KOVÁCS,
Maria Júlia (Cord.) – Morte e Desenvolvimento Humano – São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1992.
A morte
do outro se configura como a vivência da morte em vida. É a possibilidade de
experiência da morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte nossa
morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos.
A perda e
a sua elaboração são elementos contínuos no processo de desenvolvimento humano.
É neste sentido que a perda pode ser chamada de morte “consciente” ou morte
vivida.
Na
representação de morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é a “perdida” e a
outra que lamenta essa falta. Como a morte não pode ser vivida concretamente, a
única morte experienciada é a perda, quer concreta, quer simbólica. Ver a perda
como fatalidade, ocultar os sentimentos, eliminar a dor, apontar o crescimento
possível diante dela, podem ser formas de negar os sentimentos que a morte
provoca, para não sofrer.
Sabe-se
que a expressão de sentimentos nessas ocasiões é fundamental para o
desenvolvimento do processo de luto. No entanto, as manifestações diante das
perdas sofreram alterações no decorrer dos tempos. Segundo Ariès (1977), na
Idade Média era autorizada a manifestação dos sentimentos diante da morte. Com
o desenvolvimento do poder da Igreja, esta passou a exigir uma atitude mais
contida e digna, assumindo o controle dão rituais e ditando as formas de
comportamento adequadas. No século XIX, a morte romântica traz em seu bojo a ideia
de morte como uma ruptura insuportável, porque representa a morte do outro. Já
no século XX, ainda segundo Ariès (1977), há uma supressão da manifestação do
luto, a sociedade condena a expressão e a vivência da dor, atribuindo-lhes uma
qualidade de fraqueza.
O
processo de luto por definição é um conjunto de reacções diante de uma perda.
Bowlby (1985) refere-se às quatro fases do luto:
A
primeira seria a fase do choque que tem a duração de algumas horas ou semanas e
pode vir acompanhada de manifestações de desespero ou de raiva. Nesta fase, o
indivíduo pode parecer desligado, embora manifeste um nível alto de tensão.
Podem ocorrem expressões emocionais intensas, ataques de pânico e raiva.
A segunda
fase seria a do desejo e busca da figura perdida, que pode durar também meses
ou anos. A raiva pode estar presente nesta fase, principalmente quando há a
percepção de que houve efectivamente uma perda, provocando desespero, inquietação,
insónia e preocupação. Ao mesmo tempo, existe a ilusão de que talvez tudo não
tenha passado de um pesadelo. Essa raiva pode se manifestar como irritabilidade
ou uma profunda amargura.
A
terceira seria a fase de desorganização e desespero, onde a esperança
intermitente, os desapontamentos repetidos, o choro, a raiva, as acusações,
podem ser manifestações desta fase. Pode haver ainda a sensação de que nada
mais tem valor, muitas vezes acompanhada de um desejo de morte, pois a vida sem
o outro não vale a pena. E, por fim, a fase de alguma organização, onde se
processa uma aceitação da perda definitiva e a constatação de que uma nova vida
precisa ser começada.
Para
Raimbault (1979), a fim de que se realize o processo de luto é necessário: Uma
desidentificação e um desligamento dos sentimentos em relação ao morto; a
aceitação da inevitabilidade da morte; e quando for possível, encontrar um
substituto para a libido desinvestida. Se não tiver ocorrido este desligamento
do objecto perdido, em cada nova relação se buscará coisas da anterior, com consequências
desastrosas.
Bowlby
(1985) levanta alguns aspectos que podem afectar o processo de luto e que
talvez facilitem o processo de evolução de um quadro patológico: o primeiro
ponto a ser levado em conta é a identidade e papel da pessoa que foi perdida; o
segundo é a idade e o sexo da pessoa enlutada; o terceiro avalia as causas e as
circunstâncias da perda; em seguida deve-se considerar as circunstâncias
sociais e psicológicas que afectam o enlutado, na época e após a perda; por
fim, leva-se em consideração a personalidade do enlutado e como este responde a
situações estressantes.
Mas,
afinal, qual a diferença entre o processo de luto norma e o patológico? Para
Bowlby (1985), a exacerbação dos processos presentes no luto norma, com uma
duração muito longa e com características de obsessividade, configuram um
processo patológico. O que se define como luto saudável é a aceitação da
modificação do mundo externo, ligada à perda definitiva do outro, e a consequente
modificação do mundo interno e representacional, com a reorganização dos
vínculos que permaneceram. Os processos defensivos são constituintes regulares
de todo o processo de luto, em qualquer idade, e se tornam patológicos quando
assumem carácter irreversível, fazendo parte integrante da vida.
Segundo
Labaki (2001), para Freud, “o luto é a reacção à perda de um ente querido”. Há
uma série de reacções anormais neste sujeito sem que sejam consideradas
patológicas. Ocorre um profundo desânimo, cessação de desejo pelo mundo
externo, perda da capacidade de amar e inibição de actividades externas. A
restrição do ego fica vinculada a esta perda. O trabalho do luto envolve um
teste de realidade, que comprova que o objecto não existe mais, e a libido é
retirada das ligações com ele.
A
abordagem diante de uma situação de dor que poderia impossibilitar a escuta,
seria caracterizado como o momento em que a capacidade do psicoterapeuta
reconhecer a dor sem, no entanto, perder-se nela, nem tampouco recusá-la,
poderá ofertar sentido e deste depurar o afecto do sofrimento permeado pela
dor, tornando-a passível de ser dita. Dar-se-ia então neste momento entre
psicoterapeuta e paciente a abertura da clínica da dor diante do impacto
traumático do diagnóstico de uma doença mortífera ou da morte.
Existe
ainda outro tipo de morte, a separação. Esta é uma morte psíquica na vida dos
seres humanos. Separa ou partir é morrer um pouco. A separação pode ser em
muitos casos pior do que a própria morte porque significa uma capitulação
diante da morte ainda em vida. Por outro lado, a separação pode ser a saída
menos dolorosa, em alguns casos, porque evita a morte.
A
separação é uma vivência de morte numa situação de vida. Segundo Caruso (1982),
durante o processo, desenvolve-se: a Catástrofe do Ego, onde com a separação
produz-se uma morte na consciência. Ocorre uma mutilação egóica, a identidade
sucumbe, o que acciona os mecanismos de defesa para que a morte não aniquila a
consciência e não leve a alguma situação psicótica.
Pode se
desenvolver ainda a Agressividade que pode surgir como um mecanismo de defesa
atacando aquele que abandonou. A desvalorização do ausente é uma forma de
tentar reconciliar o ego ferido com o ideal abalado.
Pode
acontecer ainda o aparecimento da Indiferença. Esta é uma fase onde se força a
diminuição da idealização egóica. Esta indiferença pode ocorrer em meio ao
desespero. Pode-se traçar uma analogia com a rigidez da morte, uma renúncia ao
prazer, para se evitar o desprazer.
Pode
ocorrer uma busca de novas actividades ou de novas formas de prazer, a qual o
Caruso (1982) denomina de Fuga para diante. Durante o processo, procura-se
intensamente novas relações, como substituição ao parceiro perdido. E, por fim,
acontece a Idealização. Esta atua como uma forma de depuração, uma rebelião contra
o processo de morte que procura se instalar.
Vivências
de destruição/demolição e descontinuidade/interrupção poderão ocorrer, reflectindo
conteúdos fantasmáticos inconscientes e frutos da história de vida de cada um.
A morte se apresenta pela via da emergência no psiquismo, portanto é
considerada material de análise.
As
representações inconscientes da ameaça de morte, geradoras de angústia, de
algum modo protegem o ego ao mesmo tempo em que sinalizam o perigo de morte. O
processo psicoterápico pode, em muitos momentos, se configurar como um elemento
preventivo para que não se desenvolva um processo de luto patológico. (Labaki,
2001)
O
trabalho clínico promove a transformação do sofrimento numa experiência afectiva
concedendo reforço e protecção à vida. Enquanto existir vida a morte se
constituirá como experiência de desinvestimento.
Ethienny
Corrêa
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Eu sou
Ethienny Corrêa, acadêmica de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual do Piauí (FACIME-UESPI).
BIBLIOGRAFIA
AIRES, P.
– A História da morte no oriente – Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997.
BOWLBY,
J. – Apego, perda e separação – São Paulo, Martins Fontes, 1985.
CARUSO,
I. – A separação dos Amantes – São Paulo, Diadorim Cortez, 1982.
KOVÁCS,
Maria Júlia (Cord.) – Morte e Desenvolvimento Humano – São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1992.
LABAKI,
Maria Elisa Pessoa – Morte – São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
RAIMBAULT,
G. – A criança e a Morte – Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979.
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