Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o ESO é um parceiro, uma equipa de astrónomos descobriu um vasto reservatório de gás quente no enxame de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha — trata-se da mais distante detecção de gás quente efectuada até à data. Os enxames de galáxias são uns dos maiores objetos conhecidos no Universo e este resultado, publicado hoje na revista Nature, revela-nos quão primordiais são de facto estas estruturas.
Os enxames de galáxias, tal como o nome sugere, são constituídos por um enorme número de galáxias, que pode chegar a vários milhares. Estas estruturas contêm ainda um imenso meio “intraenxame” gasoso que permeia o espaço entre as galáxias do enxame. Este gás tem consideravelmente mais massa do que as galáxias propriamente ditas. Muita da física dos enxames de galáxias é bem conhecida; no entanto observações das fases mais primordiais da formação do meio intraenxame ainda são escassas.
Anteriormente, este meio só tinha sido estudado em enxames de galáxias próximos e completamente formados. Contudo, detectar o meio intraenxame em protoenxames distantes, isto é, em enxames de galáxias ainda a formar-se, permite aos astrónomos observar estas estruturas nas suas fases de formação iniciais. Uma equipa liderada por Luca Di Mascolo, autor principal deste estudo e investigador na Universidade de Trieste, Itália, pretendeu detectar o meio intraenxame num protoenxame do Universo primordial.
Os enxames de galáxias são tão massivos que atraem gás que cai na direção do enxame e que, consequentemente, aquece. “Há mais de uma década que simulações cosmológicas prevêem a presença de gás quente em protoenxames, no entanto, a confirmação observacional destas previsões tem faltado,” explica Elena Rasia, investigadora no Instituto Nacional de Astrofísica italiano (INAF), em Trieste, e co-autora do estudo. “Pretendendo obter tal confirmação observacional importante, seleccionámos cuidadosamente um dos mais promissores candidatos a protoenxame.” Trata-se do protoenxame Teia de Aranha, localizado numa época em que o Universo tinha apenas 3 mil milhões de anos. Apesar de ser o protoenxame mais estudado, a presença do meio infraenxame tem-se mantido elusiva. A descoberta de um grande reservatório de gás quente no Teia de Aranha indicaria que o sistema estaria a caminho de ser tornar um enxame de galáxias propriamente dito e duradouro ao invés de se dispersar.
A equipa de Di Mascolo detectou o meio intraenxame do protoenxame Teia de Aranha usando um efeito térmico chamado Sunyaev-Zeldovich (SZ). Este efeito ocorre quando a radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — passa pelo meio intraenxame e interage com os electrões do gás quente que se deslocam a altas velocidades, o que faz com que a sua energia aumente um pouco e a sua cor, ou comprimento de onda, varie ligeiramente. “Nos comprimentos de onda adequados, o efeito SZ aparece-nos como um efeito de sombra do enxame de galáxias na radiação cósmica de fundo,” explica Di Mascolo.
Ao medir estas sombras na radiação cósmica de fundo, os astrónomos conseguem assim inferir a existência de gás quente, estimar a sua massa e mapear a sua forma. “Graças à sua resolução e sensibilidade sem paralelo, o ALMA é a única infraestrutura atual capaz de levar a cabo tais medições nos progenitores distantes de enxames massivos,” diz Di Mascolo.
Os investigadores determinaram que o protoenxame Teia de Aranha contém um vasto reservatório de gás quente com uma temperatura de algumas dezenas de milhões de graus Celsius. Tinha sido já detectado anteriormente neste protoenxame gás frio, no entanto a massa de gás quente encontrada neste novo estudo é muito superior, da ordem de milhares de vezes maior. Este resultado mostra que o protoenxame Teia de Aranha deverá efetivamente transformar-se num enxame massivo de galáxias dentro de uns 10 mil milhões de anos, aumentando ainda a sua massa de, pelo menos, um factor dez.
Tony Mroczkowski, co-autor do artigo publicado e investigador do ESO, explica que “este sistema mostra grandes contrastes. A componente térmica quente destruirá grande parte da componente fria, à medida que o sistema se vai desenvolvendo, estando nós agora a assistir a esta delicada transição.” Mroczkowski conclui que “temos finalmente uma confirmação observacional das já antigas previsões teóricas sobre a formação dos maiores objetos ligados gravitacionalmente que existem no Universo.”
Estes resultados ajudam-nos a lançar as bases para sinergias entre o ALMA e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, o qual “irá revolucionar o estudo de estruturas tais como o Teia de Aranha,” diz Mario Nonino, co-autor do estudo e investigador no Observatório Astronómico de Trieste. O ELT e os seus instrumentos de vanguarda, tais como o HARMONI e o MICADO, serão capazes de observar protoenxames e mostrar-nos as galáxias que aí residem com muito detalhe. Juntamente com as capacidades do ALMA em traçar o meio intraenxame em formação, disporemos assim de informação crucial sobre a formação das maiores estruturas do Universo primordial.
Informações adicionais
Este trabalho de investigação foi descrito num artigo científico intitulado “Forming intracluster gas in a galaxy protocluster at a redshift of 2.16” publicado na revista Nature (doi: 10.1038/s41586-023-05761-x).
A equipa é composta por: Luca Di Mascolo (Unidade de Astronomia, Universidade de Trieste, Itália [UT]; INAF – Osservatorio Astrofisico di Trieste, Itália [INAF Trieste]; IFPU – Instituto de Física Fundamental do Universo, Itália [IFPU]), Alexandro Saro (UT; INAF Trieste; IFPU; INFN – Sezione di Trieste, Itália [INFN]), Tony Mroczkowski (Observatório Europeu do Sul, Alemanha [ESO]), Stefano Borgani (UT; INAF Trieste; IFPU; INFN), Eugene Churazov (Max-Planck-Institute für Astrophysik, Alemanha; Instituto de Investigação Espacial, Rússia), Elena Rasia (INAF Trieste; IFPU), Paolo Tozzi (INAF – Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Itália), Helmut Dannerbauer (Instituto de Astrofísica de Canarias, Espanha; Universidad de La Laguna, Espanha), Kaustuv Basu (Instituto de Astronomia Argel ander, Universidade de Bona, Alemanha), Christopher L. Carilli (National Radio Astronomy Observatory, EUA), Michele Ginolfi (ESO; Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universidade de Florença, Itália), George Miley (Observatório de Leiden, Universidade de Leiden, Países Baixos), Mario Nonino (UT), Maurilio Pannella (UT; INAF Trieste; IFPU), Laura Pentericci (INAF – Osservatorio Astronomico di Roma, Itália), Francesca Rizzo (Cosmic Dawn Center, Dinamarca; Instituto Niels Bohr, Dinamarca).
O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma infraestrutura astronómica internacional, surge no âmbito de uma parceria entre o ESO, a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado pelo ESO em prol dos seus Estados Membros, pela NSF em cooperação com o Conselho de Investigação Nacional do Canadá (NRC) e o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Taiwan e pelo NINS em cooperação com a Academia Sinica (AS) da Taiwan e o Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço da Coreia (KASI). A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol dos seus Estados Membros; pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia dos Estados Unidos (NRAO), que é gerido pela Associação de Universidades, Inc. (AUI), em prol da América do Norte; e pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório Conjunto ALMA (JAO) fornece uma liderança e gestão unificadas na construção, comissionamento e operação do ALMA.
O Observatório Europeu do Sul (ESO) ajuda cientistas de todo o mundo a descobrir os segredos do Universo, o que, consequentemente, beneficia toda a sociedade. No ESO concebemos, construimos e operamos observatórios terrestres de vanguarda — os quais são usados pelos astrónomos para investigar as maiores questões astronómicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia — e promovemos colaborações internacionais em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, o ESO é hoje apoiado por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça), para além do Chile, o país de acolhimento, e da Austrália como Parceiro Estratégico. A Sede do ESO e o seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, situam-se perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar extraordinário com condições únicas para a observação dos céus, acolhe os nossos telescópios. O ESO mantém em funcionamento três observatórios: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, assim como telescópios de rastreio, tal como o VISTA. Ainda no Paranal, o ESO acolherá e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Juntamente com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA no Chajnantor, duas infraestruturas que observam o céu no domínio do milímetro e do submilímetro. No Cerro Armazones, próximo do Paranal, estamos a construir “o maior olho do mundo voltado para o céu” — o Extremely Large Telescope do ESO. Dos nossos gabinetes em Santiago do Chile, apoiamos as nossas operações no país e trabalhamos com parceiros chilenos e com a sociedade chilena.
*Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Portugal
Nenhum comentário:
Postar um comentário