RESUMO
Este
artigo apresenta uma rápida explanação sobre as crises existenciais humanas o
desespero na visão existencialista de Kierkegaard. Para ele o desespero é um
processo de conquista do próprio eu, uma oportunidade de sermos nós mesmos, uma
espécie de trampolim que auxilia o indivíduo a chegar a uma existência mais
plena.
INTRODUÇÃO
Estamos
no Século XXI e, o mundo à nossa volta parece estar de pernas para o ar. É fato
que durante o Século XX, tivemos a oportunidade de contemplar um crescimento
incomensurável da tecnologia. Temos o microcomputador fazendo verdadeiros
milagres no mundo da informação, assistimos o aparecimento da telefonia celular
móvel, o laser que muito tem contribuído para a optimização de cirurgias
extremamente delicadas.
Porém,
diante de tanto avanço tecnológico, temos também, um século marcado pela
violência e degradação do ser humano. Tivemos dois grandes conflitos mundiais,
várias guerras isoladas, milhares de agressões e atitudes que causam profunda
perplexidade. Assistimos horrorizados pela televisão, diariamente, a massacres
no Oriente Médio, além de desemprego, fome, e tantas outras situações que
evidenciam profundas dificuldades.
Talvez
você esteja se perguntando: “Como todas essas constatações podem ser
relacionadas com o tema deste artigo? Creio que poderei demonstrar, quão
pertinente é a questão do “Desespero Humano e Crises Existenciais” para nós que
vivemos este momento no planeta Terra.
Sendo
assim, quero trazer uma elucidação sobre a perspectiva acima, usando, segundo
nossa interpretação, aquele que dedicou muitas horas para reflectir sobre o
desespero humano, o filósofo dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard. Que com muita
propriedade fala do “DESESPERO”, não como uma questão filosófica somente, mas
também como um problema concreto do dia-a-dia. O existencialismo, que com ele
se inicia, é um voltar-se para a concretude do indivíduo, para a sua
singularidade e particularidade, na linguagem de Heidegger para o
“ser-no-mundo”. Ele (Heidegger), apresenta, para nós, o ser humano como aquele
que se encontra numa situação, num círculo de afectos e interesses no qual o
homem se acha sempre imerso, porém, nunca preso a ele. Pois, ao contrário, o
ser humano sempre está aberto para tornar-se algo novo, sempre está para além
da situação na qual se encontra. É um eterno rascunho, projecto ou esboço, um
ser inacabado.
E, é
aqui, que vemos o encontro entre aquilo que Heidegger disse e o legado de
Kierkegaard acerca do “Desespero Humano”. A este denominamos de “A VISÃO
TRIUNFAL DE KIERKEGAARD SOBRE CRISES EXISTENCIAIS”.
A obra de
Kierkegaard é toda profundamente interessante para aqueles comprometidos em
sondar os mistérios da alma humana. Porém, um de seus livros se destaca aos
olhos dos estudantes das temáticas psicológicas, em virtude dos atravessamentos
que estabelece com a psicologia: O desespero humano (1961)
Nesse
livro, Kierkegaard caracteriza o desespero como uma doença mortal, a doença da
alma. Mortal não como no senso comum entendemos, uma vez que não morremos dela
mas sim com ela, ou seja, se sofremos de uma doença grave e incurável podemos
imaginar o fim do sofrimento com a morte; no desespero, estamos condenados até
o fim de nossos dias, pois dele não morremos, restando, consequentemente,
apenas suportá-lo.
Além
disso, Kierkegaard é descrente da possibilidade de uma existência não
desesperada. Para ele o desespero estará sempre presente, mesmo que encoberto
ou em estado latente; o que ocorre é que nem todos estarão conscientes de seu
próprio desespero, por isto o filósofo o vê sob duas perspectivas ou
categorias: sob o ângulo da consciência – o conhecimento ou a ignorância de sua
existência – e sob a perspectiva do que ele chama de “factores da síntese do
eu” (Kierkegaard, 1961, p. 61).
Para
Kierkegaard, o pior dos desesperados será aquele que nenhuma consciência tenha
do seu próprio desespero, a ponto de ele questionar se será lícito lhes dar
este nome. Estarão aí incluídos aqueles que vivem uma existência de distracção
e distanciamento de si mesmos e que preferirão muitas vezes manter-se na ilusão
em que se encontram. A consciência poderá ir se ampliando até um estágio em que
o desespero será vivido em sua maior plenitude, quando teremos o desespero
daqueles que se reconhecem como tendo um eu.
O eu se
constituirá, para o filósofo, como uma síntese da dialéctica do finito e do
infinito, o eterno e o temporal, as necessidades e as possibilidades.
Kierkegaard, então, irá falar do desespero do infinito ou a carência de finito,
o desespero no infinito ou a carência de infinito, o desespero do possível ou a
carência de necessidade, o desespero na necessidade ou a carência de possível,
e poderíamos falar ainda do desespero do temporal ou a carência do eterno e o
desespero do eterno ou a carência do temporal. O desespero como queda se dá
quando o eu, em vez de manter a mobilidade, cristaliza-se em um dos pontos – objectiva
resolver a relação dialéctica que por si mesma é paradoxal, tenta equacionar
aquilo que poderíamos chamar de paradoxos da existência: sabendo-se mortal, o
homem deseja a imortalidade; sendo necessariamente limitado pelas necessidades,
almeja viver como possibilidade; tendo no imaginário o infinito, confronta-se a
todo momento com a finitude.
Estes
conceitos poderão ter inúmeros desdobramentos na prática clínica. Ana Maria
Feijoo (2000, p. 113) propõe uma forma de psicoterapia na qual se busca a
reconstituição desta relação dialéctica através da mobilização dos paradoxos,
tendo em vista que a inexistência ou escassez deste movimento resultará na
perda do eu, em seu decaimento; promover-se-á, então, o confronto com a
situação paradoxal, com o necessário e o possível, o eterno e o temporal, o
finito e o infinito. O que se pretende é que o paciente se dê conta de onde ele
está, do seu estar lançado, da sua condição irremissivelmente paradoxal, mas
acima de tudo singular.
2 – A
teoria existencialista
Aquilo
que comumente se denomina de existencialismo não se trata de uma doutrina
única, mas de um conjunto de doutrinas que trilham caminhos singulares e
particulares. O existencialismo entrou para a história da filosofia como uma
crítica a tradição racionalista e idealista, além de uma ferrenha oposição aos
sistemas rígidos. Os existencialistas ocupam-se do homem enquanto existência
humana única, singular e subjectiva. Na tese existencialista a “EXISTÊNCIA
PRECEDE A ESSÊNCIA “.
Para o
existencialismo o homem é um ser livre para escolher. Por ser livre para
escolher, e é, consequentemente, responsável por suas escolhas. Livre e
responsável o homem é aquele que tem a incumbência de criar a si próprio sem
certezas e garantia. O passado não é garantia do presente e tão pouco do
futuro. Diante disso, a angústia é inevitável.
Conceitos
Fundamentais do Existencialismo: Existência – A existência vai designar o modo
de ser desse existente humano no mundo. Essência – No existencialismo a
essência não determina o homem. O homem, como um eterno “vir a ser” , não
possui uma essência, pelo contrário, ele é quem se constrói na medida em que
existe de forma livre. Liberdade – O homem é um ser livre. Escolha – A
existência humana é uma sequência infindável de escolhas. Risco – Toda e
qualquer escolha que o homem se veja tendo que fazer é um risco. Ele não sabe
ao empreender a empreitada se aquela escolha é a melhor ou se é a certa.
Responsabilidade – Como vimos anteriormente, se o homem é livre para escolher o
que quiser, é também responsável pela opção que fez. Angústia Existencial – O
homem vivência a angústia quando se vê confrontado com sua existência humana,
principalmente com a possibilidade que temos de não-ser. Solidão – O homem
nasce, morre e vive só. Morte – A morte é a possibilidade do fim de todas as
possibilidades. É a possibilidade absoluta onde o homem se depara com o
inevitável, o incondicional e o intransponível. Sentido da vida – O homem passa
uma parte enorme de sua existência em busca de um sentido para sua vida.
Autenticidade e Inautenticidade – A autenticidade é a própria busca por si
mesmo, a busca por tudo aquilo que o aproxima mais e mais de sua condição de
humano e diferente do outro, dos animais e das coisas. Culpa Existencial – O
homem se sente culpado sempre que se afasta de suas possibilidades
existenciais. Subjectividade – A subjectividade é tudo aquilo que é pessoal,
individual, que pertence ao indivíduo como ser único e apenas a ele.
O
fundamento sobre o qual vejo o assunto citado, é o livro que Kierkegaard
escreveu 1849, cujo título era “Desespero Humano – Doença até a Morte”. Uma
espécie de estudo básico, onde o filósofo procura reflectir sobre o significado
do desespero, ou melhor, dos desesperos e como podemos lidar com eles de uma
maneira optimizada para a nossa existência. Diante das observações do cotidiano
colocados acima, mencionando que vivemos um momento de desespero mundial,
pergunto: “Serão tais situações que nos fazem desesperar? Será está influência
do meio externo que esmaga o horizonte dos homens para a visualização da
felicidade?” De certo modo, talvez. Mas, após a leitura do texto de
Kierkegaard, percebi, que o “DESESPERAR” é muito mais do que um fenómeno
social, é também uma questão emocional, que nos leva ao fracasso ou ao triunfo.
Todavia,
surge a indagação: “Triunfo ou fracasso sobre o quê?” Sobre as guerras? Sobre o
desemprego? Sobre a fome? Sobre as dificuldades financeiras? Sobre a violência?
Talvez. Contudo, quero colocar uma citação dos sábios orientais como forma de
reflexão, para que se possa avaliar sobre o quê poderemos triunfar no que diz
respeito ao “DESESPERO HUMANO”, falavam eles: “Um homem no campo de batalha
conquista um exército de mil homens. Um outro conquista a si mesmo – Este é o
maior” (Dhammapada, 1967)
Pelo que
percebi, é justamente desse aspecto que Kierkegaard fala sobre o desespero
humano. Para ele isto era um processo de conquista do próprio eu, uma
oportunidade de sermos nós mesmos, uma espécie de trampolim que auxilia o
indivíduo a chegar a uma existência mais plena. Pois, como disse Kierkegaard:
“Todo desespero é fundamentalmente um desespero de sermos nós mesmos”. Então
surge a indagação: “O que é o desespero na visão de Kierkegaard?” No seu texto
ele ressalta alguns tipos de desespero, porém, comentarei apenas sobre dois
deles, a saber: 1- O desespero pelo desejo de não ser um eu próprio –
denominado de desespero-fraqueza. 2- O desespero pelo desejo de ser um eu
próprio denominado de desespero-desafio.
Para
Kierkegaard o homem em desespero tem o costume de se considerar uma vítima das
circunstâncias, porque o desespero revela a miséria e a grandeza do homem, pois
é a oportunidade que ele possui de chegar a ser ele mesmo, chegar a ser um eu
próprio. O desespero é algo universal para Kierkegaard. Todos os homens
vivenciam o desespero, mesmo não tendo consciência plena dessa situação.
A pessoa
mais complacente consigo mesma, é aquela que não se dá conta das suas
dificuldades. Quando chega a “CATÁSTROFE” ou “A CRISE”, ela passa a se ver num
estado que é próprio do ser humano, ou seja, perceber-se em desespero,
desamparado e abandonado à sua própria gerência. Para Kierkegaard esse momento
é salutar, pois a crise que se mostra com o desespero pode levar o indivíduo à
“cura”, mas pode ser seriamente perigosa se o indivíduo não quiser dar conta de
si próprio, ou seja, tornar-se ele mesmo. Aqui percebo que o filósofo
dinamarquês mostra um sentido mais próximo do original da palavra crise
(krisiV) . Que é derivada do verbo grego krinô (krinw) que significa separar,
julgar, decidir, considerar, avaliar, seleccionar e escolher. O desespero,
enquanto momento de “crise” é uma hora de escolha. Sendo ela, expressa em actos.
A “cura” é, a princípio, como eu deixei transparecer, o dar-se conta do seu
próprio desespero, sendo a “doença” a negação ou a intenção de não ter
consciência deste estado.
O homem
que enfrenta com coragem, primeiramente, o ato de ver o seu desespero não está
longe da “cura”. Dizia Kierkegaard: “Quem desespera não pode morrer”. Porque,
quem se desespera acerca si próprio, quem desesperadamente deseja libertar-se
de si próprio, ao invés de extinguir-se, se refaz, torna-se um novo “eu”. No
desespero-fraqueza, aquele que se fundamenta na intenção declarada do indivíduo
de não ser ele mesmo, o que se apresenta é uma profunda negação. A pessoa não
quer e nem se permite ver quem ele está sendo em dado momento da sua vida.
Kierkegaard afirma, que o indivíduo que vive nessa esfera “Não percebe nada da
existência, aprende a imitar os outros e a maneira de se arranjarem para viver…
e ei-lo vivendo como eles.” (KIERKEGGARD – 1979). A pessoa que procura andar
nesse caminho, se perde na fantasia e lança o seu olhar para o genérico ou
universal, para aquilo que todos são, tornando-se uma pessoa modelada,
padronizada e conformada, que apega-se às convenções, abre mão dos seus
interesses, procura não ter consciência dos conflitos pelos quais passa, enfim,
vive uma vida que não é de sua própria invenção, mas dos outros.
Kierkegaard
dizia, que é possível que esse tipo de indivíduo tenha êxito e sucesso
material, mas apesar de tudo, apesar de ter uma vida normal aos olhos do mundo,
não conseguiu ser um eu de sua própria criação, ser ele próprio. E isto, trará
um profundo vazio, que não poderá ser preenchido por qualquer coisa, a não ser,
pela decisão de auto-construir-se, de fazer de si um projecto da sua própria
determinação.
O
desesperado enfraquecido, pode materializar a sua auto-negação, usando
possibilidades relacionadas a coisas que estão fora do seu alcance, ou mesmo, ficando
parado, congelado, estático diante de possibilidades fantasmagóricas que ele
coloca para si como se fossem suas. Não conseguindo assim, movimentar-se em direcção
da mudança, do vir-a-ser um indivíduo de sua própria invenção. Isso leva o
indivíduo a criar um escudo diante de si, pois uma das suas maiores ilusões, já
que ele vive num mundo de pura fantasia é: “SE O MUNDO À MINHA VOLTA MUDAR EU
TAMBÉM MUDO”. Ele não consegue se ver como o gerente das circunstâncias da sua
própria vida. Por que? Porque, o seu olhar não está voltado para si mas para o
outro. Kierkegaard disse sobre isso: “ninguém pode ver-se a si próprio num
espelho, sem se conhecer previamente, caso contrário não é ver-se, mas apenas
ver alguém.” (KIERKEGGARD-1979).
Nietzsche
no seu “Assim Falou Zaratustra” (1891), chama essa esfera de vida de “vivência
do camelo”, onde a conduta do homem, por não se conhecer a si mesmo é ditada
pelo medo, pelo tu-deves e pela disposição imensa de levar pesadíssimas cargas.
Vejamos o que o filósofo disse: “Todo esse pesadíssimo espírito de carga toma
sobre si: igual ao camelo, que carregado corre para o deserto, assim ele corre
para o seu deserto”.
Qualquer
ser humano, seja ele quem for, pode superar e ultrapassar as situações mais
difíceis que se apresentam na sua vida, pois conforme o filósofo alemão Martin
Heidegger disse: “O homem é um ser que está para além da sua própria situação”.
Por que
eu tenho tanta convicção em dizer isso? Porque, eu percebo o ser humano não
como uma coisa ou um simples objecto, que vive sendo determinado pelas
circunstâncias da vida ou pelo outro. Mas, que tem a possibilidade de em
olhando para si mesmo, ousando ser ele próprio, transformar e mudar ocorrências
e eventos da sua vida. Nós não somos livres das influências biológicas,
sociológicas, familiares ou políticas. No entanto, nós somos completamente
livres para lidar com todas estas coisas. Isto ratificando as palavras de
Sartre, a saber: “Não importa o que fizeram de mim, importa o que eu faço
daquilo que fizeram de mim”.
O
Conferencista Roberto Shinyashiki (2000) diz o seguinte: “Você é a pessoa que
escolhe ser.” (Frank Natale).
“Fazemos
as coisas sempre da mesma forma porque fomos treinados para agir assim.
Repetimos o mesmo comportamento a vida inteira porque foi a maneira como
aprendemos e treinamos. Acabamos nos tornando escravos da rotina e, quando
somos solicitados a mudar, argumentamos: Sou assim desde criança, é o meu jeito
de ser e não vou mudar. A grande verdade é que você é a pessoa que escolhe ser.
Todos os dias você decide se continua do jeito que é ou muda. A grande glória
do ser humano é poder participar de sua autocriação” (Shinyashiki – 2000).
Mas, para
que isso aconteça, é necessário que a pessoa tenha a absoluta intenção em
querer ser ela mesma. O indivíduo que mantém a postura do desespero-fraqueza,
em não se permitindo ver-se, sustenta a ilusão que o modelo do outro sempre é
melhor, enquanto o seu não é.
Este fato
desenvolve uma profunda falta de amor próprio e um desconhecimento das suas
reais possibilidades. Ele é um prisioneiro. Prisioneiro dos modelos, das
formas, dos “deverias”, enfim, um prisioneiro de si mesmo, porque a chave da
sua cela está com ele o tempo todo, só que ele se nega a usá-la.
No
desespero-desafio o indivíduo toma consciência de que o melhor que ele pode
fazer por si, é ser ele próprio. Neste aspecto, o indivíduo não se recusa a
aceitar o seu eu, porém, procura antes de mais nada conhecê-lo, a fim de que
possa aos poucos construir um eu de sua própria invenção.
A
consciência de que ele está sendo vai aumentando, ampliando a sua visão de si
mesmo e assim proporciona a percepção da sua singularidade. A cada dia este
indivíduo se sente desafiado em “tirar o esperado”. Em evidenciar que ele é um
ser único e singular. Que é ele mesmo, quem deve determinar o melhor para si. O
que significa dizer que este melhor para si, é melhor só para ele.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A grande
questão da nossa época é uma coisa chamada globalização. Uma espécie de
anonimato disfarçado, no qual procura-se diluir as diferenças e singularidades
dos povos, dentro de um uniformismo económico, cultural e social. Dentro dessa
visão o humano é apenas mais um mero detalhe, um número.
Esta
estratégia de alguns vem implantando até mesmo falsas necessidades nas pessoas
como quando o outro faz propaganda de carro, camisa, comida ou lazer, é um
exemplo claro do que esperam de você e de mim, que possamos aceitar tais coisas
como se fossem nossas necessidades. E o pior, é que às vezes as pessoas se
sentem frustradas por não atingirem a realização de necessidades que não são
suas. O indivíduo que sente o desespero-desafio, que intenciona ser ele mesmo,
aprende a dizer não àquilo que não lhe pertence, às necessidades que os outros
tentam implantar na sua vida. Ele tem coragem de ser diferente, de assumir que
pensa e sente de forma única no mundo. Este indivíduo é mais espontâneo, pois procura
estabelecer uma coerência interna, que se mostra externamente, porque ele
procura viver o que sente, falar o que pensa e sempre a cada instante, “tirar o
que se espera dele”.
Kierkegaard,
tanto quanto nós, viveu numa época onde a massificação, o fazer tudo igual, o
desvalor do indivíduo era fomentado e fortalecido. A pessoa tinha que seguir as
convenções gerais, em detrimento da sua própria individualidade. Porém, aquele
filósofo sempre disse que o que importa é como o indivíduo, na sua particularidade,
na sua concretude e na sua unicidade, faz com a sua existência. Existência que
para Kierkegaard não era o mero ato de respirar, de comer ou se vestir, mas “um
ato de escolher em ir na direcção de ser”. A direcção daquilo que o indivíduo
elegeu como sendo o seu objectivo, o seu projecto. Existir é ir em direcção às
escolhas individuais. É sair da prisão da mesmice, da igualdade e da
uniformidade, que tanto sofrimento causa e, partir em direcção à
auto-construção da vida individual.
Quantas
pessoas que não quiseram “tirar o esperado” e assumiram o desespero-fraqueza.
Acabaram casando com quem os outros esperavam que ela se casasse, ficaram no
emprego ou na profissão que esperavam ela trabalhasse, viveram a vida que
esperavam que elas vivessem e sofreram existencialmente de uma maneira tão
profunda como elas não esperavam para si.
O que
falta aqui? Falta a vida original, a vida de autoria do próprio indivíduo. A
pessoa que abraça o desespero-desafio e quer ser ela própria, não se conformar
em ser um observador, mas faz-se um actor e autor da sua própria história.
Assume a responsabilidade total de que a sua vida depende de si mesma. Que ela
é energia viva e auto-determinante. Que ela nunca é, mas é sempre um vir-a-ser,
em constante transformação, um devir.
Kierkegaard
demonstrou durante a sua vida, que os outros sempre esperam de nós que sejamos
tais quais eles planejaram que nós fôssemos. Não corresponder essa visão é um
ato de coragem e de desespero, pois é preciso quebrar toda uma “história”
pré-articulada e construir uma que é do seu jeito único. Para tanto, é preciso
que o indivíduo tenha auto-determinação, auto-dedicação, auto-disciplina e
auto-desprendimento. Auto-determinação é a intenção do indivíduo de ser ele
mesmo, capaz de afirmar e efectivar os seu projectos, sonhos e desejos. Ele se
determina e não permite que ninguém faça isso por ele. Auto-dedicação é o
movimento da pessoa no sentido de se entregar à realização dos seus objectivos.
Auto-disciplina é a postura que o indivíduo tem de seguir um método para
conquistar as suas metas. O método é um caminho, um meio. E o meio mais eficaz
que eu conheço para ser uma pessoa mais integrada, mais própria, mais dona de
si, é a psicoterapia. Auto-desprendimento é um ato contínuo no qual o indivíduo
aprende a lidar com a escolha. Sendo a principal “escolher-se”. Escolher é
aprender a abraçar algumas coisas e desapegar-se de tantas outras, que não
resultam no melhor para si.
Essa é a
visão de triunfo de Kierkegaard sobre as crises existenciais, o aprendizado a
cada dia do desespero-desafio, do ato de educar cada um a si mesmo sobre quem
ele é e pode ser.
Ethienny
Corrêa
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Eu sou
Ethienny Corrêa, acadêmica de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual do Piauí (FACIME-UESPI).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DHAMMAPADA,
S. “Insight Meditation”. Committee for the Advancement of Buddhism, London,
1967, pg. 75
FEIJOO,
A. M. L. C. “A escuta e a fala em psicoterapia”. São Paulo: Vetor, 2000.
KIERKEGGARD,
Sören Aabye. “Desespero Humano – Doença até a Morte”. São Paulo, Ed. Abril
Cultural, Os Pensadores, 1979, pg. 232 e 233
KIERKEGAARD,
S. O desespero humano. Porto: Livraria Tavares Martins, 1961.
_O
conceito de angústia. São Paulo: Hemus, 1968.
NIETZSCHE.
“Assim Falou Zaratustra”. São Paulo, Nova Cultural, 1997, pg. 222.
SHINYASHIKI,
Roberto. “O Sucesso é Ser Feliz”, Editora Gente, 1998, pg 136 e 137.
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