Défice baixo, crescimento em alta, Comissão Europeia a propor a saída de Portugal do procedimento por défices excessivos. Vai tudo bem na economia portuguesa? Nesta altura que as boas notícias parecem acumular-se também se ouvem sonoros avisos. Cá dentro, a começar pelo Presidente da República, que coloca alguma água na fervura, e lá fora, pois a decisão da Comissão veio acompanhada por várias recomendações ou mesmo exigências, a manterem a pressão sobre Portugal. Torna-se por isso obrigatório regressar ao tema da economia portuguesa, até para ajudar a compreender o que se está a passar e a sustentabilidade das boas notícias.
A pergunta estava hoje bem colocada no Observador pela Rita Dinis e pelo Miguel Santos Carrapatoso: António Costa no país dos números maravilha. Será tudo assim tão bom? O texto faz um apanhado das posições dos vários agentes políticos mas também regista a opinião de alguns economistas, quase todos eles a recomendarem prudência ou a enquadrarem o que aconteceu no primeiro trimestre deste ano. Por exemplo: “Há fatores que tornam os números do crescimento melhores do que são de facto”, explica [Pedro Arroja]. Há o chamado “efeito base”, que quer dizer que a variação homóloga de 2,8% no primeiro trimestre de 2017 teve como “ponto de partida um primeiro trimestre de 2016 muito fraquinho”; há o “boom no turismo e imobiliário”; assim como há a “conjuntura externa” e a “política orçamental” a nível mundial que beneficiou os países do sul por ter passado a ser expansionista em 2016, depois de ter estado tantos anos em sentido inverso.”
No jornal online Eco Margarida Peixoto também realizou um levantamento, este mais macroeconómico, partindo de uma pergunta semelhante: PIB cresceu perto de 3%. Mas o ritmo vai continuar? O texto divide-se em quatro pontos (1 – Atenção ao detalhe; 2 – A conjuntura internacional tem de ajudar; 3 – Crescer no segundo semestre vai ser mais difícil e 4 – Sustentabilidade ainda não está garantida), sendo que também nele as análises são, no mínimo, prudentes: “Na nota de análise sobre os números revelados hoje pelo INE, o Banco BPI sublinha um dado importante: em parte, o crescimento muito expressivo das exportações explica-se por um feito na base de comparação. “As exportações aumentaram mais do que as importações, com a comparação das exportações de combustíveis e dos carregamentos para Angola a beneficiarem de efeitos temporários negativos nos primeiros três meses de 2016″, lê-se na análise de José Miguel Cerdeira. Os dados disponíveis para as exportações de bens mostram um aumento homólogo de 48,3% nas vendas para o mercado angolano, no primeiro trimestre deste ano, sublinha a mesma nota. Este efeito poderá dissipar-se nos próximos trimestres, e ainda não é claro qual será o impacto para o valor do crescimento.”
Há contudo quem seja mais directo e, se quisermos, bem menos optimista, como é caso de João Salgueiro que, numa entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1 considerou que Crescimento de 2,8% "não resolve o problema", atribuindo-o "basicamente ao turismo" que beneficiou das convulsões registadas no Médio Oriente e no Mediterrâneo”. Ou seja, como se titula na síntese da entrevista feita pelo Observador: “Não se fez nada para” crescer 2,8%. “Aconteceu”.
Num registo diferente, mais analítico, Pedro Romano procura dar, no seu blogue Desvio Colossal, Uma explicação trivial (mas palavrosa) para o maior crescimento económico do milénio. A sua interpretação é bastante interessante, pois desagrega duas componentes do crescimento – o crescimento do emprego e o crescimento da produtividade, ver gráfico abaixo – para mostrar como a evolução do emprego explica o que está a acontecer à economia. Não é possível sintetizar aqui todo o seu raciocínio, pelo que deixo um dos seus avisos finais: “Assim que o desemprego voltar ao seu nível normal, a margem de progressão por esta via esgota-se, e o crescimento do PIB volta novamente a ser ditado pelas forças demográficas e pelo crescimento da produtividade. O primeiro será seguramente negativo, e o segundo não tem sido nada famoso (embora seja quase impossível prever o comportamento futuro desta variável). No futuro, talvez tenhamos assim de nos contentar com um crescimento de 1%. Mas, por agora, ainda podemos apreciar os frutos do fecho do output gap.”
Rita I. Ferreira, de um outro blogue, A Destreza das Dúvidas, dizendo-se desafiada por Pedro Romano a perder algum tempo a olhar para os números do Instituto Nacional de Estatística acabou a escrever o post Um presente envenenado onde, depois de comparar números da dívida e do crescimento, conclui que “Por vezes, ouve-se as pessoas dizer que a economia portuguesa está estagnada, mas isto é incorrecto, pois o PIB real está estagnado, mas cada vez é necessário mais dívida para o manter estagnado, ou seja, Portugal está a empobrecer. A Geringonça não mudou isto, mesmo com o PIB a crescer 2,8% no primeiro trimestre de 2017, pois isto não compensa o fraco desempenho de 2016. Talvez em 2018, Portugal volte a estar como estava em 2015, o que significa que Portugal desperdiçou mais de dois anos.”
Também eu fiz o mesmo – olhar para os números do INE – mas segui por um outro caminho em O mistério dos 79 euros, um texto cujo ponto de partida é, em 2015, o rendimento médio mensal das famílias ter subido 79 euros. Ocupei-me sobretudo das “narrativas” sobre a “estratégia do empobrecimento” e a política de “devolução de rendimentos” para concluir, por exemplo, “Não é necessário falsificar os números para falsear a percepção da realidade. Basta falar muito de uns, como os 2,8% do crescimento, e omitir outros, como os nossos misteriosos 79 euros, para que se confunda toda a chamada “narrativa”. E o perigo é que foi com “narrativas” falseadas que não há muitos anos se dizia que tudo corria bem quando tudo já estava a correr mal.”
Ora sobre a questão das “narrativas” sobre o milagre dos 2,8% e aquilo que os governos devem ou não fazer há um conjunto de textos que vale a pena ler:
- Baixem o défice e deixem a economia em paz, uma crónica de Paulo Ferreira no Eco, onde ele nota que “A ideia do PS era simples: vamos devolver rendimentos mais depressa e, com isso, estimulamos o consumo das famílias e, com ele, a actividade económica; vamos dinamizar o investimento; ao mesmo tempo, temos que reduzir o défice orçamental de forma muito mais lenta para que estas contas possam bater certo. O que está a acontecer é mais ou menos o inverso disto: a economia cresce muito mais com o contributo das exportações e do investimento do que do consumo interno; o investimento foi sacrificado; o défice foi – e bem – cortado muito mais depressa (e o corte no investimento, entre outras operações, fez com que as contas batessem certo).”
- Porque cresce tanto a economia portuguesa?, uma análise de João Pires da Cruz no Observador muito centrada no sucesso das nossas exportações, o que faz tanto ou mais sentido pois dirige uma empresa que exporta serviços: “Se virmos como as exportações têm evoluído com a população ativa, concluímos que os portugueses são cada vez mais produtivos no que à produção de valor reconhecido no estrangeiro diz respeito. Se, em média, no início do século cada trabalhador “vendia” 7 mil euros pela fronteira fora, o ano passado estava a vender quase 17 mil.”
- Rã, salta!, o texto de João Duque no Expresso de sábado passado, um texto sobre a importância do turismo (e não do consumo interno) nos números do crescimento: “O PIB nacional cresceu 2,8% no primeiro trimestre face ao mesmo trimestre de 2016, à custa do investimento e das exportações (desta vez desacompanhadas das importações). A construção, que em Portugal representa 50% do investimento, cresceu neste trimestre, coisa que pelo menos há mais de 13 anos não sucedia! Mas foi o turismo (o de inverno que é novo para nós) que registou a variação mais expressiva: +6,7% em número de hóspedes, +5,6% em dormidas e +13,5% em proveitos! Este crescimento turístico é de tal forma vigoroso que até a construção vai hoje a reboque!”
Entretanto Olivier Blanchard, que em tempos foi economista-chefe do FMI passou por Lisboa para um debate onde discutiu um papper que fez em conjunto com Pedro Portugal (Universidade Nova e Banco de Portugal): “Boom, Slump, Sudden stops, Recovery, and Policy Options. Portugal and the Euro”. Como se noticiou no Observador este defendeu que o resgate tinha demasiada austeridade por culpa da troika e do governo de José Sócrates. Sobre o crescimento deste trimestre foi prudente: “Tenhamos cuidado. Não penso que vá durar. Mais uma vez, a previsão para o crescimento da produtividade ainda não é muito boa, ainda há muitas dimensões onde as coisas não estão ótimas, mas é claro que a situação está melhor do que alguém pensava há um ano. O porquê, não é inteiramente claro para mim”, disse Olivier Blanchard.”
Vale a pena, para conhecer melhor o seu pensamento, ler a entrevista que deu a Helena Garrido para o jornal Eco, onde explica, por exemplo, Como mudou de ideias sobre o euro e Portugal. Também defendeu que “Vão continuar a ter os vossos 130% de dívida. Ninguém irá reduzi-la para outro número”. Ou seja, “Qualquer coisa que possa preocupar os investidores vai continuar a ser um risco. Quando se tem 130%, se de repente os investidores querem juros mais altos cria-se um problema. Penso que o Governo está consciente disso. Pode ser gerido. O principal risco é que os investidores fiquem preocupados com algo que aconteça aqui.”
No mesmo Eco Joaquim Miranda Sarmento tem um texto interessante sobre estas opiniões do conhecido economista – O crescimento, Blanchard e a Troika –, um texto onde se recorda de forma didática como era estreito o caminho saído das negociações entre o governo de Sócrates e a troika, nomeadamente por ser pequeno o montante do empréstimo a Portugal: “O que foi acordado em maio de 2011 foi insuficiente. Porque foi mal negociado. Terá sido por ignorância, má-fé ou afastamento da realidade, ou uma combinação das três? Ou apenas negociado a pensar nas eleições que ocorriam passado um mês? Nada nos deve surpreender tendo em conta quem então liderava os destinos do governo Português. O erro talvez tenha sido não ter afirmado isto logo em 2011. Mas aí havia a necessidade de não agravar a perceção dos mercados sobre Portugal. De outra forma, talvez o regresso aos mercados, ao invés de ter ocorrido no final de 2012 (quase um ano antes do previsto), teria sido muito mais tarde.”
Certo, certo, mais do que certo, seguro, é que não se deseja voltar àquela situação de aflição, e por isso António Barreto resolveu tornar pública, no Diário de Notícias, a sua Súplica ao Senhor dos Aflitos: “Uma súplica para que os nossos dirigentes políticos não estraguem tudo outra vez, para que não abram desalmadamente os cofres, para que não voltem a meter ao bolso, para que não gastem o que não têm, para que não construam túneis e viadutos, para que não desperdicem como novos-ricos, para que não façam mais parcerias ruinosas em que os privados ficam com os lucros e o público com o prejuízo, para que não autorizem swaps, para que não voltem a recrutar dezenas de milhares de funcionários públicos, para que não aumentem salários acima do razoável, para que não voltem a bater nos pobres, para que não dêem aos ricos o que eles não precisam, para que não continuem a pensar que se pode viver eternamente com dívidas, para que parem de pensar que os credores têm a obrigação de socorrer os devedores, para que dêem espaço e liberdade aos empresários e para que não voltem a viver como se não tivessem filhos.”
Talvez daqui por uns dias, quando conhecermos com mais detalhe as diferentes componentes do crescimento “milagre” possamos voltar, no Macroscópio, à economia portuguesa e às suas dinâmicas. Afinal as boas notícias também podem ser notícia, ao contrário de uma velha máxima do jornalismo: “good news, no news”. Tenham bom descanso e espero que estas leituras tenham sido do vosso proveito.
PS. Não se esqueçam que já está nas bancas uma revista especial, em grande formato, que assinala o 3º aniversário do Observador. Não deixem de comprar. Vão ver que tem mesmo muito que ler, e com grande qualidade.
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