domingo, 6 de julho de 2025

Opinião - A República que ensinava Liberdade...mas só aos Homens

 A Primeira República portuguesa nasceu com uma energia difícil de ignorar. Trazia consigo a retórica do progresso, a missão pedagógica de civilizar o país e a promessa de uma nova era, livre de superstição, atraso e privilégio dinástico. Foi um tempo de reformas entusiásticas, de expansão do ensino, de combate ao analfabetismo, de secularização militante e de racionalismo importado das Luzes francesas. Para muitos, foi um despertar.

O problema foi o resto.
A República alfabetizava, mas não democratizava verdadeiramente. Proclamava a liberdade, mas com asteriscos. As mulheres, por exemplo, continuaram arredadas da vida política. A cidadania plena era coisa de homens. Beatriz Ângelo, médica e contribuinte, conseguiu — por brecha legal e firmeza pessoal — votar em 1911. Foi a primeira mulher portuguesa a fazê-lo. E a última durante décadas. A lei foi logo “corrigida”. O gesto de Beatriz ficou como excepção incómoda: uma mulher que ousou reivindicar a liberdade que a República ensinava, mas não concedia.
É esta contradição que define o regime republicano nos seus dezasseis anos de vida. Quarenta e seis governos em dezasseis anos — uma média de quase três por ano. Golpes de Estado, levantamentos armados, revoltas nos quartéis, assassinatos políticos. O Parlamento era uma caixa de ressonância de fações em conflito, mais preocupado em derrubar do que em governar. A estabilidade foi um luxo que o regime nunca chegou a conhecer.
E, ainda assim, acreditou-se que Portugal podia impor-se no mundo. A participação na Primeira Guerra Mundial foi apresentada como gesto de maturidade política. Um país pequeno, em bancarrota, com fome nas ruas, decidiu enviar milhares de homens para as trincheiras da Flandres e para as campanhas em África. O objetivo era dar legitimidade internacional à jovem República. O preço foi altíssimo. Famílias destroçadas, soldados mortos, mutilados esquecidos. Internamente, a guerra agravou a crise. Mas no exterior, alguns republicanos foram promovidos. Afonso Costa, figura central do regime, viria a representar Portugal na Sociedade das Nações — como se o fracasso doméstico pudesse ser compensado com prestígio diplomático.
Entretanto, reescrevia-se a história à força da toponímia. Mudaram-se os nomes das ruas, das praças, das escolas. Onde havia reis, colocaram-se heróis republicanos. Onde havia santos, datas. A Avenida D. Carlos tornou-se Avenida Almirante Reis. A tradição foi apagada a lápis grosso, como se Portugal tivesse começado em 1910. Parecia inconveniente recordar que tínhamos oito séculos de história antes da República. Como se D. Afonso Henriques, os Descobrimentos, a Restauração ou o Marquês de Pombal fossem meras notas de rodapé.
O resultado foi um país dividido entre a exaltação simbólica e a desordem prática. A Primeira República queria ser escola, mas não conseguiu ser regime. Queria ensinar cidadania, mas não soube garantir direitos básicos. Queria progresso, mas viveu em sobressalto. Não lhe faltaram ideais. Faltou-lhe o essencial: estabilidade, inclusão e humildade histórica. A memória oficial ainda hoje a glorifica, como se tivesse sido o grande ponto de viragem da nossa modernidade. Mas a verdade é que durou pouco, caiu com estrondo e deixou muito por cumprir.
Portugal é mais do que a sua República. E a liberdade que se ensina deve ser também a liberdade que se pratica. Mesmo — ou sobretudo — quando quem a reivindica se chama Beatriz, e não Manuel.

*Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

Semana Internacional de Folclore junta 300 participantes de 10 países. FOLK Cantanhede é o exemplo perfeito da união de culturas

 
Teve início este sábado, 5 de julho, mais uma edição do FOLK Cantanhede – Semana Internacional de Folclore, que durante nove dias junta no concelho 300 participantes de 10 países, em representação de três continentes.
O evento, com a chancela do Comité Internacional de Organizadores de Festivais de Folclore e Artes Tradicionais, conta com a participação de grupos oriundos da Albânia, Argentina, Bulgária, Chéquia, Chile, Colômbia, Costa do Marfim, Costa Rica, Polónia e Espanha, sendo a presença portuguesa assegurada pelo Cancioneiro de Cantanhede, a quem cabe a organização.
Nesta 18.ª edição, o evento assume-se, uma vez mais, como uma das grandes manifestações folclóricas, no plano nacional e internacional.
Como referiu a presidente da Câmara Municipal, Helena Teodósio, na sessão de boas-vindas, que decorreu nos claustros dos Paços do Concelho, o Folk Cantanhede promove um “verdadeiro encontro de culturas”. Por isso, elogiou o Cancioneiro de Cantanhede pela “reconhecida capacidade em explorar devidamente as dimensões cultural e sociológica do folclore, respeitando sempre a essência de tudo o que ele representa”.
Dirigindo-se aos participantes, a autarca deu conta que “a população deste concelho aguarda sempre com grande expetativa as exibições do festival e vive-as com grande entusiasmo e muita curiosidade sobre o modo como a vossa cultura popular e as vossas tradições são celebradas”.
A encerrar a sessão, na qual também participaram os vereadores Célia Simões e Sérgio Negrão, Helena Teodósio deixou a garantia do “profundo comprometimento” da Câmara Municipal com o Folk Cantanhede e os objetivos que presidem à sua realização, designadamente “a promoção do verdadeiro encontro de culturas que ele sempre proporciona”.
Já Paulo Marques, que preside ao Cancioneiro de Cantanhede e à comissão executiva do Folk, agradeceu à autarquia o facto de considerar este evento “uma prioridade no âmbito da estratégia cultural municipal” e reafirmou os propósitos desta grande manifestação da cultura popular: por um lado fomentar o ambiente de paz e amizade entre os povos; por outro, contribuir para projetar Cantanhede na região, no país e no mundo através da arte popular.
Ate ao próximo dia 13 de julho, o Folk Cantanhede proporciona 30 espetáculos em todas as freguesias do concelho, bem como em municípios vizinhos como Montemor-o-Velho e Vagos.



 Barcelos | III Encontro Alumni do IPCA celebrou 30 anos de histórias e ligações que perduram

 O Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) voltou a abrir as portas aos seus antigos estudantes no passado sábado, dia 5 de julho, para a realização do III Encontro Alumni. O evento reuniu dezenas de antigos e atuais estudantes, docentes e colaboradores, num ambiente marcado pelo reencontro, partilha de memórias, celebração e muito orgulho académico.
O encontro decorreu no Campus do IPCA, em Barcelos, e assinalou não apenas o reforço da rede Alumni, mas também a comemoração simbólica dos 30 anos de existência da instituição.
Na sessão de abertura, a Presidente do IPCA, Maria José Fernandes, destacou o valor humano e identitário deste momento: “O IPCA é passado, presente e futuro. E vocês representam tudo isso. Este projeto é feito de pessoas – estudantes, antigos estudantes, docentes e colaboradores – que ao longo de três décadas contribuíram para construir esta instituição.”
A Presidente salientou ainda a importância da escolha feita por cada um ao ingressar no IPCA e realçou os mais recentes dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que indicam que 87% dos cursos politécnicos têm 100% de empregabilidade.
“Estes indicadores são não apenas um reconhecimento do trabalho que desenvolvemos, mas também um estímulo para continuarmos a apostar num modelo de ensino-aprendizagem centrado nos estudantes, nas competências e na ligação ao território e ao tecido económico e social”, afirmou a Presidente do IPCA.
Também presente, a Vereadora da Educação da Câmara Municipal de Barcelos, Mariana Carvalho, sublinhou o impacto do IPCA no desenvolvimento dos territórios onde se insere: “como docente desta casa e enquanto autarca, não posso deixar de reconhecer o papel fundamental do IPCA na transformação deste território. Barcelos precisa – e muito – do IPCA. É um privilégio termos esta instituição no nosso concelho.”
A abertura do evento ficou a cargo das tunas académicas – TAIPCA e TMIPCA – que subiram ao palco e encheram o auditório de emoção, com atuações que trouxeram à memória os tempos vividos no seio académico.
A noite continuou em festa com um espetáculo do humorista Herman José, que arrancou gargalhadas e prolongou a animação até ao encerramento.
Mais do que um reencontro, o Encontro Alumni assume-se como uma ponte entre gerações de estudantes e um pilar estratégico na missão do IPCA.
Esta ligação contínua entre o presente e o passado permite orientar percursos de carreira, expandir redes de contacto e potenciar o crescimento pessoal e profissional de todos os que fazem parte do universo IPCA.
                                               
*Gabinete de Comunicação e Imagem (GCI)
Serviços Centrais do IPCA

Nota Imprensa - Posição oficial quanto à questão relativa à Dra. Rosário Carvalho


Tendo em conta a notícia divulgada ontem, ao final da noite, pela RIA – Rádio Universitária de Aveiro, da não aceitação, por parte da Dra. Rosário Carvalho, provedora da Santa Casa da Misericórdia, de Aveiro, de integração no grupo de trabalho da Aliança Mais Aveiro, a direção de campanha da Aliança Mais Aveiro vem, através desta Nota de Imprensa, esclarecer o seguinte:

  1. A Dra. Rosário Carvalho foi convidada a integrar o grupo de trabalho responsável pela conclusão do programa eleitoral e aceitou o convite, estando programadas sessões de trabalho, já na próxima semana;

  1. Foi com base nessa aceitação, e com a sua concordância, que a Aliança Mais Aveiro, tornou pública a nota de imprensa;

  1. Passadas escassas horas da publicação da nota de imprensa em diversos órgãos de comunicação social, a Dra. Rosário Carvalho informou a candidatura da sua indisponibilidade para integrar o grupo de trabalho, alegando eventual incompatibilidade devido ao cargo que desempenha e que inicialmente não considerou;

  1. Lamentamos o sucedido, mas estamos muito tranquilos quanto à correção do comportamento da Aliança Mais Aveiro em todo o processo;

5. Com esta nota de imprensa, a Aliança Mais Aveiro, dá por esclarecido e encerrado o sucedido;

6. Continuamos concentrados na conclusão do Programa Eleitoral, após termos percorrido o município, auscultado as pessoas, associações e empresas, e que queremos apresentar aos nossos concidadãos, alicerçado no rigor, na seriedade das propostas e que seja indutor da melhoria da qualidade de vida em Aveiro e dos Aveirenses. Continuaremos a pugnar por uma candidatura que defende e valoriza as Pessoas e Aveiro.

Contamos com a vossa colaboração.

Com as Pessoas. Por Aveiro.

: José Alexandre Silva

Opinião - Achados roubados, memória perdida Caixa de entrada Paulo Freitas do Amaral

 Em Portugal, o roubo de achados arqueológicos tornou-se um crime banalizado. Há muito que deixámos de proteger com seriedade o que nos define como povo. Entre a indiferença e a omissão, o passado vai-se perdendo — à pá, à picareta, ao som discreto de detectores de metais manuseados por saqueadores de ocasião ou traficantes organizados.
O que aconteceu no Castelo de Noudar, em Barrancos, é mais do que vandalismo. É um aviso. Num dos mais isolados e belos testemunhos do Portugal medieval, foram identificados buracos cavados com ferramentas clandestinas e vestígios de remoção de objetos arqueológicos. Sabemos que desapareceram moedas, cerâmicas, fragmentos de um tempo que ninguém voltará a estudar. O Estado nada fez. E o silêncio é a segunda agressão.
Mas Noudar é apenas um nome numa lista que cresce. No Castro de Sabroso, em Guimarães, o saque repetiu-se. Grupos com detectores de metais vandalizaram estruturas da Idade do Ferro, deixaram valas abertas e retiraram cerâmicas.
Na Torre Velha I, em Serpa, o que restava de uma villa romana foi parcialmente destruído por uma retroescavadora — a ignorância matou aquilo que a arqueologia ainda não tinha conseguido proteger.
Ao largo de Faro, uma empresa estrangeira extraiu ilegalmente moedas da nau espanhola Nuestra Señora de las Mercedes, levando para fora de águas portuguesas um espólio histórico que devia ser nosso.
E em 2009, a Polícia Judiciária recuperou no estrangeiro bustos, peças litúrgicas e objetos sacros roubados em vários pontos do país, provando que há um mercado negro ativo e impune para o nosso património.
É altura de dizê-lo com todas as letras: o saque do património arqueológico em Portugal é sistemático, transversal e politicamente ignorado. Não faltam leis — falta vontade. Falta fiscalização. Falta dinheiro. Falta vergonha.
Direção-Geral do Património Cultural não tem meios para agir. As autarquias, na sua maioria, não têm técnicos nem formação para identificar, muito menos proteger, os sítios em risco. A GNR pouco pode fazer quando os alertas chegam tarde e os agressores já partiram com o espólio. E no meio disto tudo, a memória coletiva vai-se desfazendo como pó antigo em mãos irresponsáveis.
A quem pertence o passado? A todos nós. E se é nosso, então exige-se que o Estado o trate como um bem comum, não como uma nota de rodapé nos orçamentos culturais.
É por isso que defendo a criação urgente de um "Plano nacional de combate ao saque de achados arqueológicos e património", com medidas concretas:

  • Fiscalização reforçada com drones e forças policiais em sítios vulneráveis;
  • Mapeamento nacional dos locais arqueológicos em risco, com sinalização visível no terreno;
  • Campanhas de sensibilização junto das populações, para que cada cidadão se torne um vigilante da sua própria herança;
  • Revisão da lei, criminalizando com firmeza o uso não autorizado de detectores de metais e o tráfico de bens culturais;
  • Cooperação internacional, para travar a exportação clandestina de artefactos e recuperar o que já foi levado.
A história de um país não se resume ao que está nos livros. Vive no solo, nos vestígios, nos fragmentos que esperam por quem os saiba ler. Quando esses fragmentos são roubados, roubam-nos também o direito de compreender quem fomos. E sem esse direito, não há futuro que se construa com raízes firmes.
Noudar foi saqueado. Mas e o que dizer de nós? Ficaremos imóveis, a ver a História a fugir-nos por entre os dedos?

*Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor