O secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
Assinala-se hoje o Dia de Portugal e das Comunidades. À imagem do que aconteceu o ano passado, as comemorações oficiais do Governo têm como palco um país além fronteiras. Se o ano passado, França foi o país escolhido para celebrar o dia, este ano é a vez de o Brasil receber António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, mas também o secretário de Estado José Luís Carneiro.
À conversa com o Notícias ao Minuto, José Luís Carneiro traçou-nos a realidade que encontrou na mais recente visita ao estrangeiro - à Venezuela. Admitiu que a situação "é grave", mas viu vontade e desejo "da grande maioria dos portugueses de querer ficar no país, pelos negócios e pelos laços lá construídos.
José Luís Carneiro não deixou, também, de elogiar os feitos alcançados pelo seu Governo e constata que os "sucessos orçamentais" estão a criar expetativas positivas nos portugueses lá fora e que isso pode ser decisivo no regresso a Portugal. Além disso, fez sobressair o empenho da 'tripla' António Costa, Augusto Santos Silva e Marcelo Rebelo de Sousa nas políticas para as comunidades portuguesas.
Como tenho dito, a situação na Venezuela é grave. Ouvi muitas centenas de portugueses que se encontram muito preocupadosEsteve agora uns dias na Venezuela. A situação por lá é tão grave como nos parece à distância?
Como tenho dito, a situação é grave. Ouvi muitas centenas de portugueses que se encontram muito preocupados com o modo como a situação social, política e económica está a evoluir. Mas também senti, da parte das autoridades venezuelanas, vontade em apoiar os portugueses, nomeadamente em procurar garantir melhores condições de segurança e, ao mesmo tempo, apoios destinados à reabertura dos seus estabelecimentos comerciais e ainda à manutenção de um conjunto de reuniões regulares entre o ministério da justiça e o ministério da administração interna com as famílias, associações, empresários portugueses, tendo em vista criar um clima de maior confiança entre os cidadãos portugueses e lusodescentes e as instituições venezuelanas.
Apesar desses apoios, há muitos portugueses a quererem regressar? Quantos já regressaram?
Contactamos com duas importantes realidades. Diria que a grande maioria dos portugueses que estão na Venezuela pretende manter-se a trabalhar, a investir e a fazer as suas vidas no país, na medida em que têm na Venezuela os seus filhos, os seus netos, as instituições sociais, culturais, recreativas, humanitárias. E, também, há muitos portugueses que têm até funções políticas e institucionais nos diferentes órgãos do poder venezuelano.
Depois há, apesar de tudo, uma minoria, mais jovens, lusodescendentes que obtiveram níveis de qualificação e instrução superiores e que procuram nos países da região, e também em Portugal, Espanha, e até nos Estados Unidos, encontrar outras oportunidades de emprego e outras condições de vida. O Governo Regional estima que cerca de três, quatro mil portugueses tenham regressado à Madeira no último ano, ano e meio. Não é possível afirmar com rigor, são estimativas. Mas também há testemunhos, em grande número, de portugueses que regressaram e que têm expetativa de poder regressar à Venezuela. Porque é lá que têm as suas vidas e porque acreditam muito na Venezuela e no seu potencial enquanto grande e importante país da América Latina e do Mundo.
No que é que consiste o plano de contigência de que muito se tem falado nos últimos dias?
Tudo o que havia a dizer sobre essa matéria já foi dito pelo senhor ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tem conhecimento de portugueses em condições de pobreza extrema, em caso de emergência humanitária?
Não se pode falar de emergência ou crise humanitária. São termos técnicos que poderão ser referidos quando as circunstâncias se colocarem. Neste momento, esse termo não é um termo tecnicamente adequado. O que se pode falar é, de acordo com os relatos das famílias, que tem havido escassez de alimentos, nomeadamente de pão e cereais. Mas, quero dizer que visitei muitos estabelecimentos comerciais e havia nesses estabelecimentos muitos bens alimentares. O que acontece é que o poder de compra de muitos dos portugueses, por força da inflação, diminuiu substantivamente. Pelo que, embora havendo produtos nas estruturas comerciais e de distribuição, não há poder aquisitivo, que é uma questão diferente. Contudo, sublinho que os casos que têm vindo a ser diagnosticados como casos de necessidade social e económica têm vindo a ter o apoio do Estado português.
O objetivo da visita à Venezuela, disse, é manter os canais de comunicação em bom funcionamento no que diz respeito, nomeadamente, à relação com as autoridades venezuelanas, que são indispensáveis para garantir e promover as condições de segurança e de bem-estar dos portugueses. Essa segurança está assegurada?
Como se sabe e como se tem visto nas imagens, nos momentos de manifestações, nos assaltos que têm vindo a fazer a estabelecimentos comerciais portugueses, tem sido possível verificar níveis de insegurança. Diria que essa é a principal preocupação que nos é manifestada pelos portugueses. E essa foi uma das razões pelas quais nos reunimos com as autoridades venezuelanas que nos transmitiram a sua vontade de procurar desenvolver todos os esforços para garantir a segurança dos portugueses e também a segurança do seu investimento.
E o governo venezuelano já apresentou medidas concretas nesse sentido?
Sim, já. O governo venezuelano já realizou reuniões com todos os empresários que foram objeto de assalto e de destruição dos seus estabelecimentos nos últimos meses. E essas reuniões servirão para, por um lado, apresentação de queixa às autoridades, formulação de queixa contra desconhecidos e, posteriormente, dar desenvolvimento às investigações para apurar responsabilidades criminais e à aplicação da justiça a esses responsáveis pelos assaltos aos estabelecimentos portugueses.
As informações que temos é de que há 13 portugueses detidos na Venezuela, sendo que a grande maioria destes se encontra detida por crimes de delito comumHá registo de portugueses detidos nestas manifestações anti-regime. Sobre esses casos, o que pode ser feito da parte do Governo?
Uma das matérias que também foi dialogada com as autoridades, e que também já teve consequências positivas, foi a de reunirmos mais regularmente os serviços consulares portugueses com a entidade tutelar do serviço consular venezuelano, tendo em vista garantir maior agilidade nas visitas e no apoio aos portugueses detidos. As informações que temos é de que há 13 portugueses detidos, sendo que a grande maioria destes se encontra detida por crimes de delito comum, nomeadamente por tráfico de estupefacientes.
Relativamente aos portugueses no Reino Unido. O Brexit é algo que se afigura como um processo complexo, algo que nunca foi experimentado na União Europeia. Sendo este um país com uma grande comunidade lusa, há ainda muito receio da parte dos portugueses?
Desde a primeira hora que o Reino Unido se decidiu pelo Brexit que o Governo acompanha com muita proximidade as preocupações dos portugueses no Reino Unido. Houve o encontro da secretária de Estado dos Assuntos Europeus com o seu homólogo inglês no dia seguinte ao Brexit [praticamente há um ano]. Houve ainda encontros meus com responsáveis do parlamento inglês, houve reuniões do ministro dos Negócios Estrangeiros com os responsáveis pelos assuntos externos do Reino Unido. Procurámos reforçar os serviços consulares de Londres e de Manchester, nomeadamente no apoio social, e temos procurado, no âmbito da União Europeia, continuar a defender que é importante que se salvaguarde os direitos e liberdades fundamentais dos portugueses no Reino Unido, e, simultaneamente, dos britânicos no âmbito da União Europeia.
E esse é o caminho que queremos prosseguir, independentemente dos desenvolvimentos da vida política interna do país.
Como é que prevê que será, daqui para a frente, emigrar para o Reino Unido, em termos práticos?
Não me compete fazer especulação. Compete-nos, enquanto Governo, acompanhar os desenvolvimentos das instituições políticas britânicas e por, intermédio dos serviços consulares da Embaixada e com o envolvimentos dos membros do Governo, acompanhar a comunidade portuguesa e procurar garantir que esta tem a salvaguarda e a defesa dos direitos fundamentais na União Europeia e que são também os direitos fundamentais do Reino Unido que, como se sabe, é um dos países das democracias mais velhas da Europa e com a qual temos também uma das alianças mais antigas.
Expetativa positiva tem feito com que haja portugueses que, pouco a pouco, começam a regressar a Portugal e começam a perspetivar essa possibilidade
Quando falamos dos portugueses lá fora, especialmente no Reino Unido e em França, não podemos deixar de falar na questão do terrorismo. Os cada vez mais recorrentes atentados terroristas estão a amedrontar os portugueses? Podemos associar o sentimento de falta de segurança a alguns regressos a Portugal?
Não se deve estabelecer ligações dessa natureza. Aquilo que podemos afirmar, e tendo em conta os sinais positivos que Portugal tem vindo a dar, os indicadores do crescimento económico, acompanhado pelo indicador da diminuição do desemprego, assim como os sucessos que o país tem alcançado em termos orçamentais, é que tem sido criada uma expetativa positiva. Uma expetativa positiva que, naturalmente, continuará a exigir muito ainda no futuro próximo. Mas essa expetativa positiva tem feito com que haja portugueses que, pouco a pouco, começam a regressar a Portugal e começam a perspetivar essa possibilidade.
Contudo, dados de dezembro de 2015 mostravam que a emigração tinha estagnado nas 110 mil saídas. São os dados do Observatório da Emigração. Ou seja, continuávamos, em dezembro de 2015, a ter níveis de saída do país muito elevados. É evidente que há indicadores sobre essas saídas: por um lado, que se consolida a saída para a UE e, por outro lado, que a saída continua a ser transversal à sociedade portuguesa. Ou seja, até 2015, os números mostravam que continuavam a sair trabalhadores relacionados com empresas de construção civil, de construção de infraestruturas públicas, também associadas à reabilitação urbana e à construção privada, muito particularmente para o centro da Europa e norte da Europa. E com a saída dessas empresas, a saída de mão de obra da construção mais ligada às obras públicas.
Por outro lado, os números mostravam que a emigração qualificada tinha passado de seis para 11%. Estamos a acompanhar os sinais de 2016 e princípio de 2017 e diria que, quanto maior for a confiança no crescimento económico em Portugal e também a confiança na diminuição dos níveis de desemprego, maior será a tendência para um regresso dos portugueses ao país. Mas é importante também ter a noção de que, de acordo com os dados do INE, entre 2011 e 2015, cerca de 280 mil portugueses que tinham saído do país, voltaram em períodos inferiores a um ano. Significa que há cada vez mais um mercado de trabalho europeu e global que faz com que, cada vez mais, haja mais cidadãos em mobilidade por razões laborais.
Não sei se tem dados concretos relativamente ao voto dos portugueses nas eleições francesas, mas ficou-se com a ideia de que havia uma boa parte a preferir Marine Le Pen... Que significado pode ter esse facto?
Ninguém tem dados objetivos sobre em quem votaram os portugueses e, portanto, não há nenhuma leitura objetiva das intenções e voto expresso dos portugueses nas presidenciais francesas. Eu diria, pelo contacto que tive com as diferentes comunidades do norte ao sul, de este a oeste de França, que a grande maioria votou nos partidos que representam os valores tradicionais do humanismo, da democracia, da verdade e da Europa, nomeadamente nos republicanos, no Macron e também nos socialistas. Diria que a grande maioria dos portugueses continua a sentir-se identificada com os valores da liberdade, da igualdade e fraternidade, e com os valores europeus. Embora se trate apenas da perceção que tenho do contacto que tive com as comunidades, rigorosamente não se pode tirar ilações da orientação dos votos dos portugueses porque o voto é secreto e qualquer especulação em torno dessa matéria é naturalmente uma especulação infundada sem qualquer critério objetivo.
A primeira preocupação é procurarmos reforçar de forma gradual os meios humanos, nomeadamente nos serviços de atendimento dos serviços consularesDo contacto que tem tido no terreno, quer nos países da Europa quer nos outros continentes, quais são as principais queixas e preocupações das comunidades portuguesas?
Estamos a desenvolver políticas porque estamos convencidos de que essas são as primeiras preocupações, as prioridades das comunidades portuguesas. E a primeira preocupação é procurarmos reforçar de forma gradual os meios humanos, nomeadamente nos serviços de atendimento dos serviços consulares. Em segundo lugar, o esforço relativo à modernização dos serviços consulares. E essa modernização passa pelo espaço do cidadão, pelo ato único de inscrição consular, pela aplicação registo ao viajante, pelo ensino do português à distância 'Português Mais Perto', e passa pela realização dos diálogos com a comunidade, tendo em vista criar maior proximidade de todos membros do Governo e ainda pelo reforço dos gabinetes de apoio ao emigrante em Portugal.
Recordo que aumentámos em mais de 30% os gabinetes de apoio ao emigrante em Portugal. Mas também já foram criados gabinetes em França e na Alemanha. Temos objetivos de criá-los noutros países europeus onde temos comunidades portuguesas significativas. E, recordaria, o passo muito significativo que o Governo deu relativamente ao recenseamento automático dos portugueses no estrangeiro que vai permitir outras condições de participação cívica e eleitoral nas eleições para o Parlamento português, para as eleições europeias e também para as eleições presidenciais. Claro que a decisão definitiva vai ser tomada pelo Parlamento mas o Governo fez o que tinha de fazer, nomeadamente ao nível do secretário de Estado e dos ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros. São passos que visam criar níveis mais profundos de relação dos portugueses com os seus países de origem.
Recordo também o modo como procuramos trabalhar de forma muito construtiva com o conselho das comunidades portuguesas.
Que balanço faz deste mais de ano e meio no Governo?
Faço um balanço positivo. Porque por um lado encetámos o processo de reforço dos meios consulares. Avançámos com um passo muito concreto da modernização dos serviçoos, criámos novas cndições para a participação eleitoral dos portugueses, conseguimos também promover a revisão do instrumento legislativo do apoio ao associativismo português no estrangeiro.
Um dos aspetos mais positivos para as comunidades é que temos no senhor primeiro-ministro, António Costa, no senhor ministro dos Negócios Estrangeiros e no senhor Presidente da República personalidades políticas muito comprometidas com a política para as comunidades. Esse envolvimento é absolutamente indispensável para darmos atendimento ao conjunto das preocupações que ainda vão sentido muitos conterrâneos no estrangeiro. Julgo que as comemorações do Dia de Portugal e das Comunidades, o ano passado em França, este ano no Brasil, são momentos únicos de reconstituição de uma relação de amizade, de confiança e de fraternização entre os portugueses que estão em Portugal e os portugueses que estão no mundo.
No fundo, é o Governo num todo apostado num só caminho...
O Governo e a Presidência da República, todos investidos de uma mesma responsabilidade.
Fonte: Noticiasaominuto
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