domingo, 10 de abril de 2016

Pacientes Terminais: Um Breve Esboço

CAMON, Valdemar A. A., et all – Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática – São Paulo: Pioneira, 2001.

A presença da doença degenerativa faz com que o paciente seja discriminado e até mesmo rejeitado nas situações mais diversas que podem variar desde situações familiares, até situações onde se exercem actividades produtivas. O paciente portador de doença degenerativa, além da debilidade orgânica inerente à própria doença, carrega o fardo de alguém “desacreditado” socialmente, seja em termos de capacidade produtiva, seja em termos da mitificação de que se reveste a problemática da doença.

Numa sociedade que escraviza o homem valorizando os meios de produção em detrimento dos valores de dignidade humana, a saúde passa a ser algo valorizado apenas quando está em risco a capacidade funcional do indivíduo. Receber o diagnóstico de uma doença grave, crónica ou terminal certamente é uma das mais dolorosas experiências que pode ser vivida pelo indivíduo. Ao adoecer, o homem atravessa uma crise, pois esta se manifesta pela “invasão de uma experiência de paralisação de continuidade do processo da vida”. (Moffatt, 1983)

A doença é o surgimento do desequilíbrio orgânico e psíquico que interrompe o desenvolvimento integral do homem como indivíduo biopsicossocial-cultural. Sendo assim, o indivíduo doente sente-se confuso e só, percebendo o seu futuro vazio e seu presente estacionado.

Humanizar as condições de vida do paciente terminal é acima de tudo, buscar uma congruência maior em todo o seio da sociedade, harmonizando a vida e a morte de maneira indissolúvel. Morrer é parte inerente da condição humana e o apoio a alguém que se encontra no leito mortuário é, antes de tudo, o reconhecimento da nossa própria finitude. (Mezzomo, 2005)

O paciente terminal é um ser humano que está vivendo um emaranhado de emoções que incluem ansiedade, lutas pela sua dignidade e conforto, além de um acentuado temor que se relaciona com o seu tempo de vida. Na sociedade tecnológica moderna, morrer é algo que acontece no hospital. Mas os hospitais são instituições eficientes e despersonalizadas, onde é muito difícil viver com dignidade, pois não há tempo nem lugar, dentro da rotina, para viver com as necessidades dos enfermos.

A interacção da equipe com os pacientes gira em torno de incessantes conflitos entre a luta do paciente agonizante e a equipe do hospital desejosa para designar certos papéis ao paciente, que envolvem inclusive sua completa despersonalização e isolamento. É que as reacções do paciente frente à essa despersonalização e isolamento irão variar muito, dependendo das história de cada um, ficando difícil para o “staff” hospitalar lidar com essas diferenças. O “staff” hospitalar acredita que, não oferecendo a cura ao paciente, não poderá lhe oferecer mais nada. Teme que o paciente ou a família venham a pensar na hipótese de fracasso. A instituição hospitalar existe para curar, não admitindo nada que transcenda esses princípios.

Mas pode ocorre de o paciente querer morrer, por não aguentar mais, fisicamente. Nesses casos, então os profissionais costumam intensificar o tratamento e se irritam quando esse paciente se recusa a alguma mudança terapêutica por rendição à morte, o que significa o “alívio” de morrer. Esses pacientes representam um fracasso da instituição no seu papel de apoio à vida.

A partir do momento em que se está com uma doença grave, a vida gira em função dela, o mundo torna-se vazio, desinteressante e pobre, o indivíduo sente-se desanimado e desesperado, por isso, é necessário que o psicólogo seja realístico em relação à seriedade da doença ou à incapacidade decorrente desta e que, principalmente, lhe trate com respeito, consideração e lhe oferecendo ajuda. Além disso, possuir uma visão holística do paciente permitirá ao profissional psicólogo uma assistência verdadeiramente humanizada, portanto, é fundamental que este profissional acompanhe e trate seus pacientes como gostaria e suportaria ser tratado se estivesse em situação semelhante. (Camon, 1996)

O psicólogo habituado a trabalhar aspectos e esquemas corporais certamente domina o limiar da verbalização, tendo como cerne de sua actuação o expressionismo gestual, capaz de exprimir toda e qualquer espécie de sentimentos. Na relação terapêutica com o paciente terminal, o contacto e a dimensão do expressionismo corporal existem não apenas como opção de actuação, mas também como alternativa frente ao definhamento corpóreo progressivo do paciente, que muitas vezes, o impede de manifestar-se verbalmente. Dessa maneira, pode-se encontrar pacientes que se encontram além, da dor e do torpor provocado pelo tratamento medicamentos a que estão submetidos, não conseguem se expressar de outra forma que não através do afagar de mãos, ou então da comunicação estabelecida pelo olhar.

O olhar, dentre as formas de expressionismos dos sentimentos é a mais abrangente em termos de dimensionamento absoluto, ainda que tenham em si a presença da própria subjectividade humana. Um olhar de dor tem a condição de mostra o sofrimento de uma maneira que as palavras sequer podem conceber. Um olhar de desejo desnuda muito além de que qualquer forma de insinuação. Um olhar meigo transmite uma doçura perceptível e inegável. Um olhar de ódio fulmina mais que o punhal mais cortante. A vivência do paciente terminal traz muito presente o olhar, seja talvez por ser mais puro dos expressionismos, seja ainda por conseguir transmitir os verdadeiros sentimentos daquele momento despertador. E diante dessa manifestação do olhar é como se outras formas de expressionismo perdessem o sentido e até mesmo sua condição na essência humana.

A vivência com o paciente terminal exige do terapeuta que esse tenha muito claro e de forma assumida determinados questionamentos e valores em relação à morte e ao ato de morrer, o que não significa dizer que este profissional tenha de ser totalmente insensível à morte.

Nos casos onde o paciente manifesta o desejo de morrer, iremos nos encontrar nuances tão específicos onde o expressionismo se mistura às contradições inerentes ao processo em si. É muito difícil a aceitação de que muitas vezes se necessita morrer, da mesma forma que em outros momentos necessitamos dormir, descansar. Nesse caso, o profissional se aflige com a ideia de não poder competir com a corrida invencível do tempo, tendo como fracasso tangível a impossibilidade de cura do paciente, pois, de uma forma geral, possui o sentimento de não estar fazendo efectivar os princípios da medicina que envolvem a preservação da vida.

Auxiliar o paciente a percorrer esse caminho tão difícil para enfrentar o problema, prestando mais atenção nele como pessoa, lhe fornecendo informações necessárias a respeito dos procedimentos, tratando-o como ser adulto e incentivando o auxílio a si próprio é fundamental para que assim ele se sinta acolhido e apoiado nessa situação em que se encontra “A intensidade do sofrimento alheio pouco tem a ver com a ideia que fazemos dele”. (Varella, 2004).

Ethienny Corrêa
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOFFATT, A. – Terapia de crise: teoria temporal do psiquismo – 2a ed – São Paulo: Cortez, 1983.
AGERAMI, V.A. C. – E a Psicologia entrou no hospital – São Paulo: Pioneira, 1996.
VARELLA, D.  – Por um fio – São Paulo: Companhia das letras, 2004.

MEZZOMO,A. – Fundamentos da humanização hospitalar: Uma versão multiprofissional – Local Editora: São Paulo, 2005.

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