sábado, 14 de abril de 2018

Macroscópio – Tem Facebook? Deve apagá-lo? Fique a saber um pouco mais sobre aquilo que sabem da sua vida.

15394f37-d15a-4db8-9900-7c4008f236fe.jpg

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Eu tenho Facebook. Desde 2008, o que faz de mim um quase pioneiro. E até tenho duas contas, uma pessoale outra mais profissional. E não estou a pensar desligá-las. Mesmo assim devo dizer que as últimas semanas me têm ensinado muito sobre tudo aquilo que “big Zuckerberg” sabe sobre mim. Quem segue esta newsletter recordar-se-á que recente dediquei uma aos escândalos que envolveram a mais popular das redes sociais. Nesse Macroscópio – intituladoA culpa é do Facebook?– onde partilhei alguns textos que ajudavam a pensar duas vezes sobre a acusação de que fora esse mesmo Facebook a eleger Donald Trump. Há uns dias que sinto necessidade de regressar ao tema, desta vez pata ajudar a perceber até onde vai o poder da rede social. Os depoimentos no Congresso dos Estados Unidos de Mark Zuckerberg são para isso o pretexto perfeito. 
 
A vontade de regressar rapidamente a este tema tem uma origem: um podcast do Hudson Instituto da Universidade de Standford, na Califórnia, onde se conversa com o historiador Niall Ferguson que (ele há coincidências) acaba de publicar mais um livro em que se ocupa precisamente do poder das redes – The Square and the Tower: Networks, Hierarchies and the Struggle for Global Power. Em Area 45: Big Brother Facebook Is Watching YouNiall Fergurson examina os perigos do que ele designa como“hyperconnection” e procura responder a uma questão central: “Has Zuckerberg fulfilled George Orwell’s vision of a society of addicted to an all-knowing, all-watching telescreen?” Gravado ainda antes das sessões no Congresso dos Estados Unidos, neste podcast alinham-se inúmeros argumentos a favor de nos desconectarmos mais, e de termos mais cuidado com os nossos filhos, fala-se das dificuldades que existem para “regular a Internet” e deixa-se um retrato verdadeiramente perturbador do mundo que estamos a construir. Podemos considerá-la excessivamente pessimista, mas muitos dos argumentos de Niall Ferguson dão que pensar. 
 
O lançamento de The Square and the Tower tem feito com que o historiador tenha dado muitas entrevistas nas últimas semanas, mas de todos só destaco uma, a dada ao Washington Post onde é estabelecido um curioso paralelo – How Zuckerberg’s Facebook is like Gutenberg’s printing press–, continuando ainda com este autor para referir um texto que escreveu para o Boston Globe e que tem um título irresistível: Forget Facebook’s ‘mission’: Big Zucker is watching you!Nesse texto ele recorda o modelo de negócio do Facebook, aquilo que lhe permite ganhar dinheiro, e que é conhecer as preferências dos seus utilizadores para depois vender aos anunciantes publicidade dirigida a potenciais clientes: “As with Google, it was advertising that made Facebook money. The crucial difference was that Google simply helped people find the things they had already decided to buy, whereas Facebook enabled advertisers to deliver targeted messages to users, tailored to meet the preferences they had already revealed through their Facebook activity. Once ads were seamlessly inserted into users’ News Feeds on the Facebook mobile phone app, the company was on the path to vast profits, propelled forward by the explosion of smartphone usage.” E o pior é que nós estamos viciados nos pequenos ecrãs, não somos capazes de desligar. 

 
Mas vejamos mais alguns textos que ajudam a perceber os riscos desta nossa adição, começando por Reining in Big Data’s Robber Baronsum ensaio de Jennifer Cobbe na New York Review of Books. Num registo porventura algo extremado, e podermos questionar a sua definição de “surveillance corporations”, o autor nota que “if you use a web browser or an app, you are almost certainly the unwitting subject of dozens of psychological experiments that seek to profile your habits and vulnerabilities for the benefit of corporations, every time you use the Internet. This personalized and dynamic form of behavioral nudging gives surveillance corporations repeated opportunities to manipulate user behavior, in ways that would be impossible in the offline world.”
 
Admito que nesta altura muitos leitores se interrogarão sobre como isto é possível. Na verdade é quase inimaginável o que o Facebook sabe sobre nós. Se quisermos é possível descarregar um ficheiro onde a empresa nos elenca tudo aquilo que sabe sobre nós, e devo dizer que já tentei fazê-lo, mas sem êxito, porventura porque o meu ficheiro – com dados de quase dez anos de utilização – é realmente gigantesco. Mas Brian X. Chen do New York Times conseguiu ver o dele e conta-nos a sua experiência em I Downloaded the Information That Facebook Has on Me. Yikese confessa-nos como ficou surpreendido: “When I opened my file, it was like opening Pandora’s box.With a few clicks, I learned that about 500 advertisers — many that I had never heard of, like Bad Dad, a motorcycle parts store, and Space Jesus, an electronica band — had my contact information, which could include my email address, phone number and full name. Facebook also had my entire phone book, including the number to ring my apartment buzzer. The social network had even kept a permanent record of the roughly 100 people I had deleted from my friends list over the last 14 years, including my exes.There was so much that Facebook knew about me — more than I wanted to know.” Depois desta descoberta o jornalista foi tratar de saber como é que o Facebook consegue ter tanta informação sobre quem somos, o que fazemos, por onde andamos e com quem nos damos, e encontrou respostas que é interessante ler. 
 
(Informação útil: quem quiser fazer o download daquilo que o Facebook sabe sobre nós pode usar este link.)

 
Já relativamente às audições de Mark Zuckerberg no Congresso dos Estados Unidos, deixo-vos aqui estas análises: 
  • With Facebook, Congress Can't Regulate What It Doesn't Understand, deJimmy Sengenberger no Real Clear Politics: “The Zuckerberg hearings were truly more of an opportunity for politicians in Congress to fire shots at Facebook than to thoughtfully address the issue.  If it was the latter, they wouldn’t have bothered with the hearings in the first place.  And they’d probably brush up more on how Facebook works, too.”
  • The Dot-Coms Were Better Than Facebook, um texto onde Ian Bogost, recorda, na The Atlantic, que há precisamente 20 anos, quase dia por dia, o Congresso também chamou Bill Gates para o interrogar, para depois sublinhar que tudo, ou quase tudo, mudou desde esse ano de 1998: “The role of computing has changed since Gates’s testimony. The computer ceased to be a servant of human life and began to be the purpose for which that life is conducted. That’s the heart of the problem with the technology industry today, and it’s a problem that data-privacy regulation alone has no hope of fixing.”
  • Mark Zuckerberg, a tech visionary tripping up on his own success, uma opinião de Richard Waters no Financial Times onde se discute a personalidade do fundador do Facebook, fazendo uma avaliação que está longe de ser lisonjeira. Por exemplo: “To his critics, Mr Zuckerberg’s outsized success has left him — along with his number two, Sheryl Sandberg — disconnected from the impact they are having on the world, and badly placed to fix the company. “I look at Zuck and Sheryl and think, ‘Wow, you’ve succeeded beyond your wildest dreams, you’re billionaires,’” says Roger McNamee, a Silicon Valley investor who advised Mr Zuckerberg in Facebook’s early days. “I would think they would want to be heroes in their own movie, instead of presiding over a system that is undermining democracy and civil liberties. But, for whatever reason, something’s happened. Maybe they’ve lost the ability to relate to the problems.”
 
Quase a terminar esta newsletter gostaria ainda de partilhar convosco uma reportagem do El Pais sobre como a mesma rede social que, nas primaveras árabes ou nos levantamentos anti-autoritários no Irão foi creditada com o mérito de alimentar a revolta que abalou vários ditadores um pouco por todo o Médio Oriente (mas sem grande sucesso, como hoje sabemos), também pode servir para mobilizar multidões para as levar a praticarem barbaridades. Trata-se de Facebook fue clave en la limpieza étnica del siglo XXI en Myanmar, uma investigação daquele diário de Madrid que revela como ocorreram os massacres que vitimaram a minoria rohinyá, notando que “La violencia extrema desatada a partir de agosto por los militares, con la colaboración de turbas budistas agitadas por monjes xenófobos vía Facebook, supone la culminación de un sistemático proceso de persecución de esta minoría musulmana que comenzó en los setenta”. O papel do Facebook foi potenciado por, naquele país, quem diz internet diz Facebook (“Los birmanos no navegan en la web, no van a Google sino a Facebook, que usan incluso las instituciones”), e não existirem filtros para as mensagens radicais que potenciaram a violência.

 
Fecho este Macroscópio com um breve guia para os mais importantes textos publicados no Observador por estes dias, alguns deles com elevada utilidade prática: 
 
Agora resta-me desejar-vos bom fim-de-semana e insistir nas boas leituras. E não apenas aquelas que aqui recomendo, acessíveis na Internet, pois faço coro com Niall Ferguson que, no podcast com que abri este Macroscópio, faz um apelo a que se volte a ler mais livros. É isso mesmo, não podia estar mais de acordo. 

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2017 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário