Merkel, que desde a sua decisão de abrir as fronteiras aos refugiados tem andado de crise em crise e parece ter perdido a capacidade de controlar os acontecimentos. Uma das crises mais recentes é especialmente delicada: Ankara exige que a Alemanha processe e castigue um humorista que protagonizou um violentíssimo ataque ao presidente da Turquia, Erdogan, alguém de quem a Alemanha necessita para por de pé o acordo de repatriamento de imigrantes que talvez – talvez – consiga conter uma nova avalanche quando o tempo melhorar e for menos arriscado atravessar o Mediterrâneo. Em Merkel Falls Flat over a Satirical Poem a Spiegel explica como é uma crise de que Angela Merkel nunca poderá sair bem: “If she allows legal proceedings to go ahead, she will lose more than the support of the new voting bloc she won over last fall: From conservative Turkey opponents to the very last of Merkel's new fans, everybody will suddenly realize the shameful extent of Merkel's kowtowing to her egomaniacal refugee-crisis partner. If she puts a stop to the legal proceedings, there is a risk that an insulted Erdogan will withdraw from the refugee deal -- and the horrific images from Idomeni are merely a foretaste of what then would take place at EU borders elsewhere. Many people will once again try to reach Europe and Germany, no matter how great the risks. Many will die. Merkel's already problematic attempt to solve the refugee crisis will have come crashing down around her.”

Em Portugal, para além dos problemas políticos, há também problemas económicos que não desaparecem, nem podem desaparecer facilmente. Desse ponto de vista é importante ler o que hoje escreve Cristina Casalinho, que actualmente gere a dívida pública portuguesa, no Jornal de Negócios: Falta de desapego. É um texto onde começa por destacar que “A economia portuguesa destaca-se nas comparações internacionais como um dos espaços caracterizados por maior endividamento público e privado, com forte dependência de fluxos externos para o suportar.” E a prova de que, no que se refere a dívidas, a nossa situação continua a ser pior do que a dos nossos parceiros, é que, além da dívida pública, devemos também nas nossas análises da dívida externa (que é pública e é privada): “Em termos de dependência do resto do mundo, a dívida externa situa-se em 223% do PIB. Esta realidade encontra contraponto numa taxa de poupança das famílias baixa (4,2% em final de 2015), num nível de capitalização das empresas reduzido com elevado rácio de serviço da dívida, e numa limitada utilização de capital em cada unidade de produto.” 

Mas há um outro problema que identifica, um problema que é mais cultural do que económico: “Apesar de nos pensarmos como inovadores e rápidos na absorção de novas tecnologias e novidades, a mudança e o seu desconforto custa-nos. Temos, geralmente, falta de desapego. Já nos perguntámos quantas vezes, em média, um português muda de casa ao longo da sua vida? Ou quantas vezes mudou de emprego? Quantas escolas frequentou? Em quantas cidades viveu? Quantas vezes vendeu a sua empresa e criou outra? Portugal necessita de maior desapego, maior abertura à diferença, e mais tomada de risco.”

Tendemos demasiadas vezes a subvalorizar o factor cultural no sucesso ou insucesso das nações, um tema que se deixa para historiadores e sociólogos e poucas vezes ocupa os políticos – e ainda menos os preocupa, já que muitas vezes não dão sinais de terem a menor das preocupações em dar à sociedade os sinais e incentivos correctos. Pelo contrário: enviam demasiadas vezes sinais errados, ziguezagueando no discurso e nos “princípios” que dizem defender. Por isso regresso a um tema que já ocupou um Macroscópio esta semana – o caso do “amigo” de António Costa Diogo Lacerda Machado – não para repetir argumentos, mas para acrescentar um novo ponto de vista, o de Pedro Sousa Carvalho no Público de hoje. Em Jobs for the friends ele trata de recordar uma entrevista dada por António Costa há um ano para destacar a contradição entre o que então defendeu e o que agora praticou. De facto, segundo o António Costa de há um ano, ir buscar fora da administração pública pessoas para negociarem os grandes contratos públicos “fragiliza a protecção do interesse público e torna aqueles que servem momentaneamente o Estado mais permeáveis à influência, normal, da actividade que desenvolvem noutras circunstâncias para os seus clientes privados”. Agora actuou como se pensasse exactamente o contrário e nunca tivesse defendido essa incompatibilidade. Com consequências graves: “Sendo advogado de uma firma privada (a BAS – Sociedade de advogados) que factura milhares de euros em contratos públicos, o bom senso aconselhava a que Lacerda Machado não trabalhasse em nome do Estado. Ou, ao invés, que largasse as suas funções de empresário e de advogado no privado e passasse a trabalhar para o Governo ou para a administração pública. Ficar no limbo, a meio caminho, só adensa dúvidas, desconfiança e suspeitas, se calhar até bastante injustas para com Lacerda Machado, de uma promiscuidade pouco saudável entre política e negócios.”

Vale pois a pena regressar ao já citado relatório dos economistas do ING, que descrevem “a situação portuguesa destacando que houve um “desvanecimento” do investimento. “Confrontados com a incerteza fiscal, as empresas terão decidido abrandar os planos de investimento“, afirma o banco holandês que já quando foram divulgados os últimos números do PIB pelo INE tinha avisado que a economia portuguesa teria sido penalizada pela incerteza política no último trimestre de 2015.”



Vamos ter um fim-de-semana de chuva, cinzentão, nada primaveril, e tenho consciência de que estas leituras não serão muito entusiasmantes e ainda menos risonhas. Mas isso não as torna desnecessárias. Mesmo assim, se quiser complementá-las com alguma distracção, chamo-lhe a atenção para duas fotogalerias do Observador que permitem recordar outros tempos. Uma é sobre o afundamento do Titanic, que ocorreu há 104 anos, e mostra as suas últimas imagens. A outra recorda-nos a Lisboa do passado. Em Um passeio (em 90 fotos) na Lisboa antiga há imagens verdadeiramente deliciosas, que fomos encontrar nos arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian e que nos mostram que, apesar de toda a falta de optimismo de hoje, o mundo, e Portugal, e Lisboa, moveram-se. E muito, e para muito melhor. Gostamos da nostalgia do passado, mas verdadeiramente não queremos regressar ao passado.

Tenham um bom fim-de-semana.

 
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