Dois meses depois de terminada a I Guerra Mundial, em Janeiro de 1919, W. B. Yeats escreveu um grande poema a que deu o nome de "A Segunda Vinda":
Tudo se desmorona; o centro cede
Uma total anarquia abate-se sobre o mundo…
Aos melhores falta-lhes convicção, enquanto os piores
Estão cheios de uma intensidade apaixonada
Que horrível besta, chegada a sua hora,
Se arrasta até Belém para nascer?
Cito este poema porque ele vem também citado logo na abertura de um texto de Anatole Kaletsky, economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics, hoje editado pelo Jornal de Negócios:Quando tudo se desmorona. É um texto que relembra sucessivas crises porque passou o nosso mundo ocidental, e o capitalismo, para terminar com um diagnóstico que é também um desafio: “A mensagem da revolução populista de hoje é que os políticos devem rasgar os seus manuais de regras pré-crise e incentivar uma revolução no pensamento económico. Se os políticos responsáveis recusarem fazê-lo, alguma "horrível besta, chegada a sua hora" o fará por eles.”
Na mesma banca dos jornais de hoje, mas agora no Diário de Notícias, um outro colunista, que também escreve no Financial Times, Wolfgang Münchau, também fala dos populismos que grassam na Europa, considerando que foram As grandes coligações da Europa permitiram o fortalecimento dos extremos. É uma tese tudo menos consensual, mas que tem como ponto de ancoragem o que se está a passar na Áustria, onde os dois grandes partidos que governaram o país desde a II Guerra, o social-democrata e o cristão-democrata, muitas vezes em coligação, nem sequer conseguiram fazer passar à segunda volta das eleições presidenciais o seu candidato, surgindo à frente, muito destacado, o candidato do Partido da Liberdade (FPÖ), anti-imigração. O foco da análise de Münchau é, no entanto, a sua Alemanha: “Sempre que os dois principais partidos da Alemanha formaram uma grande coligação, eles acabaram por fortalecer os extremos. A grande coligação de 1966--69 deu um grande impulso ao NPD, um partido de ultradireita. Deu também origem a um movimento de extrema-esquerda, do qual emergiu a rede terrorista Baader-Meinhof. A grande coligação de 2005-09 levou a uma onda de apoio ao Partido de Esquerda e ao Partido Verde. O principal beneficiário da atual grande coligação, que tomou posse em 2013, é a Alternative für Deutschland, o partido de direita anti-imigração.”
Será que, como no poema de Yeats, isto é sinal que “Tudo se desmorona [na Europa]; o centro [a Alemanha] cede”? Os mais pessimistas dirão que sim, os mais optimistas que em tempos de tantas crises os partidos centrais estão, afinal, a mostrar muito mais resiliência do que no passado. Passemos por isso a textos algo contrastantes, todos recolhidos no site do Project Syndicate.
O primeiro é de Simon Johnson, antigo economista-chefe do FMI, que escreve sobre The Next Global Boom – and Bust. É um texto que procura equilibrar o lado mais luminoso – “Growth will return. Entrepreneurs will start new companies, and they will fund their risk-taking with equity investments provided by venture capital funds. Established nonfinancial firms have learned the hard way that they need to be careful with leverage and keep large cash cushions.” – com avisos mais sombrios – “It’s the big banks that continue to prefer being highly leveraged. And too many policymakers are deferring to them. Like it or not, that means we are in line for another stomach-turning round on the global economy’s wild ride.”
Nouriel Roubini, o economista que previu o colapso de 2008, escreve sobre The Global Growth Funk e considera que as perspectivas não são nada brilhantes: “For the time being, we are likely to remain in what the IMF calls the “new mediocre,” Larry Summers calls “secular stagnation,” and the Chinese call the “new normal.” But make no mistake: There is nothing normal or healthy about economic performance that is increasing inequality and, in many countries, leading to a populist backlash – both on the right and the left – against trade, globalization, migration, technological innovation, and market-oriented policies.”
Finalmente regresso ao autor com que abri este Macroscópio, Anatole Kaletsky, que no seu texto mais recente defende uma perspectiva original ao colocar uma intrigante interrogação:Roman Europe? A sua perspectiva é de forte crítica a Angela Merkel, que considera não ter resposta para a questão central, isto é, “As the European Union begins to disintegrate, who can provide the leadership to save it?” E é aí que ele se vira para Itália. Por um lado, para Mario Draghi, que elogia por ter, na sua opinião, transformado o Banco Central Euro “into the world’s most creative and proactive central bank”. Mas também para o primeiro-ministro Renzi, considerando que “With luck, a new breed of wily and agile Italian leaders will out-maneuver the blundering German dinosaurs, whose outdated rules and doctrines are leading the EU toward extinction.”
Mas não é nada claro que o caminho a seguir seja o defendido por Kaletsky, que gostaria de ver as rotativas a imprimir mais e mais dinheiro. Há quem insista na necessidade de continuar a reformar a Europa, e cada um dos seus mercados, para os tornar mais competitivos. É essa a tese do Wall Street Journal, por exemplo, que ilustrou com uma fotografia do nosso primeiro-ministro um editorial intitulado Eurozone Crises for Everyone. Onde, depois de considerar que “Portugal could become Europe’s latest victim of antireform politics”, se escrevia, por exemplo: “Mr. Costa’s predecessor, the center-right Pedro Passos Coelho, only partially liberalized the heavily regulated labor market. And now the reforms he did push through are in jeopardy from a left-wing coalition government that ran against “austerity.” No wonder the other three main credit firms—Standard & Poor’s, Moody’s and Fitch—have given Portugal’s government a junk rating.”
Econtramos esse mesmo registo bastante crítico da ausência de reformas capazes de tornar as economias mais competitivas numa análise do Financial Times às dificuldades francesas, à sua proverbial a versão a mudar seja o que for. Em France’s economic woes in charts, Valentina Romei trata de ilustrar o porquê de, em França, “Slow growth has been the case for a while: economic growth in France has been sluggish in the past few years, and indeed if we look at how things have fared since the beginning of 2014 France become the worst performer among the major European economies, excluding Italy.”
O interesse desses gráficos é que muitos deles também mostram a posição relativa de Portugal, razão porque citei alguns deles na minha mais recente crónica, A grande farsa. E a catástrofe anunciada. É um texto onde procuro expor a estratégia política do nosso governo, “que diz uma coisa em Bruxelas e outra aos portugueses, que promete à DBRS o que ilude aos parceiros da geringonça”, mas onde também chamo a atenção para os primeiros sinais inquietantes, vindos da economia, das consequências de uma política de reversão das reformas efectuadas, altura precisamente em que recorro a gráficos de várias órgãos da imprensa internacional. Para concluir: “Devo dizer que nada nesta evolução me surpreende. A obsessão de desfazer as reformas que vinham detrás não podia ter bom resultado no clima económico, o dinheiro não regressa ao bolso dos portugueses quando o que se “dá” por um lado se tira pelo outros e nenhuma confiança é possível num país que passou pelo que passou e desconfia de milagres – mesmo sendo um país excessivamente dependente do Estado, Portugal não é um país de tolos nem de desmemoriados, está bem presente na memória colectiva onde nos levaram as promessas de fartura e a orgia do endividamento.”
Mas para não acabarmos com esta nota de maior preocupação, e procurarmos antes um perspectiva de mais longo prazo, há um trabalho de José Carlos Fernandes no Observador, um Especial editado este fim-de-semana, que ajuda a olhar para a Europa não apenas pelo prisma dos dias que correm, mas com a profundidade que séculos de História ajudam a conseguir. Trata-se de A caminho do poder: histórias dos mapas da Europa, que parte de “Um livro de Brendan Simms [onde se] oferece uma arrebatadora perspectiva aérea de cinco séculos e meio de geopolítica europeia, tendo como foco a Alemanha e as entidades políticas que a antecederam”. E eis um exemplo de como os tempos, apesar de tudo, mudaram imenso: “Mesmo durante os períodos de paz, a tensão reinante mantinha a despesa militar a níveis elevados: em 1938, os gastos com as forças armadas como percentagem do PIB eram de 6.5% na Grã-Bretanha, 7% em França, 11% na URSS, 15% na Alemanha e 22% no Japão; em 2014, estes valores tinham caído para 2.0% na Grã-Bretanha, 1.9% em França, 1.1% na Alemanha e 1.0% no Japão – a excepção são os 4.1% na Rússia, mas é preciso considerar que em 2014 a Rússia regressara à “mentalidade de cerco” que regera o comportamento das potências antes da II Guerra Mundial”.
Termino por hoje, a uma hora já tardia, mas com esperança de ainda possa ser útil, sobretudo que possam ser úteis algumas das leituras que recomendo. Bom descanso, e até amanhã.
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