domingo, 10 de abril de 2016

Carl Rogers e a Perspectiva Centrada no Cliente

A posição teórica de Rogers evoluiu através dos anos. Ele é o primeiro a indicar em que mudou seu pensamento, transferiu sua ênfase ou modificou sua abordagem. Ele estimula os outros a testarem suas afirmações, ao mesmo tempo que desencoraja a formação de uma “escola de pensamento” que se inspire em suas conclusões pessoais. Seu trabalho não se limitou a influenciar a psicologia; antes, “foi um dos factores responsáveis pelas mudanças conceituais que ocorreram na área da liderança na indústria (e também na área militar), na prática do serviço social, da enfermagem e da assistência religiosa. Exerceu influência até mesmo sobre os estudiosos de teologia e da filosofia”.

A natureza básica do ser humano, quando actua livremente, é construtiva e fidedigna.

Antecedentes Intelectuais

A teoria de Rogers desenvolveu-se essencialmente a partir de sua própria experiência clínica. Ele sente que conservou a objectividade evitando a estreita identificação com qualquer escola ou tradição específica. “ Na verdade, nunca pertenci a qualquer grupo profissional. Fui educado por, ou tive íntimas relações de trabalho com psicólogos, psicanalistas, psiquiatras, psiquiatras sociais, assistentes sociais, educadores e religiosos, mas nunca senti que pertencia, num sentido total ou comprometido a qualquer um desses grupos”.

Seus alunos da Universidade de Chicago sugeriram que Rogers encontraria nas ideias de Martin Buber e Soren Kierkegaard um eco de sua própria posição emergente. Na verdade, estes escritores são uma fonte de fundamentação para as marcas que Rogers traz da sua filosofia existencial. Recentemente, ele descobriu paralelos ao seu trabalho em fontes orientais, notavelmente no Zen Budismo e nos trabalhos de Lao-Tsé.

Conceitos Principais

Uma premissa fundamental da teoria de Rogers é o pressuposto de que as pessoas usam sua experiência para se definir. Em seu principal trabalho teórico, Rogers define uma série de conceitos a partir dos quais delineia teorias da personalidade e modelos de terapia, mudanças de personalidade e relações interpessoais. Os construtos básicos aqui apresentados estabelecem uma estrutura através da qual as pessoas podem construir e modificar suas opiniões a respeito de si mesmas.

O Campo da Experiência

Há um campo de experiência único para cada indivíduo; este campo de experiência ou “campo fenomenal” contém “tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência”. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um mundo privativo e pessoal ou não corresponder à realidade objectiva.

De início a atenção é colocada naquilo que a pessoa experimenta como seu mundo, não na realidade comum. O campo de experiência é limitado por restrições psicológicas e limitações biológicas. Temos tendência a dirigir nossa atenção para perigos imediatos, assim como para experiências seguras ou agradáveis, ao invés de aceitar todos os estímulos que nos rodeiam.

As palavras e os símbolos estão para a realidade na mesma relação com um mapa para o território que o represente… Vivemos num “mapa” de percepções que nunca é a própria realidade.

Self

Dentro do campo da experiência está o self. O self não é uma entidade estável, imutável; entretanto, observado num dado momento, parece estável. Isto se dá porque congelamos uma secção da experiência a fim de observa-la. Essencialmente é uma gestalt cuja significação vivida é susceptível de mudar sensivelmente (e até mesmo sofrer uma reviravolta) em consequência da mudança de qualquer destes elementos. Self é uma gestalt organizada e consistente num processo constante de formar-se e reformar-se à medida que as situações mudam.

Rogers usa o termo para se referir ao contínuo processo de reconhecimento. É esta diferença, esta ênfase na mudança e na flexibilidade, que fundamenta sua teoria e sua crença de que as pessoas são capazes de crescimento, mudança e desenvolvimento pessoal. O self ou auto-conceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.

Self ideal

O self ideal é “o conjunto das características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como descritivas de si mesmo”. Assim como o self, ele é uma estrutura móvel e variável, que passa por redefinição constante. A extensão da diferença entre o self e o self ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de saúde mental. A imagem do self ideal, na medida que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento pessoal.

Congruência e Incongruência

Congruência é definida como o grau de exactidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo) são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador são consistentes.

Crianças pequenas exibem alta congruência. Expressam seus sentimentos logo que seja possível com o seu ser total. Quando uma criança sente amor ou raiva, ela expressa plenamente suas emoções. Isso pode justificar a rapidez com que a criança substitui um estado emocional por outro. A expressão total de seus sentimentos permite que elas liquidem a bagagem emocional que não foi expressa em experiências anteriores.

A congruência é bem descrita por um Zen-budista ao dizer: “Quando tenho fome, como; quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo”.

A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. As pessoas que parecem estar com raiva (punhos cerrados, tom de voz elevado, praguejando) e que (se interpeladas) replicam que de forma alguma estão com raiva, ou as pessoas que dizem estar passando por um período maravilhoso mas que se mostram entediadas, isoladas ou facilmente doentes, estão revelando incongruência.

Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. A maioria das psicoterapias trabalha sobre este sintoma de incongruência, ajudando as pessoas a se tornarem mais conscientes de suas acções, pensamentos e atitudes na medida em que estes as afectam e aos outros.

Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando. A pessoa não é capaz de expressar suas emoções e percepções reais em virtude do medo e de velhos hábitos de encobrimento que são difíceis de superar. Por outro lado, é possível que a pessoa tenha dificuldade em compreender o que os outros esperam dela.

A incongruência pode ser sentida como tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais extremas, como confusão interna.

Tendência à Auto-Realização

Há um aspecto básico da natureza humana que leva uma pessoa em direcção a uma maior congruência e a um funcionamento realista. Além disso, este impulso não limitado aos seres humanos; é parte do processo de todas as coisas vivas. “É este impulso que é evidente em toda vida humana e orgânica expandir-se, torna-se autónomo, desenvolver-se, amadurecer a tendência a expressar e activar todas as capacidades do organismo ou self”.

O impulso em direcção à saúde não é uma força esmagadora que supera obstáculos ao longo da vida; pelo contrário, é facilmente embotado, distorcido e reprimido. Rogers o vê como a força motivadora dominante numa pessoa que está “funcionando de modo livre”, não paralisada por eventos passados ou por crenças correntes que mantêm a incongruência. Maslow chegou a conclusões semelhantes; chamava esta tendência de uma voz interna e fraca que é facilmente abafada. A suposição de que o crescimento é possível e central para o projeto do organismo é crucial para o restante do pensamento de Rogers.

Dinâmica

Crescimento Psicológico

As forças positivas em direcção à saúde e ao crescimento são naturais e inerentes ao organismo. Baseado em sua própria experiência clínica, Rogers concluiu que os indivíduos têm a capacidade de experienciar e de se tornarem conscientes de seus desajustamentos.

Rogers está convencido de que estas tendências em direcção à saúde são facilitadas por qualquer relação interpessoal na qual um dos membros esteja livre o bastante da incongruência para estar em contacto com o seu próprio centro de auto-correção. A maior tarefa da terapia é estabelecer tal relacionamento genuíno.

Aceitar-se a si mesmo é um pré-requisito para uma aceitação mais fácil e genuína dos outros. Em compensação, ser aceito por outro conduz a uma vontade cada vez maior de aceitar-se a si próprio. Este ciclo de auto-correção e auto-incentivo é a forma principal pela qual se minimiza os obstáculos ao crescimento psicológico.

Obstáculos ao Crescimento

Rogers sugere que os obstáculos aparecem na infância e são aspectos normais do desenvolvimento. O que a criança aprende em um estágio com benéfico deve ser reavaliado nos estágios posteriores. Motivos que predominam na primeira infância mais tarde podem inibir o desenvolvimento da personalidade.

Quando a criança começa a tomar consciência do self, desenvolve uma necessidade de amor e de consideração positiva. Uma vez que as crianças não separam suas acções de seu ser total, reagem à aprovação de uma acção como se fosse aprovação de si mesmas. Da mesma forma, reagem à punição de um ato como se estivessem sendo desaprovadas em geral.

O amor é tão importante para a criança que ela “acaba por ser guiada, não pelo carácter agradável ou desagradável de suas experiências e comportamentos, mas pela promessa de afeição que elas encerram”. A criança começa a agir de forma que lhe garante amor ou aprovação, sejam os comportamentos saudáveis ou não para ela. As crianças podem agir contra seu próprio interesse, chegando a se perceber em termos destinados a princípio a agradar ou apaziguar os outros. Teoricamente esta situação poderia não se desenvolver se acriança sempre se sentisse aceita e houvesse aceitação dos sentimentos mesmo que alguns comportamentos fossem inibidos. Em tal situação ideal a criança nunca seria pressionada a se despojar ou repudiar partes não atraentes mas autênticas de sua personalidade.

Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do self são chamados de condições de valor. “Quando uma experiência relativa ao eu é procurada (ou evitada) unicamente porque é percebida como mais (ou menos) digna de consideração de si, dizemos que o indivíduo adquiriu um modo de avaliação condicional”.

Condições de valor são os obstáculos básicos à exactidão da percepção e à tomada de consciência realista. De forma extrema, as condições de valor são caracterizadas pela crença de que “preciso ser respeitado ou amado por todos aqueles que estabeleço contacto”. As condições de valor criam uma discrepância entre o self e o auto-conceito. Para mantermos uma condição de valor temos que negar determinados aspectos de nós mesmos.

Por exemplo, se lhe falaram “Você deve amar seu irmãozinho recém-nascido senão mamãe não gosta mais de você”, a mensagem é d que você deve negar ou reprimir seus sentimentos negativos genuínos em relação a ele. Se você conseguir esconder sua vontade maldosa, seu desejo de machucá-lo e seu ciúme normal sua mãe continuará a amá-lo. Se você admitir que tem tais sentimentos, você arrisca a perder este amor. Uma solução que cria uma condição de valor é rejeitar tais sentimentos sempre que ocorram, bloqueando-os de sua consciência. Agora você pode agir de formas tais como: “Eu realmente amo meu irmãozinho, apesar das vazes em que o abraço tanto até ele gritar” ou “Meu pé escorregou sobre o seu, eis porque ele tropeçou”.

Quando a criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido na medida em que a pessoa nega impulsos diferentes do auto-conceito artificialmente “bom”. Para sustentar a falsa auto-imagem a pessoa continua a distorcer experiências (quanto maior a distorção maior a probabilidade de erros e da criação de novos problemas). Os comportamentos, os erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais mais fundamentais.

A situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência entre o self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência.

Por vezes as manobras defensivas não funcionam. A pessoa toma consciência das discrepâncias óbvias entre os comportamentos e as crenças. Os resultados podem ser pânico, ansiedade crónica, retraimento ou mesmo uma psicose. Rogers observou que o comportamento psicótico parece ser muitas vezes a representação externa de um aspecto anteriormente negado da experiência.

Perry o corrobora, apresentando a evidência de que o episódio psicótico é uma tentativa desesperada de se reequilibrar e de permitir a realização de necessidades e experiências internas frustradas. A Terapia Centrada no Cliente esforça-se por estabelecer uma atmosfera na qual condições de valor prejudiciais possam ser postas de lado, permitindo, portanto, que as forças saudáveis de uma pessoa retomem sua dominância original. Uma pessoa recupera a saúde reivindicando suas partes reprimidas ou negadas.

Estrutura

Corpo

Embora Rogers defina a personalidade e a identidade como uma gestalt contínua, não dá ao papel do corpo uma atenção especial. Sua teoria é baseada na tomada de consciência da experiência; não selecciona a experiência física como diferente em espécie ou valor das experiências emocionais, cognitivas ou intuitivas.

Relacionamento Social

O valor dos relacionamentos é de interesse central nas obras de Rogers. Os relacionamentos mais precoces podem ser congruentes ou podem servir como foco de condições de valor. Relações posteriores são capazes de restaurar a congruência ou retarda-la.

Rogers acredita que a interacção com o outro capacita um indivíduo a descobrir, encobrir, experienciar ou encontrar seu self real de forma directa. Nossa personalidade torna-se visível a nós através do relacionamento com os outros. Na terapia, em situações de encontro e em interacções cotidianas, o feedback dos outros oferece às pessoas oportunidade de experienciarem a si mesmas.

Através dos relacionamentos, as necessidades organísmicas básicas do indivíduo podem ser satisfeitas. A esperança dessa satisfação faz com que as pessoas invistam uma quantidade de energia incrível em relacionamentos, até mesmo naqueles que não parecem ser saudáveis ou satisfatórios.

Casamento

O casamento é um relacionamento não usual; é potencialmente de longo prazo, intensivo, e carrega dentro de si a possibilidade de manutenção do crescimento e do desenvolvimento. Os melhores casamentos ocorrem com parceiros que são congruentes consigo mesmos, que têm poucas condições de valor como empecilho e que são capazes de genuína aceitação dos outros. Quando o casamento é usado para manter uma incongruência ou para reforçar tendências defensivas existentes, é menos satisfatório e é menos provável que se mantenha.

As conclusões de Rogers sobre qualquer relação íntima a longo prazo, tal como o casamento, são focalizadas sobre quatro elementos básicos: compromisso contínuo, expressão de sentimentos, não-aceitação de papeis específicos e capacidade de compartilhar a vida íntima.

1) Dedicação e Compromisso

Cada membro de um casamento deveria ver “a união como um processo contínuo e não um contrato. O trabalho feito visa tanto a satisfação pessoal como a satisfação mútua”. Uma relação é trabalho; é um trabalho tendo em vista objectivos separados ou comuns. Rogers sugere que este compromisso seja expresso da seguinte maneira: “Nós dois nos comprometemos a cultivar juntos o processo mutável de nosso actual relacionamento está enriquecendo nosso amor e a nossa vida e nós queremos que ele cresça”.

2) Comunicação – Expressão de Sentimentos

Rogers insiste na comunicação total e aberta. “Arriscar-me-ei tentando comunicar qualquer sentimento persistente, positivo ou negativo, ao meu companheiro (com a mesma profundidade com que o percebo em mim) como uma parte presente e viva em mim”. A comunicação tem duas fases igualmente importantes: a primeira é expressar a emoção. A segunda é permanecer aberto e experienciar a resposta do outro.

Rogers sugere que devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos sentimentos causam em nosso parceiro quanto com a expressão original dos sentimentos em si mesmo Isto é mais difícil do que simplesmente “desabafar” ou “ser aberto e honesto”. É a disposição de aceitar os riscos reais envolvidos: rejeição, desentendimento, sentimentos feridos e retribuição.

3) Não-Aceitação de Papéis

Numerosos problemas desenvolvem-se na medida em que tentamos satisfazer as expectativas dos outros, ao invés de determinarmos as nossas próprias.

Ethienny Corrêa

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