A revolução? “Valeu a pena”, mas nem tudo correu como Otelo Saraiva de Carvalho, o nosso entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto, sonhou.
O herói do 25 de Abril garante que lhe apraz a 'Geringonça'. O mesmo não se aplica a Pedro Passos Coelho, a quem tece duras críticas.
Mas o líder do PSD não é o único a ser criticado. A “bandalheira” da banca também é alvo do descontentamento de Otelo Saraiva de Carvalho que garante que os “banqueiros nasceram todos para a corrupção”.
Valeu a pena fazer a Revolução?
Valeu. Não tenho dúvida nenhuma de que valeu, apesar de ter havido em muitos setores um retrocesso muito grande nos últimos anos. Quando se inicia o processo revolucionário após o 25 de Abril, a minha perspetiva começa a ser muito diferente daquela que tinha quando aderi ao programa político elaborado pelo Melo Antunes que colocava o poder a ser exercido numa democracia representativa.
A democracia representativa nunca o convenceu…
Eu aderi à democracia representativa, embora tivesse uma desconfiança grande por parte dos partidos. Pareceu-me que eram grupos que iam procurando angariar sócios para ter uma base política e isso não se enquadrava bem naquilo que eu pensava. A minha ideia era obter a participação do povo. O povo tinha de ser o seu próprio representante e não um advogado ou médico conhecido.
A partir do 25 de Novembro o país regressou à normalidade burguesa, o povo deixou de abrir a boca e está subjugado outra vez
Então não lhe agrada este regime?
Não concordo com o regime que está implementado desde o 25 de Novembro. Até pode ser resultado do 25 de Abril, mas só no papel. O processo revolucionário fez isto sofrer uma volta muito grande. A partir do 25 de Novembro o país regressou à normalidade burguesa, o povo deixou de abrir a boca e está subjugado outra vez. Portanto é um regime que não me agrada, nem a mim, nem a milhões de portugueses.
Confirmou a desconfiança que tinha dos partidos?
Sim, os partidos foram aquilo que eu tinha a sensação que podiam ser: grupos políticos que vão alargando porque vão tendo mais militantes que estão interessados em pertencer ao partido porque o partido lhes dá a possibilidade de progredir na carreira. Os partidos políticos dizem que representam o povo no seu todo, mas só se representam a eles. O partido está a importar-se mais em conseguir obter boas colocações para os seus militantes do que em obter emprego para o povo.
Uma nova revolução seria ótimo, seria excelente. Hoje o povo tem os olhos mais abertos, sabe mais sobre política e quer participar mais ativamente
Hoje é preciso uma nova revolução?
Isso seria ótimo, seria excelente. Hoje o povo tem os olhos mais abertos, sabe mais sobre política e quer participar mais ativamente na política. Uma revolução hoje teria outro caminho que não foi o caminho que tivemos de cruzar a partir do 25 de Abril e que terminou abruptamente a 25 de Novembro.
Concorda com a solução governativa que temos atualmente?
Concordo. É uma solução que vai minorar aquilo que é um desgaste profundo da classe trabalhadora. Foi um ato de audácia por parte de António Costa.
Audácia de Costa impediu a permanente aprovação de leis que lixam os trabalhadores
Audácia?
Sim, é ele que a tem ao criar uma maioria face à ameaça da vitória eleitoral do PSD/CDS, impedindo assim uma permanente aprovação de leis de Direita que lixem os trabalhadores. É uma audácia muito grande por parte de António Costa.
Só por parte de António Costa? E o PCP? E o Bloco?
É também uma audácia grande por parte do PCP e do Bloco de Esquerda que, perante os seus militantes, vão ter dificuldades em explicar determinados assuntos em que terão de concordar com o PS. Mas ainda assim acho que até agora tem funcionado. O PCP e o Bloco não perdem a sua independência, nem estão hipotecados porque não se trata de uma coligação e têm colaborado, até onde é possível, com o Governo.
O que lhe parece o trabalho de Marcelo Rebelo de Sousa?
Gosto muito dele e tenho uma boa relação com ele desde que era jornalista do Expresso. Acho que está a fazer um bom trabalho. Isto é completamente contrário ao perfil de qualquer outro Presidente, desde a compostura e rigidez de um Eanes, passando pela bonomia aparente de um Mário Soares que vai fazendo as suas sacanices como líder do PS e contra elementos do PS.
O Mário Soares tinha, no caráter dele, coisas que não me agradavam, mas era um 'politicão' bestial
A sua relação com Mário Soares não foi a melhor…
O Mário Soares tinha, no caráter dele, coisas que não me agradavam, mas era um ‘politicão’ bestial. Foi várias vezes preso pela PIDE, faz parte do currículo dele, mas nunca foi torturado porque era o filho do senhor conselheiro. Depois tive contacto direto com ele quando, após o 25 de Abril, ele foi enviado ao Lusaka para garantir que a Frelimo parava a sua ação armada em Moçambique. ‘Eu não confio nada neste gajo’, disse-me o então presidente, o general Spínola. A missão do Soares era trazer o cessar-fogo, a minha era vigiá-lo.
Mas ele admirava-o pelo seu papel na Revolução.
Eu reconheci nele essa admiração. Mas como político convinha-lhe ter uma aproximação a mim. Politicamente comecei a ver nele uma perfídia política de bastidores, defendendo coisas pelo povo que não iam ao encontro daquilo que eu pensava que o povo devia ter acesso.
Houve coisas boas durante a governação de Mário Soares?
Houve. A criação do Sistema Nacional de Saúde é uma coisa boa, pá. Mas havia também um colocar de pessoas do PS próximas a ele em funções-chave.
Foi ao funeral dele?
Não. Não compartilhei dessa dor do desaparecimento dele.
Devemos desconfiar totalmente a respeito das intenções de Passos Coelho. Ele está-se nas tintas para o povo
Voltemos à atualidade. O que acha de Pedro Passos Coelho?
Francamente não gosto dele. Quando é eleito adquire uma altivez grande. Aquilo que ele diz é que é a razão, toda a gente no partido se subordina a ele. A submissão dele à Alemanha e à Comissão Europeia leva-me a considerar que ele é um elemento de quem nós devemos desconfiar totalmente a respeito das intenções dele que são para melhorar o estatuto dele próprio. Ele não pensa minimamente no povo, está-se nas tintas. O que lhe interessa é dar satisfação aos grandes industriais, à banca… Depois, quando finalmente perde, começa a perder terreno dentro do próprio partido. Um caso flagrante foi agora a autarquia de Lisboa.
A escolha para cabeça de lista fê-lo perder terreno?
Ele perde terreno porque é já demasiado tarde quando faz a escolha e fá-la contra a distrital do PSD de Lisboa. A Teresa Leal Coelho encabeça a lista porque é amiga de Passos Coelho, é feita vice-presidente do partido e, portanto, aceita do mestre participar nessa fantochada.
Não lhe agrada a Teresa Leal Coelho?
Ela disse logo que dentro de meses vai ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa... Nós não acreditamos, mas às vezes há milagres.
E José Sócrates?
Não tenho grande opinião sobe ele. Se tudo aquilo que é dito pelo Ministério Público é verdade, então ele merece uma punição exemplar, pá!
Parece-lhe que é verdade?
Julgo que o Ministério Público não ia arriscar o prestígio enquanto elemento fundamental para aplicação da Justiça se não tivesse indícios muito fortes.
Mas este constante adiamento dos prazos…
Vai adiando prazos porque vai recolhendo mais indícios. Não é só a questão do Carlos Santos Silva, é uma cadeia de corrupção que não para.
A banca tem sido uma dor de cabeça para os portugueses…
Isto é uma bandalheira e o ‘zé povo’ é que paga, pois está à mercê destes vivaços que vão para o governo e nós a vermos pensões e salários a serem diminuídos.
Então, onde está o problema?
O problema é que a banca nunca foi fiscalizada. O próprio Banco de Portugal, que depende diretamente do Governo, não foi fiscalizado, sendo que tem a seu cargo importantes missões de fiscalização. Quando o Vítor Constâncio, do PS, era governador deu-se o caso BPN. Ele não devia ter permitido que aquilo acontecesse.
"Salazar aproveitou-se dos portugueses chacinados, incluindo crianças"
Aos 80 anos, Otelo Saraiva de Carvalho tem ainda frescas na memória as recordações do 25 de Abril. Sentado no sofá da sua casa em Carnaxide, o ‘cérebro’ da Revolução dos Cravos transportou-nos para os anos da ditadura, recordando, com detalhe, os anos que antecederam a saída dos militares para as ruas |
Considero que os banqueiros todos nasceram para a corrupção
Mas o BPN não é caso único…
Não, não é. Tivemos o BES… O Processo Revolucionário em Curso conseguiu pôr o Ricardo Salgado e a família toda no Brasil. A nossa intenção foi a de colocar a banca de facto ao serviço do povo. Naquela altura foi um escândalo enorme quando se fez a nacionalização da banca. Eu considero que os banqueiros todos nasceram para a corrupção. Vivem luxuosamente como mais ninguém vive em Portugal e têm sempre a possibilidade de comprar os governantes.
Se a guerra colonial podia ter sido evitada? Claro que sim, ‘pá’. Otelo Saraiva de Carvalho, um dos mais conhecidos ‘capitães de Abril’ recorda, na vérspera de a revolução celebrar 43 anos, os anos que passou em África a lutar por algo que já estava perdido à partida.
Defensor de uma solução política e não armada para as colónias portuguesas, Otelo deu voz à vontade de milhões de portugueses e pôs mãos à obra. Preparou um plano de operação militar minucioso e, a partir do Regimento de Engenharia n.º 1 da Pontinha, devolveu a liberdade ao povo.
Riscos? Houve e não foram poucos, mas foram necessários, garante com um brilho no olhar enquanto recorda a preparação da Revolução dos Cravos.
Salazar, metido no seu trono de marfim em São Bento, não tinha a perceção do que se passava no mundo
A Guerra Colonial podia ter sido evitada?
A guerra podia não ter existido com uma ação política determinante por parte de Salazar. A minha perspetiva desde sempre foi que Salazar, metido no seu trono de marfim em São Bento, era um homem com uma grande capacidade de domínio das situações, mas que não tinha a perceção do que se passava no mundo.
Não tinha ou não queria ter?
Vamos lá ver. Quando em 1956 surgem os movimentos de libertação PAIGC (Partido Africano pela Independência da Guiné e de Cabo Verde) e MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) é evidente que Salazar tem conhecimento disto. O que devia ter acontecido era ele ter pensado que o curso da história era a independência das colónias, mas ele não quis abrir os olhos e impôs a guerra colonial.
Com o apoio da população?
Salazar motivou a população quando, em março de 1961, houve uma tremenda onda terrorista lançada a partir do Congo e são chacinados fazendeiros portugueses. Famílias inteiras, incluindo crianças, mortas à catanada. Foi horrível. E Salazar aproveitou-se disso. As imagens do horror foram transmitidas na televisão, o que motivou a população a responder rapidamente. Na sequência disto começaram a partir navios comerciais para África que transportavam os batalhões.
No início, eu próprio pensei, ‘pá, vamos defender o que nos foi deixado pelos nossos antepassados
O Otelo foi enviado para Angola em 1961. Acreditava no objetivo da guerra colonial?
No início, eu próprio pensei, ‘pá, vamos defender o que nos foi deixado pelos nossos antepassados, vamos tentar agarrar aquilo e dominar a situação’, até porque as colónias eram importantes para o nosso desenvolvimento industrial. Aliás, Salazar quando profere a famosa frase ‘Para Angola, rapidamente e em força’, acredita que a guerra vai durar cerca de seis meses…
Mas durou 13 anos…
E durante 13 anos tivemos três teatros de operações que hipotecaram cerca de 200 mil homens, sobretudo juventude. Na sequência disto o país degrada-se cada vez mais porque a força braçal está toda em África e cerca de 40% do Orçamento do Estado é destinado à Guerra Colonial. Tudo isto vai alimentando um descontentamento enormíssimo e nós, os oficiais, mesmo ganhando mais 50% por estarmos nos teatros de operações preferíamos não ter esse bónus e estar vivos na metrópole.
Quando é que percebeu que Portugal ia perder a guerra?
Quando em 1973 o PAIGC começa a utilizar, na Guiné, mísseis Strela que eram disparados por um lança-mísseis colocado ao ombro. Em um ou dois meses foram abatidos cinco aviões da Força Aérea Portuguesa. Mas em Angola a coisa estava pior, pois já tinham começado a usar minas.
Em 1967, eu já tinha noção de que esta guerra não podia ser ganha pela força das armas
Foi então que percebeu que era preciso colocar um ponto final nesta situação?
Em 1967 eu já tinha noção de que esta guerra não podia ser ganha pela força das armas, tinha de haver uma solução política. E não nos podemos esquecer que havia toda uma massa internacional de apoio aos movimentos de libertação. Nós estávamos isolados.
É então que surge o movimento dos oficiais?
Os capitães insurgem-se quando, no verão de 1973, Marcello Caetano lança o decreto 353/73 que permite aos milicianos do Quadro Especial de Oficiais ultrapassarem os capitães do quadro permanente. Como havia falta de capitães, todos aqueles que estivessem na vida civil e quisessem regressar faziam seis meses na Academia Militar e seis meses numa escola prática e eram promovidos a capitães, enquanto que nós tínhamos ‘gramado’ quatro anos de curso. É aqui que começa a haver um movimento de capitães porque havia uma injustiça flagrante.
E eis que se dá a primeira vitória das Forças Armadas.
Sim, os decretos – houve um segundo, mas que não correspondia às nossas exigências – foram revogados depois do nosso protesto que foi brutal, com os capitães a garantirem que pediriam a demissão se os decretos não fossem revogados. Houve oficiais que consideraram que a vitória tinha sido alcançada e que o movimento de oficiais podia desaparecer.
Mas não desapareceu…
Não. Felizmente havia entre nós, além de mim e do Vasco Lourenço, outros que consideravam que tínhamos de ir mais longe para derrubar o governo e instaurar a democracia. Logo a seguir à revogação dos decretos criou-se o Movimento dos Oficiais das Forças Armadas. Aliciámos – e aqui o Vítor Alves teve um papel muito importante – a Marinha e a Força Aérea. Esta última negou qualquer hipótese de independência para as colónias, por isso sabíamos que não podíamos contar com eles.
Eles acreditavam que bastava sair uma unidade para a rua, que sairiam todas. Mas não era verdade
Depois houve um conjunto de situações que precipitaram o 25 de Abril.
Tudo começa quando o Spínola, vice-Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, lança o livro ‘Portugal e o Futuro’, no qual defende uma solução política e não militar para o conflito do Ultramar. Marcello Caetano considera que é um manifesto de oposição e tenta demitir-se, mas o Presidente Américo Tomaz não lhe permite e manda-o exonerar o Spínola e o Costa Gomes, que era o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e que tinha dado luz verde ao livro. Ora, com as duas exonerações, os tais milicianos que tinham tido a promessa de Spínola de que continuariam como capitães apesar da revogação dos decretos, decidem sair para a rua a partir do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha e rumar a Lisboa no dia 16 de março. Eles acreditavam que bastava sair uma unidade para a rua, que sairiam todas. Mas não era verdade.
Era possível esta saída dos quartéis ter sido vitoriosa?
Não, até porque era sábado e aos sábados os quartéis estão vazios e ninguém se lembrou disso. E eu vejo-me a braços com esta saída iminente… a verdade é que não tive capacidade, enquanto dirigente do MFA, para travar esta situação. O major Monge e o Casanova foram para as Caldas para tentar travar a saída dos militares, mas já os apanharam às portas de Lisboa. Eram cerca de 200. Regressaram todos para as Caldas e essa rapaziada acabou por ser toda presa. E eu só não fui preso pela PIDE por uma questão de segundos. Nessa madrugada eu fui a Mafra e quando voltei a casa do Monge, onde tínhamos estado reunidos, estava à procura de lugar para estacionar e vejo um carro parar de onde saíram cinco tipos com chapéus e gabardines.
Com estas detenções era urgente pôr o plano em prática…
Claro, pá. Uma semana depois, a 24 de março, convoco uma reunião com o que sobrava da Comissão Executiva do MFA – tínhamos tirado a palavra Oficiais por sugestão do Spínola que nos lembrou que íamos precisar de todos e não apenas dos oficiais. Nessa reunião fiz o meu ‘mea culpa’ por não ter conseguido parar o 16 de março e fiz uma proposta: caminhar rapidamente para a execução de uma operação militar que tinha de ter uma ordem de operações, missões a atribuir a todas as unidades onde o movimento estava implementado e tinha força e também uma rede de transmissões a funcionar e um posto de comando a comandar toda a operação.
Era preciso antecipar e ficou para dia 25 e eu arrisquei muito na elaboração, confesso que arrisquei
Porquê o dia 25?
Bom, tinha de ser na última semana de abril, porque a PIDE andava ocupada com o pessoal do PCP e do MRPP que andava a fazer grafittis e a dizer que iria haver sangue no 1.º de Maio. E depois desta data eles estavam libertos para interrogar a malta que tinha sido presa no 16 de março e corríamos o risco de eles abrirem boca e falarem sobre o movimento e dizerem quem era quem. Depois não podia ser dia 22 porque era segunda-feira e o pessoal regressava aos quartéis e nem podia ser dia 26 porque o pessoal ia de fim de semana. Era preciso antecipar e ficou para dia 25 e eu arrisquei muito na elaboração, confesso que arrisquei.
Que riscos correu?
Eu sabia muito pouco ou nada da GNR, da PIDE, da PSP e da Legião Portuguesa. Então procurei saber quem estava na repartição de informações do Exército – porque eles tinham dossiers sobre todas as forças. Era o major Nuno Garoupa. Liguei-lhe e depois fui a casa dele e disse-lhe a verdade: ‘vou fazer uma operação militar para derrubar o governo e preciso da tua ajuda’. E expliquei-lhe que só precisava de informações, precisava de saber o número de elementos, número de viaturas, horas das rondas…
Podia ter corrido mal…
Podia. Ele podia ter ligado ao Estado Maior a contar tudo. Eu ia preso e a operação morria ali.
Corri o risco de ser denunciado, mas tive de o fazer
Mas este não foi o único risco que correu.
Não. Nessa altura descobri que um primo da minha mãe estava colocado no quartel-general da GNR onde era adjunto de operações. Liguei-lhe, fui a casa dele e contei-lhe tudo. ‘Estou a correr o risco de me denunciares, mas eu confio profundamente em ti e sei que não o vais fazer. Se o fizeres és capaz de te lixar porque alguém pode ter a missão de te liquidar’. Mais uma vez corri o risco de ser denunciado, mas tive de o fazer. O meu primo não me denunciou e até foi um elemento atuante na rendição do governo.
E como é que o locutor João Paulo Diniz foi convencido a passar a primeira senha?
O João Paulo Diniz era um antigo primeiro cabo de engenharia a quem eu tinha facilitado a vida e era o homem indicado para lançar a primeira senha porque era locutor – achava eu – no Rádio Clube Português. No dia 22, já de madrugada, encontro-me com ele no restaurante Apolo 70. Quando entro dou de caras com o Zeca Afonso. Caramba, era um sinal. Bom, disse-lhe o que estava a preparar e ele diz-me que não trabalha no RCP mas sim nos Emissores Associados de Lisboa cuja potência de antena é apenas de aproximadamente 100 quilómetros. ‘Chega a Santarém, Mafra e Vendas Novas?’, ‘Chega, sim senhor’. ‘Pronto, vais entrar nisto’ e ele ficou aflito [risos].
Quem sugere o tema 'E Depois do Adeus'?
É o João Paulo Diniz. Eu queria uma música do Zeca Afonso, mas ele disse logo que não podia ser porque a maioria estava no índex da PIDE e então sugeriu o ‘E Depois do Adeus’ porque estava na berra. A única coisa que ele tinha de fazer era colocar a música no ar e assim fez às 23 horas da noite de 24 de abril.
Queria o Zeca Afonso e conseguiu.
Consegui, pá. Eu gostava muito dele, tinha vários discos dele. E depois de o ter encontrado no Apolo 70 vi naquilo um sinal. Tinha de ser uma música do Zeca Afonso. Mas as que eu queria - ‘Traz Um Amigo’ e ‘Venham Mais Cinco’ - estavam todas no índex. E lá chegámos ao ‘Grândola Vila Morena’ que ainda não estava na lista proibida da PIDE e foi a segunda senha.
Fui respirando de alívio à medida que ia recebendo, no posto de comando, os telefonemas a dizerem-me que os objetivos tinham sido tomados e sem incidentes
Apesar dos riscos que correu e dos contratempos, com algumas missões não concretizadas na madrugada da Revolução, a verdade é que a sua operação militar foi bem-sucedida. Quando é que respirou de alívio?
Fui respirando de alívio à medida que ia recebendo, no posto de comando, os telefonemas a dizerem-me que os objetivos tinham sido tomados e sem incidentes. E o facto de termos tido o fator surpresa do nosso lado também me deixou tranquilo.
A que horas saiu do posto de comando?
Eu fui dormir ao posto de comando ainda na noite de dia 23. Aliás só disse à minha mulher o que ia fazer nessa noite. Resolvi sair de casa por uma questão de segurança, não fosse haver um problema e prenderem-me em casa. No dia 24 ainda fui dar aulas na Academia Militar para não levantar suspeitas e só saí do posto de comando da Pontinha já no dia 26 às 13h30.
Fonte: Noticiasaominuto
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