Isabel Moreira - Expresso, opinião

Não há engano possível. A causa do problema não é a saída do RU. A causa do problema chama-se a política europeia de hoje (em sentido lato), esquecida do seu projeto de paz, de solidariedade, de crescimento e de igualdade democrática, o que é um projeto cultural.
Por isso mesmo, a derrota no referendo da permanência é a derrota de políticas assentes no fanatismo da austeridade, do descarado tratamento desigual dos Estados, divididos entre Norte e Sul, desenvolvido/ bem-comportados e selvagens sem regras a serem disciplinados com sanções atrás de sanções, por uma UE materialmente cada vez menos democrática.
A derrota no referendo da permanência é a derrota da Comissão-pode-tudo, incluindo reinventar um ideal europeu, esse da UE ser basicamente uma entidade burocrática orçamentalista que penaliza de acordo com o princípio da hierarquia e que deita fora direitos sociais, paz e igualdade, precisamente os alicerces que enquanto foram seguidos fizeram da UE um espaço de enorme vantagem para todos nós.
A derrota da no referendo da permanência é a derrota dos órgãos formais e informais da UE perante a crise humanitária dos migrantes, órgãos incapazes de uma política decente à altura da dignidade que foi enviada para parte incerta, incapacidade essa culpada da abertura de campos gigantes à atuação do apetite dos partidos e movimentos de extrema-direita, esses que minutos depois da pronúncia inglesa começaram de imediato a requer referendos aqui e acolá.
A derrota no referendo da permanência é a derrota de rostos concretos, como os de Merkel, Durão Barroso, Sarcozi, Schauble, Cameron, Hollande ou Juncker. Mas é também a derrota dos governos que agora já não são governo e reagem como comecei o texto, após anos de adesão por excesso a esta UE devastadora. Se acordaram, pois ainda bem.
A história tem de ficar registada. A direita orçamentalista e a extrema-direita ganharam e estão a delinear o continuar da sua estratégia.
Para quem não acordou no dia do referendo – e também para quem acordou nesse dia – interessa defender concretamente o que é a Europa a partir da sua memória: um projeto de paz, democrático, o qual tem de ser afirmado assente na defesa do Estado social, da igual dignidade dos Estados, contra nacionalismos, racismos e xenofobia, sempre pela afirmação positiva do que significa a adesão ao outro.
A Europa não pode ser definida como um projeto económico.
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