Agora que acabou a corrida eleitoral das legislativas, outra começa,
muito mais local e muito mais visceral. As autárquicas mexem muito
mais com as nossas tripas, coração e cérebro do que qualquer outra
eleição.
Este ano e pela
conjuntura política, vamos todos tentar acertar e talvez falhar,
sobre como se vai comportar o mapa autárquico em vigor. De certeza
que vai ser um excelente ano para as empresas de sondagens, apenas
por 3 pequenos (grandes) detalhes. O PS está na chamada rua da
amargura e tão cedo não se recupera, o CHEGA sendo a segunda maior
força política do país, vai pela primeira vez (já foi mais, mas
esta é a doer) testar o seu eleitorado local, enquanto que o PSD e o
CSD/PP vão tentar andar entre os pingos da chuva, pois a AD foi a
força política a crescer mais, diretamente proporcional à queda do
PS e aguardam que a esgrima se faça entre o que resta do PS e o
irrequieto CHEGA que pretende acabar o que começou, que é tirar
mais alguns pontos ao PS, pois a restante esquerda está muito
esquelética, e ganhar câmaras, consolidando o seu eleitorado.
Mas vamos por
partes:
O PS devido ao
desaire já anunciado antes das legislativas, fruto do maior erro de
Pedro Nuno Santos em querer ir de novo a eleições, está neste
momento sem eira nem beira. Carlos César faz o que pode, mas tão
cedo o partido não irá afirmar uma liderança consistente e forte.
Mesmo que José Luís Carneiro (ou outro candidato) tome posse
rapidamente, não tem tempo até às autárquicas de reconstruir este
partido. Mesmo com Marcelo Rebelo de Sousa a protelar a data de irmos
a votos, para ver se o PS vai remendando alguns furos na estrutura e
ganhar assim algum tempo, o facto é que vão ser precisos pelo menos
2 anos para o PS fazer as pazes com o seu eleitorado, que viu fugir,
essencialmente para o CHEGA e para a AD. Ora, sabemos perfeitamente
que quem é de esquerda, por norma e numa situação normal, não
vota à direta, nem tão pouco à extrema-direita. O contrário
também é verdade. Mas de facto, isso aconteceu, e só nos informa
que estamos perante um ciclo político anormal, e que o povo quer
enviar um recado à esquerda. Não foi só o PS que afundou, mas sim
quase todos os partidos à esquerda, livre exceção ao LIVRE, que
conseguiu manter-se e até mesmo crescer alguma coisa. O PS e desde
há 12 anos, tem tido sempre a maioria das câmaras em Portugal (em
2021 ganhou 148). Neste momento, com diversos Presidentes de Câmara
do partido a serem impedidos de se recandidatarem, e muitos valores a
fugirem para outros partidos, não é fácil fazer futurologia.
Cheira-me que o PS vai levar um tombo, ou não. Tudo depende do
CHEGA, pois, a direita tradicional deverá manter o que tem. Mas já
lá vamos.
Na segunda parte,
falemos do CHEGA.
Sendo um partido
muito recente, não tem ainda tempo de fidelizar o seu eleitorado.
Falo das massas, aqueles que lhe deram os 60 deputados. O CHEGA terá,
certamente, capacidade para eleger de 12 a 18 deputados, num ciclo
político normal, pois os portugueses estão habituados a esta
alternância entre partidos, a chamada bipolarização, e não vão
arriscar num regime que poderá fazer muito bem, ou muito mal. Ou
seja, um regime de incerteza. E depois, quem conhecemos de valor que
está no CHEGA? Sim, alguns nomes com algum destaque, mas na maioria
dos casos, vemos pessoas que não estão de todo preparadas para
assumir cargos de gestão governamental. E os portugueses sabem
disto. E alguns votaram CHEGA justamente para dar um cartão amarelo
ao PS e à esquerda. Não foi ao sistema, porque senão a AD não
teria crescido tanto, e convém registar que foram quem mais
cresceram nas últimas eleições. Ressalve-se que o CHEGA venceu a
esquerda, não o sistema.
André Ventura e
a sua comissão de gestão das autárquicas devem andar com os nervos
à flor da pele. As autárquicas serão as eleições que das duas
uma, ou acabam de vez com o PS e remete-o para números impensáveis,
e o CHEGA começa a pintar o mapa autárquico com os seus executivos,
ou o CHEGA não é relevante no panorama local, tudo se mantém e os
que advogam que o voto no CHEGA tem sido e apenas de protesto provam
o seu ponto de vista. Por estes motivos, André Ventura não vê com
bons olhos estas eleições. Não pode. O CHEGA precisa de tempo para
consolidar, pois cresceu muito rápido, e não estou a ver candidatos
de peso que se aproximem do CHEGA para assumirem candidaturas às
câmaras municipais. As autárquicas são umas eleições muito
pessoais e ou unipessoais, sendo preciso haver solidificação
eleitoral, ligações muito fortes entre candidatos e eleitores e o
CHEGA ainda não chegou lá. Se André Ventura perder as autárquicas,
será o começo do fim para o CHEGA e a normalização do sistema
político bipolar. Este filme já passou em muitos países e o que
chama à atenção é o crescimento do populismo, porque encaixa
perfeitamente na revolta das pessoas, mas na altura certa ninguém
quer atirar o país para um sistema político e para políticos que
pouco se sabe, que poucas provas deram à sociedade e assim arriscar
algumas conquistas de abril, que são e nomeadamente a liberdade, o
SNS e as pensões, pedras basilares da nossa sobrevivência.
Por último, o
PSD, o CDS e o PSD+CDS
Se analisarmos
que a AD foi a coligação que mais cresceu nas últimas eleições
legislativas, comparativamente a 2024, pode-se antever alguma
estabilidade de votos. Estando a guerra política concentrada entre o
CHEGA e a esquerda, o PSD sozinho, ou coligado com o CDS, vai tentar
manter ou mesmo crescer o nº de câmaras. Estes dois partidos estão
quase a fazer as pazes com um eleitorado que prejudicaram bastante,
no tempo de Passos Coelho, e vão assim consolidando as suas bases.
Nem mesmo os diversos escândalos do nosso PM parece abalar a
coligação. Sem maioria, vamos ter mais do mesmo deste futuro
governo, ou seja, políticas ao centro/centro-esquerda, e mais uma
vez Montenegro não vai conseguir executar o que deseja, virar o país
mais à direta, cortando direitos fundamentais, e dando ao privado o
manjar dos deuses. Não. Luís Montenegro não teve maioria, não
pode governar como bem lhe apetecer. E não havendo entendimento com
o CHEGA, vamos ver muitas vezes a Assembleia Nacional a governar por
decreto. O que quer dizer que vamos continuar a desbaratar muito
dinheiro mal gasto, e daqui até setembro, a AD vai continuar a
crescer, e isso vai-se refletir certamente no resultado das
autárquicas. Com esta luta entre a esquerda e o CHEGA, basta à AD
e aos seus partidos recolher algum do espólio que vá sobrando
dessas batalhas, para irem estabilizando as suas bases e crescendo
alguma coisa.
Em suma, acredito
que vão ser umas eleições bem interessantes, politicamente
esclarecedoras e decisivas também para o PS e o CHEGA. Ou o PS
recupera ou o CHEGA consolida-se. Vai tudo girar à volta disto. Tudo
o mais é cenário eleitoral.
Os restantes
partidos, embora merecendo todas as honras na minha escrita, saem
fora do âmbito e do objetivo que pretendo para este artigo.
Certamente, falarei deles em futuros artigos e analisarei com mais
alguma profundidade a sua trajetória.