Quando estávamos a preparar o lançamento do Observador, um projecto de informação exclusivamente online, era comum ouvirmos dizer que ninguém lia textos longos na internet. Ainda hoje ouço comentários, até de jornalistas, sobre a saudade que têm das longas reportagens e das grandes investigações. Nem esses comentários estavam certos, nem esses lamentos têm razão de ser. Hoje, se há tendência consolidada online, é o investimento naquilo que os anglo-saxónicos definem como “long reads”, literalmente “leituras longas”. Há mesmo sites que se dedicam a selecionar e agrupar esse tipo de trabalhos, como este, chamado exactamente Longreads.
No Observador investimos desde o início neste tipo de trabalhos e ao longo destes quase quatro anos confirmámos que não só esses textos mais longos têm por regra muitos leitores, como sabemos que os leitores se demoram a lê-los, isto é, que não desistem ao fim de alguns parágrafos. De uma forma geral agrupamo-los numa secção à parte, a dos Especiais, e eu próprio me espantei quando fui verificar quantos desses trabalhos especiais já publicamos desde 19 de Maio de 2014, pois o número impressiona: foram já mais de 3.800.
Calculo que nesta altura muitos leitores se interrogaram sobre o porquê destas considerações, e com razão. Mas ele é fácil de explicar: este é o último Macroscópio antes do arranque do Observador Premium, o programa de assinaturas do Observador, e a partir de amanhã os nossos especiais passarão a estar, por regra, classificados como artigos Premium, como já foi explicado aqui. Os fundadores do Observados já explicaram numa mensagem a todos os leitoreso porquê deste programa de assinaturas, pelo que hoje o meu objectivo é apenas chamar a atenção para alguns dos nossos mais recentes especiais. Aproveitem se ainda forem a tempo de lê-los todos sem fazerem uma assinatura, ou então aproveitem para a fazer já. Depois, e como esta newsletter não é umbiguista, acrescento ainda algumas sugestões de outras (boas) leituras longas de outros jornais online.
E nada melhor para começar esta breve lista de sugestões do que o tema do momento, o caso Manuel Pinho, que foi revelado numa investigação do Observador, da responsabilidade de Luís Rosa. O texto com que tudo começou foi GES pagou meio milhão a Pinho quando era ministro, publicado a 19 de Abril, onde se contava como uma offshore do antigo ministro tinha recebido cerca de 1 milhão do saco azul do GES entre 2006 e 2012, sendo especialmente grave que metade desse montante tivesse sido transferido para essa conta quando Manuel Pinho era ministro. No mesmo especial informava-se que o Ministério Público considera que foi para beneficiar BES e a EDP e que por isso Salgado iria ser arguido no caso EDP. No dia seguinte Luís Rosa continuou a desenvolver esta investigação, revelando que Manuel Pinho teve uma terceira offshore.
Mas se foi assim que tudo começou, os desenvolvimentos recentes deste caso suscitam várias questões políticas que Pedro Rainho sistematizou num outro especial que acabamos de publicar, As 5 perguntas a que Pinho tem de responder. É assim que este trabalho se apresenta: “Os investigadores do caso EDP querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Os deputados querem fazer perguntas a Manuel Pinho. E os jornalistas querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Há cinco essenciais.”
Os temas a que dedicamos os nossos especiais são muito variados, e naturalmente não numerosos aqueles que se dedicam ao que está no centro as nossas preocupações editoriais – o debate sobre as políticas públicas e o escrutínio de todos os poderes. Por isso mesmo criámos uma área distinta, uma espécie de “gaveta” à parte no “armário” dos especiais a que chamámos “Os Ensaios do Observador”. É um assunto de que vos falarei mais desenvolvidamente um dia destes, mas trata-se de textos em que se discutem alguns dos temas que cruzam o debate público, procurando contribuir para o enriquecimento desse debate. O mais recente de todos é da autoria de Alexandre Homem Cristo e procurou responder à seguinte questão: O TPC faz bem aos alunos?Ou seja, será que os trabalhos para casa ajudam a melhorar os desempenhos escolares? Ou obrigam os alunos a trabalhar demasiadas horas e provocam stress desnecessário? Com muitos números, muito gráficos e comparações com outros países é um daqueles textos que ajuda mesmo a pensar e a formar opinião.
Num registo mais jornalístico, Ana Kotowicz também procurou responder nestes últimos dias a uma outra pergunta que atormenta muitos pais:O meu filho deve ir para a escola aos 5, 6 ou 7?Como ela refere, “Há crianças muito imaturas, com problemas de linguagem ou que simplesmente não estão prontas para começar o ensino formal. O que devem os pais fazer? O primeiro conselho é conhecer bem o seu filho.”
Outros dois especiais recentes muito virados para a vida quotidiana foram De repente nos 30. Os medos e ansiedade de crescer, de Ana Cristina Marques – “Relacionamentos longos que acabam, amizades que mudam substancialmente e carreiras interrompidas. Os 30 são uma altura de reavaliação pessoal e de ansiedade que nos faz perguntar: "Afinal, sou feliz"?” – e Quando o medo do parto se apodera das mulheres, de Rita Porto – “Dor, procedimentos sem consentimento, indiferença dos médicos, o medo do desconhecido, mitos à volta do parto e relatos de terror das amigas são alguns dos factores que podem levar ao medo do parto.”
A ciência e a inovação também têm aqui espaço para textos desenvolvidos e bem sustentados, de que dou mais dois exemplos destes últimos dias: Inovação. Vamos comer carne sem matar animais, de Marta Leite Ferreira, um trabalho surpreendente sobre onde se conta como “Uma empresa em Silicon Valley quer pôr-nos a comer carne sem matar animais. Bill Gates, Richard Branson e a Tyson Foods já investiram na Memphis Meats, que quer revolucionar a indústria alimentar.” Já Vera Novais entrevistou o médico António Vaz Carneiro e este foi taxativo: "Nenhuma terapia alternativa tem base científica". Como se explica logo na abertura, “O médico não tem problemas em contrariar os colegas ou os decisores políticos se achar que as afirmações não foram baseadas em ciência. E desafia os opositores da ciência a provarem que está errado.”
O que nos leva a outra imagem de marca do Observador e de muitos dos seus especiais: não temos receio de polémicas ou de temas controversos, não receamos dar espaço a vozes críticas desde que com opiniões fundamentados. Talvez por isso um dos especiais mais lidos da última semana tenha sido TVI. As falsas "provas" sobre o incêndio de Leiria, um texto em que três especialistas – José Miguel CardosoPereira, Professor Catedrático do ISA e coordenador científico do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (2005),Paulo Fernandes, Professor Associado da UTAD e membro das Comissões Técnicas Independentes que analisaram os incêndios de 2017, e António Carvalho, antigo responsável da Polícia Judiciária pela investigação de causas de fogos rurais –desmontaram a reportagem daquela estação de televisão que sugeria que o incêndio de 15 de Outubro em Leiria teria tido uma origem criminosa muito concreta.
Para não me alongar muito mais, apenas mais três referências, estas relativas a outra área em que temos apostado, o ensaio e a divulgação histórica, muitas vezes por referências a livros recém-editados:
- O caminho para a II Guerra Mundial: como o impensável se tornou inevitável, de José Carlos Fernandes, falou-nos sobre "A Ordem do Dia", de Éric Vuillard, um livro que envolve factos históricos num véu translúcido de liberdade literária e lembra-nos que “as catástrofes maiores anunciam-se por vezes com pezinhos de lã".
- Fernando Gil: uma evocaçãofoi um especial em que divulgámos o testemunho de Manuel Villaverde Cabral sobre o legado do filósofo e a sua importância para a actualização, racionalização e modernização da sociedade portuguesa, um texto que o descreve como sendo “uma personalidade tinha ainda tudo a dar à cultura e à filosofia”.
- O silêncio sobre os dois primeiros anos do PCP, do historiador José Luís Andrade, antecipa o centenário do mais antigo partido português (foi fundado em 1921) para se interrogar sobre porque se evita falar dos anos da fundação, da adesão à Internacional Comunista e do consulado do seu primeiro dirigente máximo, Carlos Rates.
Admito que muitos dos leitores desta newsletter, atentos como são ao Observador, não tinham deixado escapar nenhum destes trabalhos recentes, pelo que passo a mais quatro sugestões de leitura que encontrei na imprensa internacional, sendo que a última delas é de um autor português. Vamos a elas.
The Big Shifté um ensaio de um dos grandes analistas de política internacional dos Estados Unidos, Walter Russell Mead, que na Foreign Affairs reflectiu sobre “How American Democracy Fails Its Way to Success”. Breve aperitivo para este importante texto: “The challenge is immense. The foundations of societies are quaking at home, even as the international order threatens to splinter. In the United States, policymakers and politicians now find themselves accountable to a public that may become defensive and antagonistic under the stress of economic and cultural change. The old answers in the old textbooks don’t seem to work anymore, the new answers haven’t been discovered yet, and those who will someday write the new textbooks are still in primary school. To reflect on the upheavals that accompanied the Industrial Revolution—the most destructive wars and the most unspeakable tyrannies in the history of our species—is to realize just how much peril we face.”
Luther vs. Erasmus: When Populism First Eclipsed the Liberal Elite, de Michael Massing na New York Review of Books, é uma viagem até ao século XVI e aos tempos em que o Renascimento e a Reforma estavam a mudar a Europa – e lutar pelo coração e pelas mentes dos seus povos. Segundo Massing, referindo-se a Lutero e Erasmus, “their conflict represented the clash of two contrasting world views—those of the Renaissance and the Reformation. Erasmus was an internationalist who sought to establish a borderless Christian union; Luther was a nationalist who appealed to the patriotism of the German people. Where Erasmus wrote exclusively in Latin, Luther often used the vernacular, the better to reach the common man. Erasmus wanted to educate a learned caste; Luther, to evangelize the masses. For years, they waged a battle of ideas, with each seeking to win over Europe to his side, but Erasmus’s reformist and universalist creed could not match Luther’s more emotional and nationalistic one.” O resultado deste confronto tem ressonâncias nos dias de hoje, até porque os tempos que se seguiram na Europa foram trágicos: “As his end approached, Erasmus sought to warn his fellow Christians of the catastrophe he saw looming—in vain. After his death, in 1536, Europe descended into a century of religious-fueled violence, culminating in the Thirty Years’ War (1618–1648)—the continent’s most destructive conflict before World War I.”
Why Is the Human Brain So Efficient?, Liqun Luo na Nautilus, é uma explicação sobre “How massive parallelism lifts the brain’s performance above that of AI.” Nestes tempos em que só se fala de inteligência artificial, é com saber que o nosso cérebro pode ter limites – “The fastest synaptic transmission takes about 1 millisecond. Thus both in terms of spikes and synaptic transmission, the brain can perform at most about a thousand basic operations per second, or 10 million times slower than the computer.” – mas ainda faz o que nenhuma máquina faz: “Over the past decades, engineers have taken inspiration from the brain to improve computer design. The principles of parallel processing and use-dependent modification of connection strength have both been incorporated into modern computers. For example, increased parallelism, such as the use of multiple processors (cores) in a single computer, is a current trend in computer design. As another example, “deep learning” in the discipline of machine learning and artificial intelligence, which has enjoyed great success in recent years and accounts for rapid advances in object and speech recognition in computers and mobile devices, was inspired by findings of the mammalian visual system.”
Termino, como prometi, com um autor português, Miguel Monjardino, que no City Journal de Nova Iorque regressa à sua experiência de ler e ensinar os clássicos gregos a alunos do ensino secundário da Ilha Terceira. Em In the Footsteps of BrasidasMonjardino medita sobre as “Life lessons from reading Thucydides and hiking at night”, o que pode parecer enigmático mas se explica facilmente: Brasidas era um general de Esparta que conseguia surpreender os inimigos com duras marchas noturnas, e o que Monjardino fez com os seus alunos foi organizar uma travessia noturna, a pé, da ilha açoreana em que todos vivem, sendo este artigo um relato vivido dessa experiência: “We stopped at Guerrilhas’s small crossing, gasping for breath, and waited for the others. They laughed at what they had just done. “This is madness,” an Argonaut said. Perhaps. But it is a special kind of madness—the feeling of being free. I’m grateful for it. I hope that the memory of Brasidas’s Walk will serve this year’s Hoplites, Argonauts, Helots, and Barbarians in real life—as it has served some of their predecessors in The Republic. Now, they have an idea of what night and nature can do to their minds and bodies. They have read Thucydides. And they have done some living, too.”
Bem e por hoje é tudo, até porque a hora já vai adiantada. Amanhã, 2 de Maio, teremos o arranque do Observador Premium– e certamente muitos leitores a aderirem desde a primeira hora a este nosso programa de assinaturas. Tenham boas, e longas, leituras.
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