Durante um mês – desde 14 de Novembro – que não dedico uma destas newsletters a Donald Trump. Não porque me faltassem bons artigos para sugerir a leitura, mas porque não só passámos por outras urgências como era necessário ver se a poeira assentava. Na verdade muita água passou entretanto por baixo das pontes, mas a poeira teima em não assentar e agora, que falta pouco mais de um mês para a “Inauguration”, a forma como o processo de transição tem vindo a ser conduzido e as nomeações que têm vindo a ser feitas continuam a criar, ou a prolongar, perplexidades. A mais recente de todas, ainda fresquinha, foi a escolha de Rex Tillerson, CEO da Exxon e amigo de Putin, para novo secretário de Estado dos EUA. É pois chegada a altura de regressar à América e aos seus dias inquietos. Desta vez reunindo propostas de leitura que, mais do que análises conjunturais, propõem interpretações mais profundas do que se passou, está a passar e vai ser o futuro.
Começo por um clássico: a escolha da revista Time de Donald Trump para Personalidade do Ano. Michael Scherer, no texto em que enquadra e justifica a escolha (que não é assim muito difícil de explicar), escreve que “The starting point for his success, which can be measured with just tens of thousands of votes, was the most obvious recipe in politics. He identified the central issue motivating the American electorate and then convinced a plurality of the voters in the states that mattered that he was the best person to bring change. “The greatest jobs theft in the history of the world” was his cause, “I alone can fix it” his unlikely selling point, “great again” his rallying cry.” O texto é uma bela explicação de como conseguiu materializar esta estratégia de campanha quando todos previram o seu fracasso não uma, não duas, mas inúmeras vezes.
Continuando no registo de “personagem do ano”, passo para o Financial Times, que o apresenta assim: “He rewrote the rules of US politics. Now the deal-making president will show whether his promises were simply opening bids”. Edward Luce desenvolve a seguir uma interessante análise onde nota, por exemplo, “Most historic dates are shorthand for greater forces. Archduke Ferdinand’s assassination in 1914 did not cause the first world war. It triggered it. Mr Trump did not upend US democracy on November 8, 2016. It has been dysfunctional for years. It is no coincidence that Mr Trump’s victory took place in the same year as Brexit, the No vote in the Italian referendum and other populist eruptions across the western world.” Como pano de fundo, Luce recorda uma novela de Sinclair Lewis, escrita em 1935 – It Can’t Happen Here –, onde este ficciona a ascensão de um populista na América dos anos 1930, alguém que chegado ao poder destrói a democracia Americana. Não equipara Trump ao personagem desse romance, o fascista Berzelius “Buzz” Windrip, mas não deixa de notar: “Mr Trump’s victory may have been unforeseeable to few but himself but it was an upset waiting to happen. Western democracy is unlikely to be the same again.”
Esta abordagem, a de que alguma coisa aconteceu ao Ocidente de irreversível com a eleição de Donald Trump, corresponde a uma ideia que encontramos noutros analistas, e de sensibilidades bastante diferentes. Por exemplo:
- Goodbye to the West, de Joschka Fischer no Project Syndicate. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, antigo dirigente dos Verdes, começa por defender que “The West shouldn’t be confused with the “Occident.” While the West’s culture, norms, and predominant religion are broadly Occidental in origin, it evolved into something different over time. The Occident’s basic character was shaped over centuries by the Mediterranean region (though parts of Europe north of the Alps made many important contributions to its development). The West, by contrast, is transatlantic, and it is a child of the twentieth century.” É esse West que ele sente estar em perigo: “The new course Trump will chart for the US is already discernible; we just don’t know how quickly the ship will sail. Much will depend on the opposition (Democrats and Republicans alike) that Trump encounters in the US Congress, and on pushback from the majority of Americans who did not vote for him. But we should not harbor any illusions: Europe is far too weak and divided to stand in for the US strategically; and, without US leadership, the West cannot survive.”
- After a mere 25 years, the triumph of the West is over, de Charles Krauthammer, no Washington Post. Este colunista, um dos mais influentes dos Estados Unidos, voz especialmente autorizada entre os conservadores, é taxativo quando prevê uma América a virar as costas ao resto do mundo e às suas responsabilidades como superpotência: “Obama ordered retreat because he’s always felt the U.S. was not good enough for the world, too flawed to have earned the moral right to be the world hegemon. Trump would follow suit, disdaining allies and avoiding conflict, because the world is not good enough for us — undeserving, ungrateful, parasitic foreigners living safely under our protection and off our sacrifices. Time to look after our own American interests.”
- Trump’s ‘America First’ Is the Twilight of American Exceptionalism, de Max Boot, na Foreign Policy. Este historiador, com algumas obras importantes sobre a evolução das formas de guerra ao longo dos séculos, foi muito crítico da política externa de Obama, mas prevê resultados ainda mais negativos de uma Presidência Trump: “American power survived eight years of an Obama presidency, albeit in diminished form. If the president-elect governs the way he campaigned (which, admittedly, is not necessarily a safe assumption), there is good cause to wonder whether U.S. ascendancy will survive four to eight years of Trumpism. The post-American age may be arriving sooner than imagined, ushered in by a president with an “America First” foreign policy.”
Mas voltemos à figura de Trump e às razões do seu triunfo. Agora para destacar dois trabalhos mais longos, ambos escritos de uma perspectiva mais à esquerda. Começo por The Real Trump, um ensaio de Mark Danner na New York Review of Books e que tem como ponto de partida um livro, Trump Revealed: An American Journey of Ambition, Ego, Money, and Power, de Michael Kranish e Marc Fisher. É um texto onde se sublinha a sua imprevisibilidade e pouco respeito pelas normas: “We will see how that goes. It seems predictable, though, that as Trump encounters opposition, as he proves unable to fulfill the grandeur of his promises, he will strike back—it is his nature—and we will see American institutions tested. If they prove strong, there are ways for Trump to circumvent them. The enormous rallies offer one way. The cries of “Traitor!” give sign of another way. Trump is an improviser, a performer, a creator of new worlds. The narcissistically damaged actor, the high-flying song and dance man: even he can scarcely know what is to come.”
Já Jerome Karabel, um professor de sociologia de Berkeley, procurou explicar no Huffington Post The Roots Of The Democratic Debacle. É um texto que recua mais de 50 anos, à campanha eleitoral de 1964, para explicar como os democratas, que tinham dominado a política americana desde o New Deal nos anos de 1930, começaram a ver ruir a sua coligação eleitoral e assistiram, depois, a um longo período de supremacia republicana. É uma análise que combina uma perspectiva histórica com a visão política do autor, mas que nos ajuda a ver como o mapa político dos Estados Unidos foi mudando. Pequeno extracto: “But the Democrats’ problem with the white working class goes well beyond its failure to enact policies that protect its economic interests. For there is a powerful cultural dimension to the flight of less educated whites from the Democratic Party that is rooted in a feeling—not without justification—that many of its leading elements look down on them. This elemental feeling that they are not viewed by Democratic elites with dignity and respect was amply confirmed by Hillary Clinton’s now-famous remarks at a gala LGBT fundraiser in New York City. In it, she said that “you could put half of Trump’s supporters into what I call the basket of deplorables (…),” According to Diane Hessan (…) this was the moment—more than FBI Director James Comey’s remarks, more than the emails (…)—when undecided voters shifted to Trump”.
Finalmente, a partir de uma outra perspectiva, Trump's Appeal Is More Roosevelt Than Reagan, de David Goldman, um dos três artigos de fundo que a Standpoint dedica, no seu mais recente número, à eleição de Trump (os outros são Trump Is No Loser, But Government Will Be Harder e The Trump Presidency: A Worst-Case Scenario). O seu ponto de vista, sendo surpreendente, é bem interessante, como se pode ver nesta passagem: “Donald Trump’s slogan “Make America Great Again” recalls Ronald Reagan and “Morning in America,” but his message is more redolent of Franklin Roosevelt. Not since Roosevelt has such a large proportion of the American population found itself on the economic sidelines, and not since Roosevelt has economic malaise proven so resistant to conventional therapy. In fact, Trump gave a nod to Roosevelt’s appeal to “the forgotten man”, promising in his acceptance speech to stand by “the forgotten men and women of our country”. Broadly speaking, these are the same people whom Hillary Clinton called the “deplorables”: un-hip, and un-urban, and unsocialised through America’s overwhelmingly left-wing university system.”
Termino esta newsletter numa altura em que Mário Soares está internado, em estado considerado preocupante, num hospital de Lisboa. Espero que nenhuma má notícia nos surpreenda entretanto e que o Macroscópio possa regressar ao vosso convívio sem que isso aconteça.
Até lá tenham bom descanço e melhores leituras.
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