segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A realidade virtual já não precisa de perfume barato

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4.0 Tecnologia, inovação e empreendedorismo
 
 
  João Pedro Pereira  
Foi inventado um aparelho que permite fazer uma espécie de percurso virtual de mota pelas ruas de Nova Iorque. Para além da imagem e som, é possível sentir movimento, o vento e até os cheiros dos locais por onde se passa. A máquina, chamada Sensorama, foi construída no final da década de 1950. O inventor, Morton Heilig, numa visão presciente, viria a argumentar que a tecnologia era útil não apenas para entretenimento, mas também para treinar militares e profissionais da indústria, e para ensinar estudantes.
Submergirmo-nos em ambientes que não aquele que nos rodeia é um desejo muito anterior a qualquer tecnologia moderna (é o que acontece quando se ouve uma história ou se lê um livro). E usar máquinas para colocar o utilizador no centro de um mundo mais ou menos construído é algo que, como mostra a história do Sensorama, antecede o aparecimento dos computadores pessoais.
Depois de falhanços vários ao longo da segunda metade do século XX, o conceito de ambientes virtuais teve um ressurgimento nos anos recentes, com uma catadupa de empresas a lançarem óculos de realidade virtual ou de realidade misturada (em que as imagens digitais se sobrepõem ao mundo real). O Facebook, por exemplo, é dono de uma empresa chamada Oculus, que fabrica óculos de realidade virtual e cuja tecnologia também é usada nos óculos Samsung Gear. O Google, num projecto que não chegou a bom porto, criou os Google Glass. A Microsoft lançou há dois anos os óculos HoloLens, naquela que é das mais completas tentativas até à data de misturar o mundo físico com o digital.
Uma experiência recente com os HoloLens, na sede da Microsoft em Lisboa, tornou palpável que, mesmo 70 anos depois do Sensorama, e dois anos depois do anúncio daquele produto, há muito caminho a percorrer. É fácil perceber o potencial de ensino quando se ouve uma voz pausada a explicar o corpo humano ao longo de sucessivas camadas, sendo possível contornar o corpo e vê-lo de vários ângulos. A tecnologia surpreende com a precisão com que segue o olhar e torna possível navegar com facilidade em menus que surgem no ar com um gesto (demasiado teatral) da mão. Mas rodar um objecto virtual é uma tarefa penosa, que requer treino. O campo de visão proporcionado pelos óculos está longe de ser perfeito. E o uso é desconfortável ao fim de pouco tempo. Crucial: poucos se atreveriam a andar na rua com aquele aparelho na cabeça.
Por ora, este tipo de tecnologia parece mais destinado a usos de nicho em ambiente profissional do que à generalidade dos consumidores. A analista de mercado IDC estimou (as estimativas tendem a ser revistas) que venham a ser postos no mercado cerca de 100 milhões de equipamentos de realidade aumentada ou virtual em 2020 – o valor é quase o triplo de 2016, mas não é uma adopção de massas.
O Sensorama, que chegou a estar numa sala de jogos em Nova Iorque, foi um falhanço comercial. Não que o inventor não se tenha esforçado: um dos filmes que mais terá entusiasmado potenciais investidores foi o de uma dançarina de dança do ventre, cujas imagens eram acompanhadas por perfume barato lançado pela máquina. O fracasso não retira a Morton Heilig o estatuto de visionário. Da mesma forma, as multinacionais tecnológicas têm hoje uma visão clara do futuro, mesmo que alguns produtos voltem ao laboratório por não estarem prontos para os escaparates (aconteceu com os Google Glass). A diferença é que, contrariamente a Heilig, estas empresas têm os recursos para transformar a visão numa realidade.

Digno de nota

- Quando se avizinham as eleições presidenciais francesas, o Google o Facebook juntaram-se aos media daquele país para combaterem as notícias falsas.
- É um sinal claro da influência das grandes corporações tecnológicas na vida dos cidadãos: a Dinamarca nomeou um embaixador para conduzir as relações com este tipo de empresas.
- A Snap, a empresa dona da aplicação Snapchat, está a preparar a entrada na Bolsa de Nova Iorque. Tem 161 milhões de utilizadores diários e ainda dá prejuízo.
- Um artigo interessante da Vanity Fair, no qual se argumenta que a tecnologia está a matar a indústria tradicional de Hollywood
- A Uber contratou um engenheiro da Nasa para desenvolver carros voadores
4.0 é uma newsletter semanal dedicada a tecnologia, inovação e empreendedorismo. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar.

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