No seguimento dos artigos onde falei e continuarei a falar sobre o
jornalismo regional, temos que, sem sombra de dúvida, dedicar um
capítulo para falar da forma como os órgãos de comunicação
social regionais se formam e gerem, bem como também escamotear o que
de facto está mal e devia ser corrigido, no que concerne ao
financiamento das empresas que gerem os títulos de comunicação.
Primeiramente, temos de entender que
os órgãos de comunicação regionais, antes de o serem, em primeiro
lugar são empresas, ou outra qualquer forma jurídica fiscal,
devidamente legal e autorizada. Depois de devidamente constituído o
veículo comercial e fiscal, inicia-se o processo de registo junto à
ERC, do novo órgão de comunicação pretendido. Após a aprovação,
pode-se iniciar o trabalho de comunicação, seja em que formato for,
através de texto, áudio, som, televisão, no online, impresso, ou
em ambos.
O problema começa após 6 meses, em
que e por via da dimensão da maior parte dos órgãos de comunicação
regionais existentes, (arrisco dizer talvez mais de 80%), não existe
capacidade financeira para criar uma estrutura comercial que traga
retorno para a empresa detentora do título em atividade (salvo
obviamente alguns títulos que o conseguem, felizmente). A parca
publicidade angariada depressa se esgota, e o jornalismo regional não
sendo apoiado estatalmente ou localmente, pelo trabalho que faz,
sendo a primeira linha de uma democracia sã (dizem os entendidos),
na minha opinião cada vez mais instável, não resta outra hipótese
que é a de começarem a criar buraco financeiro, fechando a
atividade algum tempo depois, ou mesmo emagrecerem o título para os
serviços mínimos, ansiando que alguma coisa vá mudar no futuro.
Isto, caros leitores e colegas,
advém da má regulação do setor por parte do estado, bem como de
uma política de apoios financeiros, quase em exclusivo para os
órgãos nacionais, em detrimento dos regionais. Aplaude-se o
trabalho do jornalismo regional, no levantamento de questões
fundamentais, na divulgação do que de melhor se faz, semanalmente,
nos concelhos, mas depois não se criam mecanismos de apoio
financeiros. Pede-se que façamos gratuitamente este trabalho, sem
pensarem que existem custos e nem sempre a publicidade angariada
cobre os custos de exploração (ordenados, equipamento, rendas e
gestão diária).
A publicidade nacional privada,
raramente baixa aos regionais, fruto de e mais uma vez, uma má
regulação do setor. Eu percebo que não caiba ao governo dizer às
empresas que tem de gastar determinado valor no jornalismo regional,
pois sendo empresas privadas, não se pode, de modo algum,
condicionar a liberdade de escolha dos veículos publicitários que
usam para divulgar os seus produtos, mas o governo também pode
recusar determinadas adjudicações, mediante determinados
posicionamentos. Ou não? Conhecem o regulamento que obriga as rádios
(públicas ou privadas) a passarem uma determinada percentagem de
música portuguesa, em função da que não é? Neste caso, e a bem
da música portuguesa, o governo impõe esta condição. Porque não
e em defesa do jornalismo regional, também impor-se que as empresas
que trabalhem para o estado (central ou local), e nos seus orçamentos
de marketing, terem de cativar uma verba para apoiar a imprensa
regional? É assim tão censurável? Penso que não e resolveria uma
grande parte dos problemas neste setor.
A somar ao problema de uma prática
já enraizada, de que raramente as marcas nacionais estão presentes
nos órgãos regionais, pelo menos com alguma expressão, é o
próprio governo que não dá o exemplo. O valor que cativa
anualmente para adjudicar publicidade no setor regional da
comunicação, raramente tem uma execução que ultrapassa metade do
previsto, simplesmente porque os ministérios e as secretarias de
estado estão-se nas tintas. É mais confortável e rápido negociar
com 4 ou 5 grupos que detém 80% dos órgãos nacionais, a terem de
construir uma plataforma que vise trabalhar com o setor regional. O
mais caricato é que a verba para o regional, em larga medida, nada
tem a ver com as verbas para o nacional (falo apenas de publicidade,
nada mais). Ou seja, se determinado ministério não gastar a verba
afeta ao setor regional, simplesmente essa verba não transita para
outra rúbrica, dando-se, no final do exercício, como não
executada, figurando nas contas do governo, na rúbrica da não
execução orçamental, no final do ano. Interpelando-se estes
senhores dos ministérios, sobre a razão destes procedimentos em
relação ao setor regional, têm a devida lata de dizer que os
jornais regionais é que não se aproximam e não enviam propostas.
Em 2022,2023, 2024 e 2025, tive o cuidado de contatar 8 ministérios
e 4 secretarias de estado, bem como 23 institutos públicos (fiz isto
todos os anos), que dependem do orçamento de estado, nomeadamente e
no que concerne à rúbrica da publicidade. Em 4 anos de contatos, em
mais de 150 e-mails e 65 chamadas feitas, o resultado foi ZERO. Nem
uma adjudicação, nem um pedido de orçamento, e a taxa de ausência
de respostas por parte dos destinatários, ronda os 95%.
Com isto não digo que não existam
órgãos regionais que fazem adjudicações ao estado, mas são muito
poucos, contando-se pelos dedos. Nas adjudicações ao poder regional
(quase em exclusivo às câmaras), existe uma inversão de 180 graus.
As câmaras continuam a ser ainda o maior cliente da imprensa
regional, embora, na minha opinião, terá de se regular o acesso a
essas adjudicações, no sentido de permitir uma maior clareza que
possa tornar mais independente a relação de certos órgãos com o
poder local. Mas isto dá outro artigo!
No governo anterior, iniciou-se um
trabalho com o ex-secretário de estado (agora Ministro) e mesmo com
o Ministro da tutela da altura (agora candidato à CM do Porto), e
embora não seja ainda a solução perfeita, é um começo. Mas como
já referi em artigo anterior, receio que esse trabalho seja para
meter na gaveta, se o setor regional não se mexer, organizar-se e
começar a fazer algum barulho.
Tem de se perceber que ao governo em
exercício (qualquer um), não interessa reforçar os poderes dos
jornalistas. Governos caem e são eleitos em Portugal e no mundo,
muito devido à ação de um verdadeiro jornalismo independente, que
denuncia o que mal está e consequentemente faz cair secretários de
estados, ministros e governos. Como os governos não podem tocar nos
nacionais, exercem uma espécie de vingança nos regionais. Vão
dando umas migalhas de vez em quando (e às vezes uns doces), mas o
verdadeiro manjar dos deuses é sempre para os mesmos.
Há que rapidamente alterar esta
política. Nos últimos 20 anos fecharam mais de metade dos títulos
regionais e neste momento mais de 80% do que existe ainda em
atividade encontra-se com grandes dificuldades de solvência.
Há que fazer um trabalho urgente de
sensibilização da opinião pública. Somente com quem nos lê, vê
e ouve, podemos ter força. Quem nos lê, vê e ouve diariamente,
são os que votam, são os que têm opinião na sociedade e são
aqueles que serão a nossa força futura. Há que os trazer para o
problema, explicar o que está mal e fazer dessas pessoas parte da
solução.
Por outro lado, temos de unir o
setor, identificar os pontos fracos, apresentar propostas e traçar
estratégias. Basta de falarmos para dentro e muitas vezes entre os
dentes, com a boca meio fechada.
No nosso setor, infelizmente, também
temos indivíduos que não prestam, que se vendem ao poder em troca
de algumas benesses exclusivas, para que paralisem o nosso setor e
incrementem uma política de demagogia estruturada, adiando dessa
forma posicionamentos que há muito deveriam estar no terreno. Esses
indivíduos têm de ser também postos fora das estruturas
associativas, denunciados e se for caso disso processados
judicialmente. O setor do jornalismo regional tem de se purgar para
renascer.
Somos muito pequenos separados, mas
muito fortes juntos.
*José Vieira – Jornalista e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Media Digitais Online)