sábado, 10 de junho de 2017

Macroscópio – Mais uma longa noite eleitoral. E um resultado que poucos previam.

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Os conservadores de Theresa May foram o partido mais votado nas eleições desta quinta-feira no Reino Unido, foram os que elegeram mais deputados, e no entanto perderam. E perderam porque a decisão de convocar estas eleições antecipadas tinha um objectivo – reforçar a maioria Tory e, assim, dar ao governo de May um mandato mais forte para negociar o Brexit – e acabaram por resultar num recuo do partido, que ficou sem maioria em Westminster. “O auto-golo do ano”, chamou-lhe o antigo futebolista Gary Lineker, e a imagem é pertinente. Antes May só tinha de controlar as franjas do seu partido, agora terá de negociar também com os Unionistas da Irlanda do Norte, cujo apoio lhe permitirá formar governo.
 
Muito rapidamente, comecemos pelos resultados, cujo detalhe é melhor consultar nalguns dos melhores sites de informação britânicos, casos da BBC, do Daily Telegraph ou do The Guardian
 
Do extensiva cobertura do Observador, recomendo que passem os olhos, ou tirem dúvidas sobre o que passou e pode passar, pelos seguintes trabalhos:
Com um fôlego diferente, há também para ler um ensaio de Bernardo Aguiar, consultor de assuntos europeus em Bruxelas, que, mesmo tendo sido escrito antes das eleições, faz não só um excelente ponto da situação de como está o ambiente em Bruxelas: Brexit. Começa agora a corrida contra o tempo. Este ensaio também inclui uma parte sobre o possível impacto da saída do Reino Unido em Portugal, contendo algumas recomendações para as empresas portuguesas.
 
Desculpem continuar no Observador – já vou mudar de agulha – mas tenho de destacar de novo o Conversas à Quinta de hoje – e eu sei que é sexta, mas adiámos o programa para poder comentar o resultado das eleições britânica. Em Que será agora do Reino Unido? E do Brexit? Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto reflectem comigo, ainda a quente, sobre o significado deste voto e as suas consequências – consequências para o Reino Unido, para os conservadores e para os trabalhistas, e também para o processo do Brexit. (Também disponível em podcast aqui e aqui.)


Hoje já foi possível começar a encontrar alguns (poucos) textos de opinião na imprensa portuguesa, de que destaco algumas passagens:
  • Theresa May: ainda vale a pena ser moderado?, de Rui Ramos no Observador: “Tanto Corbyn como May renegaram a tradição política recente dos seus partidos. Mas enquanto Corbyn, ao repudiar o centrismo de Tony Blair, pareceu restaurar a pureza ideológica do trabalhismo, May, ao afastar-se do programa de Margaret Thatcher, passou simplesmente por oportunista. (...) Era suposto Corbyn ser atropelado pelo seu próprio radicalismo. Afinal, foi May quem foi estraçalhada pela sua moderação, pela sua indefinição, pela sua disponibilidade para recuar.” 
  • Theresa May, ou os infortúnios da virtude, de Carlos Gaspar no Público: “A posição moderada, centrista, liberal e europeísta que caracterizava o maior partido britânico foi substituída por uma nova linha populista, nacionalista e antieuropeia, defensora da soberania britânica, crítica das elites urbanas, contra a emigração e protectora dos trabalhadores ameaçados pela globalização e pela modernização tecnológica. A sua estratégia teve uma correspondência directa na radicalização do Partido Trabalhista e a polarização entre os tories e o Labour pôde restaurar a sua co-hegemonia no sistema de partidos à custa da destruição do centro politico.”
  • Do Brexit ao Mayxit?, de João Marques de Almeida no Observador: “Uma May fraca e refém do partido não conseguirá impor uma relação próxima com a UE aos sectores radicais e anti-europeus dos conservadores. Como disse um deputado conservador, a favor da manutenção na EU, durante a campanha do referendo (e mantenho no original): “Brexit is like some horrible curse. It kills everything it touches.” A maldição ainda está longe de ter chegado ao fim.”
  • Cálculos errados. Por duas vezes, de Daniel Oliveira, no Expresso (paywall): “Na marcação do referendo e das eleições os conservadores fizeram cálculos que pareciam infalíveis. Por duas vezes falharam e por duas vezes foram punidos. Para o mal e para o bem estes são novos tempos. Há coisas que o cansaço das pessoas já não tolera.”
  • Teresa May aprisionada, de Maria de Fátima Bonifácio no Observador: “Teresa May, durante a campanha, nunca se cansou de martelar que estava preparadíssima para um hardBrexit. Nunca percebi esta insistência (...) O voto de ontem no Partido Trabalhista, que oficialmente tomara a defesa do remain, foi assim um voto a favor de uma marcha atrás no Brexit, ou, pelo menos, a favor de um very soft Brexit. Corbyn, por uma vez e por acaso, estava do lado certo da história.” 

 
Passemos agora a um brevíssimo apanhado de alguns textos interessantes da imprensa britânica, de que seleccionei apenas algumas passagens que me pareceram mais significativas:
  • Theresa May’s failed gamble, o editorial da sempre influente The Economist, onde se regressa à sua (relativamente surpreendente) recomendação de voto nos liberais-democratas: “And yet it is just possible that something better may rise from the ashes. Last week we lent our backing to the Lib Dems in this election, not because we thought they would win, but because we identified a new gap in the radical centre of British politics that was being neglected. The election result suggests that voters, too, are not much convinced by the inward-looking bent of either Mrs May’s Conservatives or the hard-left factionalism of Mr Corbyn’s Labour. Our backing of the Lib Dems was a “down-payment” for the future. As the Tories ponder a new leader to replace the tragic Mrs May, that liberal future is once more in play.
  • UK general election: deadlock is Britain’s new normal, a análise de Janan Ganesh no Financial Times, onde se prevê que venha a haver uma luta pela sucessão no partido de Theresa May: “Most of her plausible successors (Philip Hammond, the chancellor of the exchequer, and Amber Rudd, the home secretary, might take on Mr Johnson) are pragmatic by temperament. They will also see where the Tories lost seats: the cities, the university towns. The bits of Britain that are at ease with the outside world. Yes, Mrs May botched her policy on social care and picked a needless fight over the marginalia of fox-hunting, but her greatest mistake took place in the first few months of her premiership. She chose to make the most extreme possible interpretation of a close referendum result. She chose to renounce membership of the European single market, to seek exit from the customs union and, later, to entertain the idea of departing the EU with no formal deal at all.”
  • Theresa May, the new Hillary Clinton, um paralelo bem interessante proposto por Mary Ann Sieghart no Político, que começa por sublinhar que “The British PM was inflexible, humorless, charmless and formulaic. We’ve been here before” antes de recordar que não a primeira vez que uma liderança assim acaba mal, bastando recordar a Gordon Brown no Labour: “Like May, Brown lacked the emotional intelligence and ability to bond with voters. Like her, he was a control freak, neurotically paranoid about his colleagues and the press. Like her, he had a tin ear and struggled to act naturally — he couldn’t even smile in a way that appeared genuine. And like her, he was punished in the polls.” Mais para o fim, este texto também fala de Corbyn e do tipo de campanha que este fez: “But the young — and indeed many of their elders — were also seduced by the land of milk and money promised by Labour leader Jeremy Corbyn. His manifesto was the most populist produced by a mainstream party in living memory. You want free university tuition? Have it, he told the young. You want to keep all your pensioner benefits? Sure thing, he told the older generation. More money for schools and hospitals? Here you are, he told parents. Oh, and let’s spend tens of billions on nationalizing industries while we’re at it.”
  • Was this the revenge of the liberal metropolitan elite?, de Laurence Dodds no Telegraph, onde se procura explicar a forte subida dos trabalhistas em cidades como Londres: "Leave vs Remain" is a proxy for two tribes which differ on wider and more orthodox questions. The EU referendum revealed a deep divide in Britain on the basis of values. Leave secured 81 per cent of the people who hate multiculturalism, 74 per cent of people who oppose feminism, and 78 per cent of those who dislike "the Green movement". Remain correspondingly won 79 per cent of those who praise immigration and 60 per cent of those who like globalisation. Those who think capitalism is a force for good are pretty evenly split.
  • All to fight for on Brexit – including changing our mind, de Hugo Dixon no site InFacts, onde se defende que a entrada dos unionistas no Governo pode “amaciar” o Brexit: “For the same reason that chaotic Brexit is off the table, short of a series of monumental cock-ups, May’s preferred destructive Brexit is also less likely. Remember how she wants to pull us out of both the EU’s single market and its customs union. The DUP may baulk at us exiting the customs union as it is that which will lead to the reimposition of border controls. Meanwhile, it may be possible to reopen the question of staying in the single market, which would be the least economically destructive form of Brexit.”
  • EU chuckles at May’s misfortune, braces for trouble, do sempre bem informado Politico sobre o que se passa nos corredores de Bruxelas e onde se informa que “EU officials had initially praised May’s decision to call a snap election, anticipating she would win an overwhelming mandate that would bring clarity and predictability to the Brexit negotiations and give her the political strength needed to make tough concessions to the EU that might not be popular at home. That has now all gone up in smoke.”
  • Theresa May doesn’t understand the country she wanted to lead, uma crítica muita dura de Jay Elwes na Prospect à mundovisão da primeira-ministra britânica: “It was what might be called Command Conservatism, a sort of Home Secretary’s view of how a country should be run. Government would be done to people. People will get into line. The government would not seek to understand the electorate, or their circumstances. Instead, a vision of the country would be over-layed onto British society. (...) She failed because she didn’t see how out of kilter with modern Britain this vision really was—how ludicrous it all looked from the outside. And that really was her most fundamental problem: she suffered from a complete lack of self-awareness. And what good is a leader who’s got no idea that her worldview is fifty years out of date?
  • Corbyn has won more seats than expected—but his beliefs are still deplorable, desta vez Oliver Kamm a tomar a palavra na mesma Prospect para criticar a actual orientação mais esquerdista do partido com que mais se identifica, o Labour: “It’s perfectly possible to construct a rational, redistributive left-wing programme for government. Labour’s manifesto isn’t it. On the contrary, it fails to attack the biggest obstacle to intergenerational equity—a dysfunctional housing market, granting tax privileges to homeowners—while entrenching the protected position of pensioners. The party’s commitment to abolish tuition fees is, by comparison, minor in principle while being regressive in practice. These spending commitments are pork-barrel politics targeting a source of revenues that probably doesn’t exist.”
  • The end of Brexit Britain, um texto de Nick Cohen na Spectator, escrito ainda muito a quente, mas onde já se considera que o novo equilíbrio político desfavorecerá os que consideram que “Brexit means Brexit”. Em concreto: “Brexit meant Brexit and Theresa May controlled the definitions. All that has changed. Democratic legitimacy now flows from the general election of 2017, not the referendum of 2016. Theresa May justified her dash to the polls by saying it was a Brexit election. (...) It is clear that, although no one has won this election, Theresa May has lost it.
 
Já me estendi demasiado por hoje, mas a verdade é que vamos entrar no fim-de-semana e eu numa semana de intervalo no Macroscópio. Quem me quiser encontrar na próxima semana terá de procurar-me para os lados da Galiza, por onde caminharei até Santiago de Compostela, deixando testemunho no meu Instagram (@jmf1957), como já fiz o ano passado.

 

Tenham bom descanso, que eu saberei encontrar a minha paz. Estarei de regresso dia 19.

 
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