Estamos em tempo de praia e, para chegarmos a muitas delas, temos de atravessar edifícios arenosos que todos conhecemos, mas que nem todos tiveram oportunidade de saber o que são, porque estão ali e que cuidados exigem, como património natural que são.
As edificações dunares não são exclusivas dos desertos de areia. Existem nas orlas litorais, em qualquer latitude, sempre que a extensão do areal a seco seja suficiente, e que não haja obstáculos importantes no relevo que permita a sua formação. Nas duna litorais, Ao contrário do que acontece com as dunas dos desertos de areia, nas dunas litorais o transporte eólico (pelo vento) é geralmente curto. No entanto, bastam umas centenas de metros de percurso para que os grãos de areia subtraídos à praia (rolados e de superfície polida e brilhante, em especial os maiores) sejam despolidos.
Nas praias, os ventos dominantes, quando animados de energia suficiente, varrem-lhes as areias com as quais alimentam as acumulações dunares, fazendo-as progredir para o interior, invadindo as terras de cultivo, sendo conhecidas velocidades de progressão dunar na ordem dos 25 m/ano. Desde que a topografia o permita, as dunas assumem grandes extensões, no geral, paralelas à costa, constituindo cordões que, por vezes, se alargam alguns quilómetros para o interior. atingindo alturas na ordem da centena de metros, como é o caso da duna do Pilat. Em Portugal, as dunas litorais, também conhecidas por medos ou medões, alongam-se, com interrupções, entre Espinho e Vila Nova de Milfontes e na orla algarvia.
Entre elas, sobressai a duna de Salir do Porto (na imagem), a sul da Concha de São Martinho. Com cerca de 200m de comprimento e uma altitude a rondar os 50m, esta duna é o nosso mais alto edifício dunar, mas está longe de atingir a dimensões da grande duna do Pilat, a sul de Arcachon, na costa das Landes (França), com mais de 2,5 km de comprimento e cerca de 110m de altura.
As dunas litorais fixam-se por efeito da vegetação, sempre que esta se lhe impõe natural ou artificialmente. Trava-se aí um confronto constante entre a movimentação da areia e a ocupação vegetal. Por falta de alimentação (na praia), ou quando a velocidade do vento abranda e, portanto, a sua capacidade de transporte diminui, a vegetação inicia a sua fixação, o que constitui um entrave à deflação (o acto de varrer pelo vento), incrementando-se a ocupação vegetal, até que a duna se fixa. Pelo contrário, nas áreas mais expostas às acções do vento e desde que haja areia disponível, a sua constante movimentação não permite a fixação das plantas e a duna cresce e progride. Nestes termos estabelece-se uma fronteira instável, onde as acções se neutralizam, e que oscila em função das variações ocasionais. O Homem pode intervir na deslocação deste limite, a seu favor, através de artifícios vários. Um exemplo desta intervenção é o pinhal de Leiria (plantado muito antes do tempo rei D. Dinis, e agora destruído por um incêndio criminoso, sem culpados à vista) que conteve a progressão dunar para o interior. Habitualmente, por desconhecimento ou por negligência, o homem intervém neste equilíbrio, com consequências adversas para o ambiente natural, a médio ou a longo prazo, sempre lesivas dos seus interesses. A extracção de areias nas praias ou nas dunas, a implantação de construções nestes edifícios móveis ou o trânsito de pessoas e viaturas são causas de situações indesejáveis, frequentemente noticiadas e documentadas por convincentes imagens televisivas.
Acompanhando as areias de duna, maioritariamente quartzosas (nas nossas latitudes), persiste uma certa percentagem de bioclastos de natureza calcária (grãos mais ou menos rolados de fragmentos de conchas). Em dunas antigas, de idade pleistocénica (Quaternário antigo), estes bioclastos são total ou parcialmente dissolvidos por acção da água das chuvas (gasocarbónica), que percorre o seu interior, caracterizado por elevada porosidade. O carbonato de cálcio dissolvido reprecipita depois, contribuindo, juntamente com outros factores, para a cimentação dos grãos da areia, maioritariamente de quartzo. Formam-se, assim, “dunas consolidadas” ou “dunas fósseis”, em que os grãos se encontram colados uns aos outros através de uma película de carbonato de cálcio que os envolve. Perto de Lisboa, em Oitavos, entre Cascais e o Guincho, encontra-se uma esplêndida duna consolidada, escavada do lado virado a leste, permitindo a observação de pormenor da estratificação entrecruzada, do carácter poroso e da deficiente consolidação desta rocha. Outras dunas consolidadas estão parcialmente conservadas na nossa costa, no Magoito (concelho de Sintra) e entre Sines e Porto Covo, no litoral alentejano. O Forte do Pessegueiro (Porto Covo) foi construído por blocos de duna consolidada (a pedra local disponível).
A ilha de Porto Santo, na sua parte central, está coberta por uma formação arenosa transportada eolicamente, a partir de um areal da praia. Estes eoleanitos, assim se podem chamar, em virtude do agente que os transportou, são constituídos por areias calcárias essencialmente biogénicas geradas numa plataforma carbonatada, que aí se desenvolveu no Miocénico, em condições de clima mais quente do que o actual. Móveis, na franja dunar da praia, a sul, estas areias estão mais ou menos consolidadas a norte da ilha, na região de Mornos e na Fonte da Areia. Ao contrário das areias das praias e dunas do continente, estas areias não têm quartzo. Aspectos semelhantes, mas em menor escala, podem ser observados na ponta de S. Lourenço, na ilha da Madeira
*A.M. Galopim de Carvalho (Geólogo)
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