quinta-feira, 14 de abril de 2016

Macroscópio – Acidentes de percurso ou sinal de descontrole?

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


As demissões de um ministro, João Soares, e de um secretário de Estado, João Wengorovius Meneses, mais a demissão de um chefe militar, o general Carlos Jerónimo, mais o “caso” Diogo Lacerda Machado criaram uma percepção de descontrole político que levaram mesmo o Público de hoje a falar de  A semana horribilis de Costa e até a sugerir em editorial que pode haver mais problemas no horizonte ao falar de “uma outra bomba-relógio que vai fazendo um tique-taque de desfecho cada vez mais previsível: o ministro da Educação.”

Alguns destes casos são já passado, vários derivam de um mero descontrole de linguagem ou dos procedimentos adequados, mas um deles destaca-se não só por tocar directamente o primeiro-ministro como por representar uma forma de actuar pensada, assumida e repetida. Refiro-me ao papel que Diogo Lacerda Machado tem vindo a desempenhar como amigo do primeiro-ministro e seu enviado a algumas negociações importantes. É de todos estes casos aquele que ameaça permanecer mais tempo no debate público, até porque é aquele que exige mais esclarecimentos.

Primeiro que tudo, quem é Diogo Lacerda Machado? Eis alguns trabalhos que ajudam a perceber melhor quem é este advogado de quem poucos portugueses tinham ouvido falar ainda há algumas semanas:
  • “Mon ami” Diogo Lacerda Machado, um Especial de Luís Rosa no Observador, onde se trata de esclarecer quem é o homem próximo de António Costa que aparece nos dossiês TAP, BES e BPI. Nesse texto recua-se até ao tempo que o advogado conheceu o actual primeiro-ministro, quando ambos estudavam na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e detalha os pormenores de alguns dos negócios em que esteve envolvido no passado, como a compra, ruinosa para a TAP, da VEM e da Varig Log (transportadora de carga) por cerca de 62 milhões de dólares.
  • O negociador de confiança de Costa no BES e na TAP, um perfil alargado de Joana Carvalho Fernandes escrito para a Sábado já no passado mês de Fevereiro.
  • O “melhor amigo” de Costa que virou mediador com os privados, de João Carlos Malta na Rádio Renascença, uma apresentação deste advogado que trabalha para o magnata Stanley Ho, já foi secretário de Estado e saltou para a ribalta mediática por estar em vários dossiês em que o Estado fala com privados. 

Esta sua presença na ribalta mediática foi potenciada pelas declarações de António Costa numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias no último fim-de-semana, na qual o PM assumiu a amizade – “Vamos lá a ver, o Diogo Lacerda Machado é o meu melhor amigo há muitos anos, temos uma relação muito próxima” – e depois lamentou ter sido forçado, pelo escândalo público, a formalizar um contrato com ele – “Olhe, acabámos por celebrar um contrato, porque as pessoas achavam que o facto de não haver nenhuma despesa do Estado…”, sendo que  resultado final “é mais caro para o Estado. É simplesmente um dinheiro que podia não ser gasto”.

Uma boa parte das primeiras reacções centraram-se no problema da transparência desta relação. Eis alguns exemplos do que foi sendo publicado:
  • A questão da transparência não lhe ocorre. Ocorre-lhe o desperdício de dinheiro. Na entrevista que deu ao “DN” e à TSF, Costa achou inclusivamente “estonteante” o interesse dos jornalistas pelo seu melhor amigo e negociador permanente do seu governo. Estamos em Portugal, senhores, onde os melhores amigos dão sempre “um jeitinho” e ninguém deve ter nada a ver com isso, segundo o primeiro-ministro.”, escreveu Ana Sá Lopes em Costa no país em que os amigos dão “um jeitinho”, no jornal i.
  • Lacerda Machado pode até não decidir. Mas representa e influencia as decisões do primeiro-ministro em matérias de elevado interesse público. O poder que tem dentro do Executivo não se compadece com a condição de agente sombra, nem com informalismos.”, notou André Veríssimo em O amigo Lacerda, no Jornal de Negócios.
  • Ser negociador preferencial do governo confere, naturalmente, um estatuto especial ao advogado que lhe é vantajoso no plano profissional. Por outro lado, relação de amizade, por estreita que seja, não é cartão-de-visita quando se trata do interesse público. Pelo contrário, alimenta a velha e verdadeira tese de que um dos males que nos afligem é a cultura do amiguismo.”, acrescentou  Nuno Saraiva em O dever da transparência, no Diário de Notícias.

Mas houve quem considerasse que não estávamos apenas perante um caso que necessitava de ser formalizado – estávamos face a um caso onde a suspeita de incompatibilidades e conflitos de interesse é muito grande:
  • O problema com Diogo Lacerda Machado não é apenas formal: é o de uma grave incompatibilidade.”, defendi eu próprio em Não gosto que me tomem por parvo, no Observador, onde deixava também várias interrogações: “O que é que sabemos, todo este tempo passado, dos termos da “negociação” da TAP? Nada. Ou melhor, alguma coisa: sabemos que o sócio português, Humberto Pedrosa, ficou mais dois anos com a concessão do Metro do Porto por ajuste directo. Estranho, não é?”
  • Ele próprio esteve envolvido no mais ruinoso negócio da TAP, tendo mesmo sido membro do conselho de administração da TAP Manutenção e Engenharia, entre 2006 e 2007, depois da Geocapital (uma sociedade de investimentos de Stanley Ho) ter constituído uma parceria com a companhia aérea para esta operação. Também preside à Comissão de Remunerações da Reditus, liderada por Miguel Paes do Amaral, que se candidatou à privatização da TAP. Tudo desaconselhava, portanto, o seu envolvimento.”, escreveu Daniel Oliveira em Um governo não tem “amigos”, no Expresso Diário (paywall).
  • Fala-se em ordenados e cifras financeiras, exige-se saber quais são e quanto ganha o amigo do primeiro-ministro. Não me parece ser esse o “ponto” nem isso o que mais interessa mas sim a estarrecedora e sorrateira entrada em cena desta “figura” e como chamá-la? Alguém sem “estatuto” na estrutura democrática, mas omnipresente e omnipotente na negociação – longe de nós – dos mais delicados dossiers do Estado português não é facilmente encaixável nos compromissos e preceitos das democracias.”, sublinhou Maria João Avillez em O cônsul de Portugal no Rio, de novo aqui no Observador.

Mas porventura o texto mais violento para António Costa veio de dentro do Partido Socialista, sob a forma de um artigo de opinião que António Galamba, que é membro da comissão política nacional dos socialistas, publicou hoje no jornal i:Temos paquidermes na loja! (O Observador fez aqui um resumo:Socialista denuncia negócios de amigo de Costa). Desse texto haveria várias passagens a citar, mas deixo apenas esta: “A amizade, depois de deposta a antiguidade, parece querer assumir o lugar de posto. Ser amigo é um posto. É tão claro o incómodo da esquerda como a contestação à intervenção de alguém com longa experiência negocial e de intervenção em processos do Estado, por exemplo no SIRESP ou na aquisição dos helicópteros Kamov. A esquerda embatucou e só num momento posterior é que esboçou uma reação de geometria variável.” Recorde-se que o contrato do SIRESP e a compra dos Kamov se contam entre os negócios públicos que mais discussão e dúvidas suscitaram nos últimos 15 anos.

Seria contudo pobre terminar o Macroscópio de hoje por aqui, até porque tenho mais três textos, soltos, para os quais queria chamar a vossa atenção.

O primeiro já tem uns dias e merece referência pela sua originalidade e frontalidade, porventura só possível por ter sido escrito por alguém que ensina e vive em Nova Iorque, o economista Ricardo Reis. Trata-se de A jamaiquização do país e saiu no Dinheiro Vivo. Nele se mostra estupefação pela forma como o encerramento de uma discoteca em Lisboa está a ser recebida pela elite lisboeta: “Alguns milhares de pessoas (com sorte, talvez uma dezena de milhar) estão melindradas. Eles saem ou saíram à noite no Cais do Sodré e Bairro Alto e têm boas memórias do Jamaica. Azar, o mundo muda. Mas eles têm uma vantagem. São afluentes, escolarizados e respeitados, escrevem nos jornais publicados em Lisboa e contam nas suas fileiras com imensos membros da classe política lisboeta. Vai daí, no início de abril, o deputado Pedro Delgado Alves apresentou uma proposta de lei para alterar a lei das rendas “o mais célere possível” dando às câmaras municipais o poder de classificar um negócio como “estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural” e, assim, adiar qualquer atualização de rendas até 2027, que é como quem diz, até nunca. Salva-se o Jamaica.” O que se sacrifica com isso – uma lei das rendas que, finalmente, estava a mudar o centro envelhecido das nossas cidades – fica pelo caminho.

O segundo saiu aqui no Observador, escrito por Helena Matos:Ainda vamos a tempo. Trata da votação hoje, no Parlamento, da lei sobre “barrigas de aluguer”. Depois de manifestar surpresa – “Sabia o leitor que as barrigas de aluguer vão hoje a votos no parlamento? Pois é, não sabia. Só sabemos e só discutimos aquilo que o BE e a ala jacobina do PS colocam na agenda dos noticiários.” –, argumenta: “Ser mãe não é um direito nem um dever. Não pode valer tudo nesta matéria. A felicidade que algumas pessoas acreditam poder usufruir ao terem uma criança nos braços a que chamam filha não pode ser conseguida à custa do apagamento das emoções da mulher que esteve grávida e entregou a criança. Não temos duas classes de mulheres: as primeiras, aquelas para quem os filhos são importantíssimos, tão importantes que não concebem a vida sem eles. E as outras, aquelas para quem desfazerem-se de uma criança de que estiveram grávidas nove meses e que pariram é um acto que não deixa marca.”

O terceiro e último (por hoje) é a habitual crónica no Público de Francisco Assis, Uma garantia à Europa e um limite para Portugal, crónica em que o eurodeputado comenta a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa no Parlamento Europeu para nela encontrar vários avisos à governação. Por exemplo:
Marcelo Rebelo de Sousa forneceu uma garantia à Europa e estabeleceu um limite em Portugal. Por muito novo que seja este tempo, e por muito extasiados que andem os sapadores dos novos caminhos da história nacional, a opção primordial pela Europa não pode ser posta em causa. Ou melhor: poder, até pode, como é próprio de uma sociedade livre e plural, mas a sê-lo contará com a oposição declarada do Presidente da República.

E por hoje é tudo. O Macroscópio, como de costume, estará de regresso amanhã. Bom descanso e boas leituras.
 
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