CAMON,
Valdemar A. A., et all – Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática – São Paulo:
Pioneira, 2001.
A
presença da doença degenerativa faz com que o paciente seja discriminado e até
mesmo rejeitado nas situações mais diversas que podem variar desde situações
familiares, até situações onde se exercem actividades produtivas. O paciente
portador de doença degenerativa, além da debilidade orgânica inerente à própria
doença, carrega o fardo de alguém “desacreditado” socialmente, seja em termos
de capacidade produtiva, seja em termos da mitificação de que se reveste a
problemática da doença.
Numa
sociedade que escraviza o homem valorizando os meios de produção em detrimento
dos valores de dignidade humana, a saúde passa a ser algo valorizado apenas
quando está em risco a capacidade funcional do indivíduo. Receber o diagnóstico
de uma doença grave, crónica ou terminal certamente é uma das mais dolorosas
experiências que pode ser vivida pelo indivíduo. Ao adoecer, o homem atravessa
uma crise, pois esta se manifesta pela “invasão de uma experiência de
paralisação de continuidade do processo da vida”. (Moffatt, 1983)
A doença
é o surgimento do desequilíbrio orgânico e psíquico que interrompe o
desenvolvimento integral do homem como indivíduo biopsicossocial-cultural.
Sendo assim, o indivíduo doente sente-se confuso e só, percebendo o seu futuro
vazio e seu presente estacionado.
Humanizar
as condições de vida do paciente terminal é acima de tudo, buscar uma
congruência maior em todo o seio da sociedade, harmonizando a vida e a morte de
maneira indissolúvel. Morrer é parte inerente da condição humana e o apoio a
alguém que se encontra no leito mortuário é, antes de tudo, o reconhecimento da
nossa própria finitude. (Mezzomo, 2005)
O
paciente terminal é um ser humano que está vivendo um emaranhado de emoções que
incluem ansiedade, lutas pela sua dignidade e conforto, além de um acentuado
temor que se relaciona com o seu tempo de vida. Na sociedade tecnológica
moderna, morrer é algo que acontece no hospital. Mas os hospitais são
instituições eficientes e despersonalizadas, onde é muito difícil viver com
dignidade, pois não há tempo nem lugar, dentro da rotina, para viver com as
necessidades dos enfermos.
A interacção
da equipe com os pacientes gira em torno de incessantes conflitos entre a luta
do paciente agonizante e a equipe do hospital desejosa para designar certos
papéis ao paciente, que envolvem inclusive sua completa despersonalização e
isolamento. É que as reacções do paciente frente à essa despersonalização e
isolamento irão variar muito, dependendo das história de cada um, ficando
difícil para o “staff” hospitalar lidar com essas diferenças. O “staff”
hospitalar acredita que, não oferecendo a cura ao paciente, não poderá lhe
oferecer mais nada. Teme que o paciente ou a família venham a pensar na
hipótese de fracasso. A instituição hospitalar existe para curar, não admitindo
nada que transcenda esses princípios.
Mas pode
ocorre de o paciente querer morrer, por não aguentar mais, fisicamente. Nesses
casos, então os profissionais costumam intensificar o tratamento e se irritam
quando esse paciente se recusa a alguma mudança terapêutica por rendição à
morte, o que significa o “alívio” de morrer. Esses pacientes representam um
fracasso da instituição no seu papel de apoio à vida.
A partir
do momento em que se está com uma doença grave, a vida gira em função dela, o
mundo torna-se vazio, desinteressante e pobre, o indivíduo sente-se desanimado
e desesperado, por isso, é necessário que o psicólogo seja realístico em
relação à seriedade da doença ou à incapacidade decorrente desta e que,
principalmente, lhe trate com respeito, consideração e lhe oferecendo ajuda.
Além disso, possuir uma visão holística do paciente permitirá ao profissional
psicólogo uma assistência verdadeiramente humanizada, portanto, é fundamental
que este profissional acompanhe e trate seus pacientes como gostaria e
suportaria ser tratado se estivesse em situação semelhante. (Camon, 1996)
O
psicólogo habituado a trabalhar aspectos e esquemas corporais certamente domina
o limiar da verbalização, tendo como cerne de sua actuação o expressionismo
gestual, capaz de exprimir toda e qualquer espécie de sentimentos. Na relação
terapêutica com o paciente terminal, o contacto e a dimensão do expressionismo
corporal existem não apenas como opção de actuação, mas também como alternativa
frente ao definhamento corpóreo progressivo do paciente, que muitas vezes, o
impede de manifestar-se verbalmente. Dessa maneira, pode-se encontrar pacientes
que se encontram além, da dor e do torpor provocado pelo tratamento
medicamentos a que estão submetidos, não conseguem se expressar de outra forma
que não através do afagar de mãos, ou então da comunicação estabelecida pelo
olhar.
O olhar,
dentre as formas de expressionismos dos sentimentos é a mais abrangente em
termos de dimensionamento absoluto, ainda que tenham em si a presença da
própria subjectividade humana. Um olhar de dor tem a condição de mostra o
sofrimento de uma maneira que as palavras sequer podem conceber. Um olhar de
desejo desnuda muito além de que qualquer forma de insinuação. Um olhar meigo
transmite uma doçura perceptível e inegável. Um olhar de ódio fulmina mais que
o punhal mais cortante. A vivência do paciente terminal traz muito presente o
olhar, seja talvez por ser mais puro dos expressionismos, seja ainda por
conseguir transmitir os verdadeiros sentimentos daquele momento despertador. E
diante dessa manifestação do olhar é como se outras formas de expressionismo
perdessem o sentido e até mesmo sua condição na essência humana.
A
vivência com o paciente terminal exige do terapeuta que esse tenha muito claro
e de forma assumida determinados questionamentos e valores em relação à morte e
ao ato de morrer, o que não significa dizer que este profissional tenha de ser
totalmente insensível à morte.
Nos casos
onde o paciente manifesta o desejo de morrer, iremos nos encontrar nuances tão
específicos onde o expressionismo se mistura às contradições inerentes ao
processo em si. É muito difícil a aceitação de que muitas vezes se necessita
morrer, da mesma forma que em outros momentos necessitamos dormir, descansar.
Nesse caso, o profissional se aflige com a ideia de não poder competir com a
corrida invencível do tempo, tendo como fracasso tangível a impossibilidade de
cura do paciente, pois, de uma forma geral, possui o sentimento de não estar
fazendo efectivar os princípios da medicina que envolvem a preservação da vida.
Auxiliar
o paciente a percorrer esse caminho tão difícil para enfrentar o problema,
prestando mais atenção nele como pessoa, lhe fornecendo informações necessárias
a respeito dos procedimentos, tratando-o como ser adulto e incentivando o
auxílio a si próprio é fundamental para que assim ele se sinta acolhido e
apoiado nessa situação em que se encontra “A intensidade do sofrimento alheio
pouco tem a ver com a ideia que fazemos dele”. (Varella, 2004).
Ethienny Corrêa
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
MOFFATT,
A. – Terapia de crise: teoria temporal do psiquismo – 2a ed – São Paulo:
Cortez, 1983.
AGERAMI,
V.A. C. – E a Psicologia entrou no hospital – São Paulo: Pioneira, 1996.
VARELLA,
D. – Por um fio – São Paulo: Companhia
das letras, 2004.
MEZZOMO,A.
– Fundamentos da humanização hospitalar: Uma versão multiprofissional – Local
Editora: São Paulo, 2005.
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