domingo, 10 de abril de 2016

O Desespero Humano e Crises Existenciais – Uma Visão de Triunfo em Soren Kierkegaard.


RESUMO

Este artigo apresenta uma rápida explanação sobre as crises existenciais humanas o desespero na visão existencialista de Kierkegaard. Para ele o desespero é um processo de conquista do próprio eu, uma oportunidade de sermos nós mesmos, uma espécie de trampolim que auxilia o indivíduo a chegar a uma existência mais plena.

INTRODUÇÃO

Estamos no Século XXI e, o mundo à nossa volta parece estar de pernas para o ar. É fato que durante o Século XX, tivemos a oportunidade de contemplar um crescimento incomensurável da tecnologia. Temos o microcomputador fazendo verdadeiros milagres no mundo da informação, assistimos o aparecimento da telefonia celular móvel, o laser que muito tem contribuído para a optimização de cirurgias extremamente delicadas.

Porém, diante de tanto avanço tecnológico, temos também, um século marcado pela violência e degradação do ser humano. Tivemos dois grandes conflitos mundiais, várias guerras isoladas, milhares de agressões e atitudes que causam profunda perplexidade. Assistimos horrorizados pela televisão, diariamente, a massacres no Oriente Médio, além de desemprego, fome, e tantas outras situações que evidenciam profundas dificuldades.

Talvez você esteja se perguntando: “Como todas essas constatações podem ser relacionadas com o tema deste artigo? Creio que poderei demonstrar, quão pertinente é a questão do “Desespero Humano e Crises Existenciais” para nós que vivemos este momento no planeta Terra.

Sendo assim, quero trazer uma elucidação sobre a perspectiva acima, usando, segundo nossa interpretação, aquele que dedicou muitas horas para reflectir sobre o desespero humano, o filósofo dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard. Que com muita propriedade fala do “DESESPERO”, não como uma questão filosófica somente, mas também como um problema concreto do dia-a-dia. O existencialismo, que com ele se inicia, é um voltar-se para a concretude do indivíduo, para a sua singularidade e particularidade, na linguagem de Heidegger para o “ser-no-mundo”. Ele (Heidegger), apresenta, para nós, o ser humano como aquele que se encontra numa situação, num círculo de afectos e interesses no qual o homem se acha sempre imerso, porém, nunca preso a ele. Pois, ao contrário, o ser humano sempre está aberto para tornar-se algo novo, sempre está para além da situação na qual se encontra. É um eterno rascunho, projecto ou esboço, um ser inacabado.

E, é aqui, que vemos o encontro entre aquilo que Heidegger disse e o legado de Kierkegaard acerca do “Desespero Humano”. A este denominamos de “A VISÃO TRIUNFAL DE KIERKEGAARD SOBRE CRISES EXISTENCIAIS”.
 
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1 – O desespero kierkegaardiano

A obra de Kierkegaard é toda profundamente interessante para aqueles comprometidos em sondar os mistérios da alma humana. Porém, um de seus livros se destaca aos olhos dos estudantes das temáticas psicológicas, em virtude dos atravessamentos que estabelece com a psicologia: O desespero humano (1961)

Nesse livro, Kierkegaard caracteriza o desespero como uma doença mortal, a doença da alma. Mortal não como no senso comum entendemos, uma vez que não morremos dela mas sim com ela, ou seja, se sofremos de uma doença grave e incurável podemos imaginar o fim do sofrimento com a morte; no desespero, estamos condenados até o fim de nossos dias, pois dele não morremos, restando, consequentemente, apenas suportá-lo.

Além disso, Kierkegaard é descrente da possibilidade de uma existência não desesperada. Para ele o desespero estará sempre presente, mesmo que encoberto ou em estado latente; o que ocorre é que nem todos estarão conscientes de seu próprio desespero, por isto o filósofo o vê sob duas perspectivas ou categorias: sob o ângulo da consciência – o conhecimento ou a ignorância de sua existência – e sob a perspectiva do que ele chama de “factores da síntese do eu” (Kierkegaard, 1961, p. 61).

Para Kierkegaard, o pior dos desesperados será aquele que nenhuma consciência tenha do seu próprio desespero, a ponto de ele questionar se será lícito lhes dar este nome. Estarão aí incluídos aqueles que vivem uma existência de distracção e distanciamento de si mesmos e que preferirão muitas vezes manter-se na ilusão em que se encontram. A consciência poderá ir se ampliando até um estágio em que o desespero será vivido em sua maior plenitude, quando teremos o desespero daqueles que se reconhecem como tendo um eu.

O eu se constituirá, para o filósofo, como uma síntese da dialéctica do finito e do infinito, o eterno e o temporal, as necessidades e as possibilidades. Kierkegaard, então, irá falar do desespero do infinito ou a carência de finito, o desespero no infinito ou a carência de infinito, o desespero do possível ou a carência de necessidade, o desespero na necessidade ou a carência de possível, e poderíamos falar ainda do desespero do temporal ou a carência do eterno e o desespero do eterno ou a carência do temporal. O desespero como queda se dá quando o eu, em vez de manter a mobilidade, cristaliza-se em um dos pontos – objectiva resolver a relação dialéctica que por si mesma é paradoxal, tenta equacionar aquilo que poderíamos chamar de paradoxos da existência: sabendo-se mortal, o homem deseja a imortalidade; sendo necessariamente limitado pelas necessidades, almeja viver como possibilidade; tendo no imaginário o infinito, confronta-se a todo momento com a finitude.

Estes conceitos poderão ter inúmeros desdobramentos na prática clínica. Ana Maria Feijoo (2000, p. 113) propõe uma forma de psicoterapia na qual se busca a reconstituição desta relação dialéctica através da mobilização dos paradoxos, tendo em vista que a inexistência ou escassez deste movimento resultará na perda do eu, em seu decaimento; promover-se-á, então, o confronto com a situação paradoxal, com o necessário e o possível, o eterno e o temporal, o finito e o infinito. O que se pretende é que o paciente se dê conta de onde ele está, do seu estar lançado, da sua condição irremissivelmente paradoxal, mas acima de tudo singular.

2 – A teoria existencialista


Aquilo que comumente se denomina de existencialismo não se trata de uma doutrina única, mas de um conjunto de doutrinas que trilham caminhos singulares e particulares. O existencialismo entrou para a história da filosofia como uma crítica a tradição racionalista e idealista, além de uma ferrenha oposição aos sistemas rígidos. Os existencialistas ocupam-se do homem enquanto existência humana única, singular e subjectiva. Na tese existencialista a “EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA “.

Para o existencialismo o homem é um ser livre para escolher. Por ser livre para escolher, e é, consequentemente, responsável por suas escolhas. Livre e responsável o homem é aquele que tem a incumbência de criar a si próprio sem certezas e garantia. O passado não é garantia do presente e tão pouco do futuro. Diante disso, a angústia é inevitável.

Conceitos Fundamentais do Existencialismo: Existência – A existência vai designar o modo de ser desse existente humano no mundo. Essência – No existencialismo a essência não determina o homem. O homem, como um eterno “vir a ser” , não possui uma essência, pelo contrário, ele é quem se constrói na medida em que existe de forma livre. Liberdade – O homem é um ser livre. Escolha – A existência humana é uma sequência infindável de escolhas. Risco – Toda e qualquer escolha que o homem se veja tendo que fazer é um risco. Ele não sabe ao empreender a empreitada se aquela escolha é a melhor ou se é a certa. Responsabilidade – Como vimos anteriormente, se o homem é livre para escolher o que quiser, é também responsável pela opção que fez. Angústia Existencial – O homem vivência a angústia quando se vê confrontado com sua existência humana, principalmente com a possibilidade que temos de não-ser. Solidão – O homem nasce, morre e vive só. Morte – A morte é a possibilidade do fim de todas as possibilidades. É a possibilidade absoluta onde o homem se depara com o inevitável, o incondicional e o intransponível. Sentido da vida – O homem passa uma parte enorme de sua existência em busca de um sentido para sua vida. Autenticidade e Inautenticidade – A autenticidade é a própria busca por si mesmo, a busca por tudo aquilo que o aproxima mais e mais de sua condição de humano e diferente do outro, dos animais e das coisas. Culpa Existencial – O homem se sente culpado sempre que se afasta de suas possibilidades existenciais. Subjectividade – A subjectividade é tudo aquilo que é pessoal, individual, que pertence ao indivíduo como ser único e apenas a ele.


O fundamento sobre o qual vejo o assunto citado, é o livro que Kierkegaard escreveu 1849, cujo título era “Desespero Humano – Doença até a Morte”. Uma espécie de estudo básico, onde o filósofo procura reflectir sobre o significado do desespero, ou melhor, dos desesperos e como podemos lidar com eles de uma maneira optimizada para a nossa existência. Diante das observações do cotidiano colocados acima, mencionando que vivemos um momento de desespero mundial, pergunto: “Serão tais situações que nos fazem desesperar? Será está influência do meio externo que esmaga o horizonte dos homens para a visualização da felicidade?” De certo modo, talvez. Mas, após a leitura do texto de Kierkegaard, percebi, que o “DESESPERAR” é muito mais do que um fenómeno social, é também uma questão emocional, que nos leva ao fracasso ou ao triunfo.

Todavia, surge a indagação: “Triunfo ou fracasso sobre o quê?” Sobre as guerras? Sobre o desemprego? Sobre a fome? Sobre as dificuldades financeiras? Sobre a violência? Talvez. Contudo, quero colocar uma citação dos sábios orientais como forma de reflexão, para que se possa avaliar sobre o quê poderemos triunfar no que diz respeito ao “DESESPERO HUMANO”, falavam eles: “Um homem no campo de batalha conquista um exército de mil homens. Um outro conquista a si mesmo – Este é o maior” (Dhammapada, 1967)

Pelo que percebi, é justamente desse aspecto que Kierkegaard fala sobre o desespero humano. Para ele isto era um processo de conquista do próprio eu, uma oportunidade de sermos nós mesmos, uma espécie de trampolim que auxilia o indivíduo a chegar a uma existência mais plena. Pois, como disse Kierkegaard: “Todo desespero é fundamentalmente um desespero de sermos nós mesmos”. Então surge a indagação: “O que é o desespero na visão de Kierkegaard?” No seu texto ele ressalta alguns tipos de desespero, porém, comentarei apenas sobre dois deles, a saber: 1- O desespero pelo desejo de não ser um eu próprio – denominado de desespero-fraqueza. 2- O desespero pelo desejo de ser um eu próprio denominado de desespero-desafio.

Para Kierkegaard o homem em desespero tem o costume de se considerar uma vítima das circunstâncias, porque o desespero revela a miséria e a grandeza do homem, pois é a oportunidade que ele possui de chegar a ser ele mesmo, chegar a ser um eu próprio. O desespero é algo universal para Kierkegaard. Todos os homens vivenciam o desespero, mesmo não tendo consciência plena dessa situação.

A pessoa mais complacente consigo mesma, é aquela que não se dá conta das suas dificuldades. Quando chega a “CATÁSTROFE” ou “A CRISE”, ela passa a se ver num estado que é próprio do ser humano, ou seja, perceber-se em desespero, desamparado e abandonado à sua própria gerência. Para Kierkegaard esse momento é salutar, pois a crise que se mostra com o desespero pode levar o indivíduo à “cura”, mas pode ser seriamente perigosa se o indivíduo não quiser dar conta de si próprio, ou seja, tornar-se ele mesmo. Aqui percebo que o filósofo dinamarquês mostra um sentido mais próximo do original da palavra crise (krisiV) . Que é derivada do verbo grego krinô (krinw) que significa separar, julgar, decidir, considerar, avaliar, seleccionar e escolher. O desespero, enquanto momento de “crise” é uma hora de escolha. Sendo ela, expressa em actos. A “cura” é, a princípio, como eu deixei transparecer, o dar-se conta do seu próprio desespero, sendo a “doença” a negação ou a intenção de não ter consciência deste estado.

O homem que enfrenta com coragem, primeiramente, o ato de ver o seu desespero não está longe da “cura”. Dizia Kierkegaard: “Quem desespera não pode morrer”. Porque, quem se desespera acerca si próprio, quem desesperadamente deseja libertar-se de si próprio, ao invés de extinguir-se, se refaz, torna-se um novo “eu”. No desespero-fraqueza, aquele que se fundamenta na intenção declarada do indivíduo de não ser ele mesmo, o que se apresenta é uma profunda negação. A pessoa não quer e nem se permite ver quem ele está sendo em dado momento da sua vida. Kierkegaard afirma, que o indivíduo que vive nessa esfera “Não percebe nada da existência, aprende a imitar os outros e a maneira de se arranjarem para viver… e ei-lo vivendo como eles.” (KIERKEGGARD – 1979). A pessoa que procura andar nesse caminho, se perde na fantasia e lança o seu olhar para o genérico ou universal, para aquilo que todos são, tornando-se uma pessoa modelada, padronizada e conformada, que apega-se às convenções, abre mão dos seus interesses, procura não ter consciência dos conflitos pelos quais passa, enfim, vive uma vida que não é de sua própria invenção, mas dos outros.

Kierkegaard dizia, que é possível que esse tipo de indivíduo tenha êxito e sucesso material, mas apesar de tudo, apesar de ter uma vida normal aos olhos do mundo, não conseguiu ser um eu de sua própria criação, ser ele próprio. E isto, trará um profundo vazio, que não poderá ser preenchido por qualquer coisa, a não ser, pela decisão de auto-construir-se, de fazer de si um projecto da sua própria determinação.


O desesperado enfraquecido, pode materializar a sua auto-negação, usando possibilidades relacionadas a coisas que estão fora do seu alcance, ou mesmo, ficando parado, congelado, estático diante de possibilidades fantasmagóricas que ele coloca para si como se fossem suas. Não conseguindo assim, movimentar-se em direcção da mudança, do vir-a-ser um indivíduo de sua própria invenção. Isso leva o indivíduo a criar um escudo diante de si, pois uma das suas maiores ilusões, já que ele vive num mundo de pura fantasia é: “SE O MUNDO À MINHA VOLTA MUDAR EU TAMBÉM MUDO”. Ele não consegue se ver como o gerente das circunstâncias da sua própria vida. Por que? Porque, o seu olhar não está voltado para si mas para o outro. Kierkegaard disse sobre isso: “ninguém pode ver-se a si próprio num espelho, sem se conhecer previamente, caso contrário não é ver-se, mas apenas ver alguém.” (KIERKEGGARD-1979).

Nietzsche no seu “Assim Falou Zaratustra” (1891), chama essa esfera de vida de “vivência do camelo”, onde a conduta do homem, por não se conhecer a si mesmo é ditada pelo medo, pelo tu-deves e pela disposição imensa de levar pesadíssimas cargas. Vejamos o que o filósofo disse: “Todo esse pesadíssimo espírito de carga toma sobre si: igual ao camelo, que carregado corre para o deserto, assim ele corre para o seu deserto”.

Qualquer ser humano, seja ele quem for, pode superar e ultrapassar as situações mais difíceis que se apresentam na sua vida, pois conforme o filósofo alemão Martin Heidegger disse: “O homem é um ser que está para além da sua própria situação”.

Por que eu tenho tanta convicção em dizer isso? Porque, eu percebo o ser humano não como uma coisa ou um simples objecto, que vive sendo determinado pelas circunstâncias da vida ou pelo outro. Mas, que tem a possibilidade de em olhando para si mesmo, ousando ser ele próprio, transformar e mudar ocorrências e eventos da sua vida. Nós não somos livres das influências biológicas, sociológicas, familiares ou políticas. No entanto, nós somos completamente livres para lidar com todas estas coisas. Isto ratificando as palavras de Sartre, a saber: “Não importa o que fizeram de mim, importa o que eu faço daquilo que fizeram de mim”.

O Conferencista Roberto Shinyashiki (2000) diz o seguinte: “Você é a pessoa que escolhe ser.” (Frank Natale).

“Fazemos as coisas sempre da mesma forma porque fomos treinados para agir assim. Repetimos o mesmo comportamento a vida inteira porque foi a maneira como aprendemos e treinamos. Acabamos nos tornando escravos da rotina e, quando somos solicitados a mudar, argumentamos: Sou assim desde criança, é o meu jeito de ser e não vou mudar. A grande verdade é que você é a pessoa que escolhe ser. Todos os dias você decide se continua do jeito que é ou muda. A grande glória do ser humano é poder participar de sua autocriação” (Shinyashiki – 2000).

Mas, para que isso aconteça, é necessário que a pessoa tenha a absoluta intenção em querer ser ela mesma. O indivíduo que mantém a postura do desespero-fraqueza, em não se permitindo ver-se, sustenta a ilusão que o modelo do outro sempre é melhor, enquanto o seu não é.

Este fato desenvolve uma profunda falta de amor próprio e um desconhecimento das suas reais possibilidades. Ele é um prisioneiro. Prisioneiro dos modelos, das formas, dos “deverias”, enfim, um prisioneiro de si mesmo, porque a chave da sua cela está com ele o tempo todo, só que ele se nega a usá-la.

No desespero-desafio o indivíduo toma consciência de que o melhor que ele pode fazer por si, é ser ele próprio. Neste aspecto, o indivíduo não se recusa a aceitar o seu eu, porém, procura antes de mais nada conhecê-lo, a fim de que possa aos poucos construir um eu de sua própria invenção.

A consciência de que ele está sendo vai aumentando, ampliando a sua visão de si mesmo e assim proporciona a percepção da sua singularidade. A cada dia este indivíduo se sente desafiado em “tirar o esperado”. Em evidenciar que ele é um ser único e singular. Que é ele mesmo, quem deve determinar o melhor para si. O que significa dizer que este melhor para si, é melhor só para ele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A grande questão da nossa época é uma coisa chamada globalização. Uma espécie de anonimato disfarçado, no qual procura-se diluir as diferenças e singularidades dos povos, dentro de um uniformismo económico, cultural e social. Dentro dessa visão o humano é apenas mais um mero detalhe, um número.

Esta estratégia de alguns vem implantando até mesmo falsas necessidades nas pessoas como quando o outro faz propaganda de carro, camisa, comida ou lazer, é um exemplo claro do que esperam de você e de mim, que possamos aceitar tais coisas como se fossem nossas necessidades. E o pior, é que às vezes as pessoas se sentem frustradas por não atingirem a realização de necessidades que não são suas. O indivíduo que sente o desespero-desafio, que intenciona ser ele mesmo, aprende a dizer não àquilo que não lhe pertence, às necessidades que os outros tentam implantar na sua vida. Ele tem coragem de ser diferente, de assumir que pensa e sente de forma única no mundo. Este indivíduo é mais espontâneo, pois procura estabelecer uma coerência interna, que se mostra externamente, porque ele procura viver o que sente, falar o que pensa e sempre a cada instante, “tirar o que se espera dele”.

Kierkegaard, tanto quanto nós, viveu numa época onde a massificação, o fazer tudo igual, o desvalor do indivíduo era fomentado e fortalecido. A pessoa tinha que seguir as convenções gerais, em detrimento da sua própria individualidade. Porém, aquele filósofo sempre disse que o que importa é como o indivíduo, na sua particularidade, na sua concretude e na sua unicidade, faz com a sua existência. Existência que para Kierkegaard não era o mero ato de respirar, de comer ou se vestir, mas “um ato de escolher em ir na direcção de ser”. A direcção daquilo que o indivíduo elegeu como sendo o seu objectivo, o seu projecto. Existir é ir em direcção às escolhas individuais. É sair da prisão da mesmice, da igualdade e da uniformidade, que tanto sofrimento causa e, partir em direcção à auto-construção da vida individual.


Quantas pessoas que não quiseram “tirar o esperado” e assumiram o desespero-fraqueza. Acabaram casando com quem os outros esperavam que ela se casasse, ficaram no emprego ou na profissão que esperavam ela trabalhasse, viveram a vida que esperavam que elas vivessem e sofreram existencialmente de uma maneira tão profunda como elas não esperavam para si.

O que falta aqui? Falta a vida original, a vida de autoria do próprio indivíduo. A pessoa que abraça o desespero-desafio e quer ser ela própria, não se conformar em ser um observador, mas faz-se um actor e autor da sua própria história. Assume a responsabilidade total de que a sua vida depende de si mesma. Que ela é energia viva e auto-determinante. Que ela nunca é, mas é sempre um vir-a-ser, em constante transformação, um devir.

Kierkegaard demonstrou durante a sua vida, que os outros sempre esperam de nós que sejamos tais quais eles planejaram que nós fôssemos. Não corresponder essa visão é um ato de coragem e de desespero, pois é preciso quebrar toda uma “história” pré-articulada e construir uma que é do seu jeito único. Para tanto, é preciso que o indivíduo tenha auto-determinação, auto-dedicação, auto-disciplina e auto-desprendimento. Auto-determinação é a intenção do indivíduo de ser ele mesmo, capaz de afirmar e efectivar os seu projectos, sonhos e desejos. Ele se determina e não permite que ninguém faça isso por ele. Auto-dedicação é o movimento da pessoa no sentido de se entregar à realização dos seus objectivos. Auto-disciplina é a postura que o indivíduo tem de seguir um método para conquistar as suas metas. O método é um caminho, um meio. E o meio mais eficaz que eu conheço para ser uma pessoa mais integrada, mais própria, mais dona de si, é a psicoterapia. Auto-desprendimento é um ato contínuo no qual o indivíduo aprende a lidar com a escolha. Sendo a principal “escolher-se”. Escolher é aprender a abraçar algumas coisas e desapegar-se de tantas outras, que não resultam no melhor para si.

Essa é a visão de triunfo de Kierkegaard sobre as crises existenciais, o aprendizado a cada dia do desespero-desafio, do ato de educar cada um a si mesmo sobre quem ele é e pode ser.

Ethienny Corrêa
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Eu sou Ethienny Corrêa, acadêmica de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí (FACIME-UESPI).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DHAMMAPADA, S. “Insight Meditation”. Committee for the Advancement of Buddhism, London, 1967, pg. 75
FEIJOO, A. M. L. C. “A escuta e a fala em psicoterapia”. São Paulo: Vetor, 2000.
KIERKEGGARD, Sören Aabye. “Desespero Humano – Doença até a Morte”. São Paulo, Ed. Abril Cultural, Os Pensadores, 1979, pg. 232 e 233
KIERKEGAARD, S. O desespero humano. Porto: Livraria Tavares Martins, 1961.
_O conceito de angústia. São Paulo: Hemus, 1968.
NIETZSCHE. “Assim Falou Zaratustra”. São Paulo, Nova Cultural, 1997, pg. 222.


SHINYASHIKI, Roberto. “O Sucesso é Ser Feliz”, Editora Gente, 1998, pg 136 e 137.

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