quinta-feira, 8 de março de 2018

Elementos da Filosofia Política - Conceito de Estado

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O estudo e a compreensão do Estado vem se tornando uma das preocupações fundamentais da ciência política, especialmente porque incide num tema crucial que envolve a todos nós, que é a questão do Poder, sua origem, natureza, organização e distribuição.
Para explicar o Estado Moderno, desde sua formação com o advento do capitalismo mercantil até os dias atuais quando o Estado precisa adequar-se ao capitalismo mercantil e monopolista, desenvolveram-se dois enfoques principais: liberal e marxista.

O enfoque liberal constitui-se numa interpretação do Estado feita pela burguesia nos diferentes momentos do desenvolvimento do capitalismo, fundamentado na idéia de que o Estado objetiva a realização do bem comum e na idéia de que o Estado é neutro.

O enfoque marxista se caracteriza pela crítica ao posicionamento liberal de Estado e está fundamentado na existência de uma sociedade de classes onde os interesses são antagônicos, o que inviabiliza a realização do bem comum e a neutralidade do Estado.

A preocupação com a organização política é muito antiga, reportando à antigüidade clássica, evidenciando-se nas obras de Platão (428-347a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.).

Platão escreveu a obra intitulada “República”, onde descrevia a República ideal, que tinha por objetivos a realização da justiça, que consistia na atribuição a cada um a obrigação que lhe competia, segundo suas próprias aptidões. A República de Platão caracterizava-se pela composição harmônica e ordenada entre três categorias de homens: os governantes (filósofos); os guerreiros e os que trabalhavam na produção.

Aristóteles que considerava a política como arte do possível e não do que deveria ser, escreveu a obra intitulada “Política”, partindo do estudo das cidades-estado gregas (pólis), onde defendeu a teoria das formas de governo com base em duas variáveis: quantos governam e como governam.

Conceito Liberal de Estado

Durante aproximadamente um milênio – Idade Média – as relações dos homens entre si e e estes com o poder foram explicadas como sendo determinadas por um ser divino que estava acima e além da compreensão e do controle humano. A lei oriunda dessa autoridade – a lei divina – serviu para justificar as relações econômicas, sociais e políticas por mais de mil anos.

As profundas transformações ocorridas nos séculos XIV, XV, e XVI com a gradativa superação do modo de produção feudal e com o advento do capitalismo mercantil inspiraram um Estado forte e centralizado. No final do século XVI a lei divina como fundamento das hierarquias políticas começou a ser substituída pela formulação sistemática dos direitos naturais e a atribuição ao Estado da realização do bem comum.

O iluminismo que se desenvolvia na época e que estimulava a luta da razão contra a autoridade, destruía o fundamento legitimista do Estado Medieval, ou seja, a argumentação de que o poder do Estado advinha de Deus. O Estado a ser compreendido como instituição humana e sua legitimidade a ser entendida como derivada da vontade popular. O soberano passou a ser visto como mandatário do povo dentro do Estado, impedindo que o poder fosse propriedade de alguém.

Hobbes, em sua obra Leviatã (1654), trabalhou os conceitos de Estado Natural, Pacto Social e Sociedade Civil. O Estado Natural, em seu entender, constituía-se na hipótese que os homens eram livres, mas viviam em constantes lutas que ameaçavam destruí-los. O Pacto Social significava um ato racional dos homens que renunciavam a seus direitos naturais em favor do grande Leviatã (Estado), que adquiria todo poder e que se encarregava de garantir a sobrevivência e bem estar dos homens.

A construção teórica de Hobbes tinha na prática o objetivo de explicar e justificar o poder do Estado Absoluto, que era necessário para o capitalismo em fase de expansão. Convinha à burguesia de um Estado que se possibilitasse essa expansão comercial européia, promovendo as navegações, as buscas de mercadorias, a conquista e colonização de terras em outros continentes. Esse papel só poderia ser desempenhado por um Estado forte e centralizado como foi o Estado Absolutista.

Locke descreve o Estado Natural como um Estado de perfeita liberdade individual e de igualdade. Como os homens temiam que esse Estado pudesse degenerar em um estado de guerra, no qual um homem tentasse submeter o outro a seu poder absoluto, delegaram poderes a um Estado, através de um Contrato Social, para que este assegurasse seus direitos naturais, assim como, a sua propriedade.

Para Rousseau, a sociedade civil nasce também através de um Contrato Social, no qual os homens não podem renunciar a seus bens mais essenciais do Estado Natural: a liberdade e a igualdade. Em Rousseau a liberdade e igualdade estão associadas, e o aparecimento da desigualdade compromete este estado de bem estar. É por esta razão que Rousseau vê no surgimento da propriedade a origem de todos os males da humanidade, como está expresso na seguinte afirmação: “o primeiro homem que após cercar um pedaço de terra, se lembrou de dizer: isto é meu e encontrou pessoas simples o bastante para acreditarem, foi o verdadeiro fundador da sociedade. Quantos crimes, quantas guerras, quantos assassinatos, quantas desgraças e horrores teria poupado para a espécie humana aquele que, arrancando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos semelhantes: guardai-vos de ouvir esse impostor, estais perdidos se vós esqueceis de que os frutos da terra pertencem igualmente a todos e que a própria terra não é de ninguém”.

Tanto Locke como Rousseau consideravam que o poder do Estado residia no povo, que era soberano. Rousseau afirmou que a partir do Contrato Social surgiu a “vontade geral” que é soberana e que visa a realização do bem comum.

O desenvolvimento do capitalismo industrial ao longo do século XIX acentuou as desigualdades econômicas e sociais, período de formação da classe proletária, o que exigiu dos teóricos liberais desse século novos posicionamentos. Tornava-se cada vez mais difícil, por exemplo, sustentar a posição de Rousseau, que afirmava que a desigualdade econômica e social comprometia a liberdade. Surgiram então diferentes elaborações procurando defender a idéia de que os indivíduos eram desiguais por natureza e que por essa razão tinham situações econômicas, sociais e políticas diferenciadas.

Entre os teóricos que no século XIX reinterpretam as idéias liberais e procuram justificar uma nova postura do Estado, podemos citar Augusto Comte, considerado o propagador da paz entre as classes sociais e da imutabilidade das relações das relações capitalistas. Segundo Comte, “nenhuma sociedade pode existir se inferiores não respeitarem os superiores e se os fracos, não governarem rendendo serviço aos débeis”, e “a propriedade é a condição fundamental da sociedade”.

No século atual com o processo de exploração capitalista cada vez maior, novas reconstruções teóricas tiveram que ser feitas. Surgiu por exemplo, a corrente pluralista, que procurou justificar a desigualdade como resultante de diferenças entre os indivíduos no que tange à racionalidade, à informação e à participação política. Tais diferenças explicariam a existência na sociedade de indivíduos empreendedores (elite política) e indivíduos consumidores (eleitores).

O declínio da Democracia liberal no fim do século XIX e no início do século XX também viabilizou a emergência do corporativismo, no qual o Estado passou a ser defendido como representante do bem comum, o que lhe confere autoridade de moral e legitimidade. Na prática o corporativismo objetiva harmonizar as classes presentes na sociedade capitalista e justificar o papel do Estado que convém ao capitalismo em sua fase monopolista. A concepção liberal de Estado que começou a ser construída no século XVII, no decorrer do processo histórico, foi sofrendo as adaptações necessárias para justificar a situação da burguesia e o papel do Estado.

Concepção Marxista de Estado

Para explicar a origem e natureza do Estado é de grande importância a contribuição de Engels que afirma: "enquanto os homens viveram na sociedade primitiva prescindiram do Estado assim como não tiveram a menor idéia de poder estatal, leis, tribunais. Neste período regiam-se por normas sociais e morais de convivência. Isso era possível porque os homens eram mais ou menos iguais, só coletavam e produziam o que era necessário para sua sobrevivência, não havendo portanto classes sociais diferenciadas".

Na medida que os homens foram se tornando sedentários e passaram a criar animais e plantar, começou a ser gerado um excedente de produção que as comunidades não tinham condições de consumir. Alguns povos primitivos até criaram determinados ritos e cerimônias nos quais ofereciam a seus deuses o sacrifício de animais ou a queima de grãos e outros produtos da agricultura, destruindo em parte o excedente econômico.

Entretanto, como a produção cresceu cada vez mais, essas estratégias acabaram sendo ineficazes, o excedente foi se acumulando e um grupo passou a apropriar-se do mesmo. A partir desse momento começaram a configurar-se as classes sociais – a que controlava o excedente econômico e a que trabalhava para manter a produção.

Quando se verificaram essas transformações na sociedade, determinando a formação de classes sociais diferenciadas originou-se, consequentemente, a luta entre elas, gerando a necessidade da criação de uma instituição que garantisse a apropriação do excedente econômico por uma classe. Surgiu então o Estado que desde suas origens teve o objetivo de assegurar a posse do excedente econômico a uma classe e manter sob controle, através de mecanismos de dominação a outra classe.

Apesar de Marx e Engels não terem desenvolvido uma teoria do Estado capitalista, é possível retirar de suas colocações principais os fundamentos marxistas de Estado. Como primeiro fundamento afirmam que o surgimento e desenvolvimento do Estado decorreu das relações de produção e não como pensavam os filósofos idealistas, do desenvolvimento da mente humana ou, como defendera Rousseau, do conjunto das vontades coletivas.Marx e Engels tem uma concepção materialista do Estado, ou seja, relacionam sua origem e evolução ao desenvolvimento da própria humanidade.

O segundo aspecto da análise marxista, é de que o Estado não representa a vontade geral e não objetiva a realização do bem comum, pelo contrário, é opressão política da estrutura de classes de uma determinada sociedade, representante dos interesses da classe que detém os meios de produção.

Antônio Gramsci contribuiu significativamente com a posição marxista de Estado, considerando que a classe dominante não usava somente o poder coercitivo ou mesmo o poder econômico para dominar a classe menos privilegiada, mas o fazia através de sua hegemonia expressa na sociedade civil e do Estado. A classe dominada e submetida à hegemonia burguesa assimilava os valores sociais, culturais e morais dessa classe e passava a defendê-los como seus, o que garantia a reprodução da sociedade capitalista.

Os estudos sobre hegemonia avançaram em Gramsci na medida em que o autor estabeleceu que, com o desenvolvimento, organização e conscientização do operariado, esse começou gradativamente libertar-se da hegemonia burguesa e a perceber a necessidade de lutar por transformações estruturadas com o desenvolvimento de uma nova visão de sociedade e a construção de uma contra hegemonia: a proletária.

Enquanto os ideólogos burgueses defendem o Estado como um órgão de conciliação de classes, segundo Marx, é um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma ordem que legaliza e consolida essa opressão, moderando o conflito entre as classes, representando os interesses dominantes e os proprietários, com a finalidade principal de impedir a revolução social.

Na aparência é uma instituição distinta, neutra, separada do resto da sociedade, mas, na realidade, age através de suas estruturas educacionais, jurídicas, políticas e financeiras para perpetuar o status quo. Na antiguidade representou os interesses dos senhores face aos escravos, no feudalismo, representou os interesses dos latifundiários em relação aos servos e na atualidade, representa os capitalistas face aos trabalhadores.

Segundo Marx, a maioria das instituições sociais e políticas é, em grande parte, moldada pela base económica da sociedade: o modo de produção. Com o passar do tempo, as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção. A revolução gerada por esses conflitos é que inspira o sentido à evolução histórica das sociedades.

Por Professor Aloíso


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