domingo, 10 de abril de 2016

CARTA AO IDIOTA DO IMPEACHMENT

Não há um jeito elegante de dizer isso, mas estamos vislumbrando o surgimento de uma nova subsepécie na fauna brasileira dos idiotas e manipulados: o Idiota do Impeachment.
Você, que é contra o impeachment por achar que se trata de um golpe arquitetado pelos “coxinhas” da direita conservadora, evangélica e militarista. Você, que é a favor do
 impeachment por achar que a derrocada dos “petralhas” instalará a moralidade na máquina pública. Seria ótimo se a realidade fosse simples assim, tal como é retratada na sua cabeça. Mas não tem como dizer isso de forma mais elegante, o fato é que você é um idiota, mais exatamente um tipo qualificado de idiota: o Idiota do Impeachment.
O problema não é ser contra ou a favor do Impeachment, pois isso é um posicionamento político legítimo a todo o cidadão esclarecido e criterioso em seu julgamento. O problema é ser contra ou a favor do Impeachment pelas razões e inspirações ingênuas e primárias que só um típico Idiota do Impeachment, seja contra ou a favor, pode ter.
Sem se dar conta, você está sendo iludido em suas boas intenções por um grupo de políticos e asseclas de políticos que não compartilha da mesma visão de mundo que você, mas que manipula suas expectativas com o objetivo de alcançar ou manter a única coisa que lhes importa de verdade: o poder. Você, infelizmente, é só mais uma vítima inocente de uma era na qual as memes das redes sociais pintam tudo com cores primárias, maniqueístas, preto no branco, nós contra eles, os bons contra os maus.
E você, peão idiota manipulado pela retórica e pelo marketing de botequim das redes sociais, entra nessa guerra com sanguenozoiocontra o suposto inimigo, seja ele os coxinhas ou os petralhas, compartilhando e curtindo rotulações apressadas e imagens apelativas. Como resultado dessa sua ação inconsequente e míope, meu prezado, o já superficial debate político brasileiro fica ainda mais caricato, mais miserável e vergonhoso. Antes de criticar os parlamentares que brigam com tapas e cabeçadas no congresso nacional, olhe para seu próprio umbigo e se pergunte se você também, ao seu jeito, não está colaborando para nosso país se tornar um enorme circo feito de palhaços malogrados pela própria burrice.
Porém, meu amigo, a verdade é que tudo é bem pior do que as vãs simplificações do Facebook e papos de bar conseguem representar. Nessa história, não há heróis, não há vilões. Em ambos os cenários, ocorrendo ou não ocorrendo o Impeachment, tanto vencedores como derrotados são representantes do que há de pior na política brasileira. Ocorra ou não impeachment, permaneça ou não o PT no poder, o povo brasileiro será o grande perdedor, pois fomos colocados numa situação na qual já perdemos, e não há outra alternativa senão sermos governados pela mesma classe política criminosa que há décadas parasita o Estado brasileiro, estejam eles na oposição ou na situação, sejam do PSDB, sejam do PT.
Dê um passo para trás, meu amigo Idiota do Impeachment, e olhe tudo de uma perspectiva mais ampla, e subitamente esse véu de ignorância sairá de seus olhos:
De um lado, temos uma Presidente cuja incompetência administrativa e microgerenciamento autoritário fez o país mergulhar numa profunda crise econômica, colocando por água abaixo as poucas e árduas conquistas sociais da população brasileira nos últimos anos. Uma Chefe do Executivo cujo partido está, como demonstram as investigações das operações Zelotes e Lava-Jato, comprovadamente mergulhado num esgoto de corrupção que envolve poderosas estatais como Petrobrás, Furnas e Eletrobrás, e grandes empresas como Odebrecth, Andrade Gutierrez e o grupo Caoa – um esgoto cujas águas contaminadas e bilionárias correram quase como um rio de lama durante seus dois mandatos presidenciais. Uma Presidente que ocultou em 2014 os primeiros sinais de recessão para poder ganhar a eleição, e que praticou um enorme estelionato eleitoral após sua vitória ao adotar medidas contrárias à cartilha ideológica de seus eleitores.
Do outro lado, porém, temos um presidente da Câmara que amealhou milhões de dólares em contas na Suiça como resultado da corrupção, e que fez ameaças de morte ao deputado federal relator do processo parlamentar destinado a apurar sua falta de decoro. Uma oposição cujo principal partido foi responsável por irregularidades e desvios durante a privatização de grandes estatais no governo FHC, e cujo candidato à Presidência da República tem relações ainda não investigadas com o narcotráfico internacional. Uma oposição que conta com o apoio do que há de pior na política brasileira, como a bancada evangélica e cretinos fundamentalistas como Bolsonaro.
Não se convenceu? Bem, basta lembrar que tanto se ocorrer como se não ocorrer o Impeachment, na prática um partido sairá sempre vencedor, e terá no congresso o poder de decidir os rumos da nação, ocupando cargos na máquina pública, independentemente de quem esteja usando a faixa presidencial: o PMDB.
“Então, se toda a política brasileira está nas mãos de incompetentes, corruptos e estelionatários, não há chance para a democracia?” “Está tudo podre e em processo de decomposição moral irremediável?” Eu entendo que essa é a primeira pergunta que vem à sua cabeça, meu amigo Idiota do Impeachment, e até desconfio que, antes mesmo de terminar a sua formulação, uma vozinha dentro de você começou a sussurrar, a depender de sua inclinação ideológica, algo a favor de uma revolução socialista ou de uma intervenção militar de direita (é, fazer o que, o seu pensamento é bem previsível).
Ocorre que você, querido crédulo, também caiu na armadilha de uma outra simplificação: aquela que entende a democracia exclusivamente como um processo de votar em candidatos a cargos públicos que, uma vez no poder, farão composições políticas para implementar os seus compromissos de campanha.
Na verdade, democracia é muito mais do que isso. Democracia também é um sistema de instituições independentes cujo dever fundamental é preservar aquilo que se convencionou chamar de “Estado Democrático de Direito“. E essas duas últimas palavras, “direito” e “democrático”, são, nesse sistema, indissociáveis: a democracia realiza-se através do direito e o direito justifica-se pela preservação da democracia, sendo entendido por “direito” não apenas o conjunto de leis, mas antes e principalmente o conjunto de princípios que inspiram a noção de um governo legitimado pela participação ativa de todos os cidadãos.
E, nesse aspecto, se no âmbito da política seremos todos perdedores, não importando qual grupo saia vitorioso do Impeachment, não importando se Dilma cai ou não cai, o que está ocorrendo no âmbito de outras instituições democráticas é algo sem precedentes e mostra que no final pode haver uma grande vitória do Estado Democrático de Direito: o Poder Judiciário e o Ministério Público (que também não são santos, que também possuem focos de abusos e corrupção, mas não no nível de metástase do Poder Executivo e Legislativo) estão, pela primeira vez, atuando segundo o estrito rigor da lei, e como consequência estamos testemunhando senadores, banqueiros e grandes empreiteiros indo parar atrás das grades.
É natural que os grupos antigidos pela ação dessas instituições tentem vender a ideia de que elas estão sendo ideologicamente seletivas nas apurações. Você, meu amigo, está inteiramente livre para continuar um Idiota do Impeachment e acreditar que toda a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário estão ideologicamente aparelhados com esse ou aquele grupo político. A simplificação caricata da realidade é sempre sedutoramente mais fácil de assimilar.
Porém, o fato é que os músculos de outras instituições democráticas estão sendo pela primeira vez exercitados no país, e como consequência disso nem mesmo as mais altas autoridades da República e poderosos empresários estão sendo poupados de amargar um bom tempo atrás das grades. O desespero é tanto, diante da eficiência e agilidade dessas instituições democráticas, que um Senador da República tentou comprar o silêncio de um dos investigados com mesada de 50 mil reais e fuga em jatinho supersônico para a Europa, tudo patrocinado por um grande banqueiro: o resultado é que o senador e o banqueiro acabaram na cadeia.
Essas instituições compõem um delicado mas sofisticado sistema existente em toda a democracia bem sucedida, mas que até hoje no Brasil tinha sua musculatura atrofiada. É um sistema essencialmente jurídico que implementa os princípios e regras de uma Constituição que, malgrado todos os ataques reiterados, ainda é vocacionada à democracia.
O problema da estupidez do Idiota do Impeachment é que ela desvia o foco do fundamental. Mais importante, no momento, do que o Impeachment em si, é a busca emergencial da estabilidade econômica, sob pena de a crise atual lançar nas ruas milhares de desempregados, e devolver à classe mais baixa milhares de famílias que estavam compondo aquilo que passamos a chamar de “nova classe média”. Mais importante, para o futuro, é estarmos vigilantes para as tentativas que o Poder Legislativo e o Executivo farão de tolher a autonomia das instituições democráticas que estão, neste momento, mordendo os seus calcanhares e ameaçando punir efetivamente toda a corrupção.
Enquanto você briga no Facebook ou no Twitter defendendo aqueles que estão lhe manipulando, Idiota do Impeachment, o país vai à bancarrota, independentemente de quem está ocupando a Presidência. Mas a mudança depende mais de você do que daquele pessoal em Brasília. Você pode abandonar agora mesmo essa fantasia de palhaço que tem orgulho de ostentar em público, e pode passar a usar as vestimentas da cidadania esclarecida e crítica, ainda que seja para defender esse ou aquele posicionamento, mas sem se iludir sobre a verdadeira qualidade (ou falta de qualidade) dos grupos políticos que estão de ambos os lados dessa contenda.
Autor: Victor Lisboa

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