Comité Judaico Americano já criticou a escolha de palavras de Francisco na homilia numa missa em memória dos "novos mártires"
Francisco contou a história de um muçulmano que conheceu numa visita ao campo de refugiados de Lesbos, em abril de 2016
| REUTERS/FILIPPO MONTEFORTE
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A missa na Basílica de São Bartolomeu, em Roma, era de homenagem aos "novos mártires" do século XX e XXI e o Papa Francisco resolveu afastar-se do texto previsto da homilia para contar a história de um homem que conheceu numa visita a um campo de refugiados de Lesbos, na Grécia. "Não sei o que lhe aconteceu, se conseguiu sair desse campo de concentração, porque os campos de refugiados, muitos, são de concentração, por causa da multidão de pessoas que é deixada ali", disse. Uma comparação criticada pelo Comité Judaico Americano, que lhe pediu para "reconsiderar a sua lamentável escolha de palavras".
"As condições em que os migrantes vivem atualmente em alguns países europeus podem muito bem ser difíceis, e merecer maior atenção internacional, mas não são campos de concentração", indicou, num comunicado, o líder do comité, David Harris. Apesar de o termo "campo de concentração" ser anterior à II Guerra Mundial - foi muito usado, por exemplo, para identificar campos britânicos na África do Sul, durante a Segunda Guerra Boer (1899--1902) - ficou ligado aos extermínios nazis. "Os nazis e seus aliados construíram e usaram os campos de concentração para o trabalho escravo e extermínio de milhões de pessoas na II Guerra Mundial. Não há comparação com a magnitude dessa tragédia", acrescentou Harris.
O homem que o Papa conheceu em Lesbos era um muçulmano, que tinha três filhos. "Ele olhou para mim e disse-me: "Padre, eu sou muçulmano, a minha mulher era cristã, e no nosso país os terroristas degolaram-na. Perguntaram-nos qual era a nossa religião. Viram o crucifixo e pediram-lhe que o tirasse. Ela não quis e degolaram-na à minha frente", lembrou Francisco, dizendo querer acrescentar esta mulher à lista de "novos mártires" do século XX e XXI. "Não sei o seu nome, mas ela olha para nós lá do céu". Na missa deste sábado, houve uma homenagem ao padre francês Jacques Hamel, de 85 anos, que foi degolado por militantes islamitas que, no ano passado, invadiram a igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray. A Basílica de São Bartolomeu tem um livro de orações que pertencia a Hamel.
Em relação aos refugiados, o Papa elogiou quem os está a ajudar, agradecendo-lhes o "trabalho extra". E lamentou que "os acordos internacionais sejam mais importantes que os direitos humanos". Uma crítica que parece dirigida aos acordos da União Europeia com a Turquia e a Líbia para tentar prevenir a chegada de mais refugiados à Europa. Da mesma forma, Francisco deixou o desejo de que a "generosidade do Sul", de Lampedusa, da Sicília, de Lesbos, possa "infetar um pouco o Norte" de Itália, berço da Liga Norte, um partido anti-imigração. Segundo as suas contas, se cada município italiano recebesse dois refugiados, "haveria espaço para todos". E concluiu: "É verdade. Somos uma civilização que não tem filhos, mas também fechamos a porta aos migrantes. Isso chama-se suicídio."
A Itália tornou-se a principal porta de entrada para os migrantes depois de o acordo com a Turquia (que prevê a devolução dos que são apanhados) ter resultado no encerramento da rota usada por mais de um milhão de pessoas em 2015 para chegar à Grécia (e daí seguir pelos Balcãs até ao centro do Velho Continente). No ano passado, 181 mil migrantes chegaram a Itália, estimando-se que 4600 pessoas tenham morrido na travessia. Este ano, as chegadas subiram mais de 40% e já houve pelo menos mil mortes, segundo a Organização Internacional para as Migrações.
Fonte: DN
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