segunda-feira, 24 de abril de 2017

ENCONTROS 560 Este pão antigo é fresco e só tem cereais portugueses

O projeto da padaria Gleba foi apresentado nos Encontros 560, no Ministério da Economia

Padaria Gleba
Padaria Gleba em Lisboa, que utiliza um método artesanal para fazer o pão. O padeiro Diogo Amorim (Gerardo Santos / Global Imagens) 

Num país que se orgulha do pão que tem, com todas as variedades de norte a sul, apostar num pão diferente podia parecer uma ideia demasiado arrojada. Mas foi a esse que Diogo Amorim, com 21 anos, se atirou com todo o empenho. Seria possível inovar no pão? Este cozinheiro com formação em alta cozinha e passagens por restaurantes de topo como o The Fat Duck, de Heston Blumenthal, conseguiu inovar, mas olhando para o passado. Depois de cerca de dois anos de pesquisa, lançou-se no desafio de fazer pão à antiga com a abertura da padaria Gleba, projeto que apresentou nesta semana na iniciativa Encontros 560, no Ministério da Economia, com parceria do Dinheiro Vivo.

 Diogo Amorim abriu a Gleba há pouco mais de quatro meses e diz que a filosofia da sua padaria está assente em pilares essenciais: “O primeiro, é comprar os nossos cereais a 100% a produtores portugueses. Porque 95% dos cereais usados em Portugal vêm do estrangeiro e penso que há margem, mesmo que só nesses 5%, para ter um produto diferenciado e que ajuda um pouco a preservar algo do nosso património cultural.” Diogo Amorim explica que trabalha com cerca de dez produtores de norte a sul do país. “A Trás-os-Montes vamos buscar mais o trigo, no Centro procuramos o milho e no Sul, no Alentejo, também o trigo e a azeitona, que também usamos em alguns dos pães”, que são vendidos ; ao peso. 

Diogo Amorim não procura apenas cereais portugueses, procura também algumas variedades específicas, e antigas, que eram usadas. A prioridade vai para o trigo barbela ou o centeio verde, que permitem depois misturas como o triga milha, com farinhas feitas com os dois cereais. A acrescentar a estes há ainda umas edições especiais, ; como o pão com queijo de cabra transmontano, com um ano de cura, que a Gleba já experimentou. 

Mas a magia não se faz apenas à conta da seleção de produtos. Todo o processo de produção é pensado ao pormenor do início ao fim. Os grãos são moídos na própria padaria, na Rua Prior do Crato, em Alcântara, Lisboa, com mós de pedra, à antiga. Diogo Amorim não instalou um moinho de vento em Alcântara, mas conseguiu uma máquina de moagem com um motor elétrico que usa as pedras para fazer as próprias farinhas. A máquina foi feita por um serralheiro de Leiria com experiência em moagem. 

Para chegar ao pão à antiga, Diogo Amorim conta ainda que usa os cereais típicos de Portugal e fermentos naturais. “Não usamos nada dos fermentos industriais que se usam na maioria das padarias. As farinhas são mais saudáveis e os fermentos também, porque o pão passa por um processo de fermentação mais longo e com micro-organismos naturais”, de cerca de 24 horas. “Todo o processo tem vantagens aromáticas. Normalmente dizem que as farinhas não têm muita influência no sabor, mas depois o que notamos é que o pão feito assim tem um sabor diferente, até com um travo um pouco azedo, como atualmente só o pão alentejano tem”, diz Diogo, que não se cansa de sublinhar o lado saudável do seu pão: “A própria fermentação já é um processo de digestão, que vai quebrar os elementos da farinha, e isso acaba por ajudar depois o nosso processo de digestão. Por exemplo, esta fermentação ajuda as pessoas que procuram produtos sem glúten, porque este é destruído no processo. Não é indicado para celíacos, mas é ideal para quem evita o glúten”, diz.

 Para chegar a todos estes elementos, Diogo Amorim passou mais de dois anos no terreno, a pesquisar e a contactar com produtores, até encontrar os cereais que queria. Para trás ficou a experiência nos restaurantes de alta cozinha , mas foi no The Fat Duck que surgiu a ideia que originou a Gleba: “O pão é um hidrato de carbono e a alta cozinha tem estado a abandonar estes alimentos, mas naquele restaurante estavam a fazer experiências com pão e foi aí que tive a ideia de recuperar o que se fazia antigamente”, conta Diogo Amorim, que está a terminar o mestrado em Ciências Gastronómicas, na Faculdade de Agronomia, em Lisboa. 

Para já, com uma equipa de cinco pessoas e, ao fim de quatro meses, produz semanalmente entre uma a 1,5 toneladas de pão por semana. O objetivo, por enquanto, não passa por expandir a Gleba: “Queremos consolidar o nosso processo”, diz. 

Fonte: Dinheiro Vivo

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