♦ Marcos Machado
Imagine-se o leitor navegando junto à costa da Califórnia e se deparando, próximo a Richmond, com o Farol East Brother, cuja história, longe da vida agitada das grandes cidades e o mar calmo, alguém lhe narrasse.
Edificada em 1873 para ajudar a navegação na Baía de São Francisco, a East Brother Light Stationes esteve a ponto de ser destruída. Mas em muito boa hora uma sociedade americana sem fins lucrativos a comprou, com autorização da Guarda Costeira. O que não se faz sem um senso de organicidade, de beleza, e de apreço pela história pátria.
Desde 1979 o Farol funciona como uma das mais conhecidas e destacadas pousadas e cafés da Califórnia, figurando no Registro de Lugares Históricos.
As entradas são utilizadas para manter o edifício e pagar as despesas do casal guardião. O estabelecimento está aberto quatro dias por semana, disponível para uso diurno e eventos especiais.
Localizada numa pequena ilha ao norte da ponte Richmond-São Rafael, a pousada abriu novas inscrições para substituir o atual casal guardião, que se aposenta em abril.
Um salário de 130 mil dólares anuais aguarda o novo casal guardião. Mas é preciso que pelo menos um dos cônjuges possua licença de operador de barco comercial da Guarda Costeira. Incumbências: servir o café da manhã, as refeições, oferecer serviço de transporte de barco aos hóspedes, além das demais tarefas, como cozinhar e arrumar os quartos. A culinária dever ser de boa qualidade.
O que preservar e o que inovar?
Uma vez esboçada a história do Farol East Brother, sua localização privilegiada e sua arquitetura — que inegavelmente atrai e encanta os viajantes —, fica a pergunta: por que se devem conservar monumentos, faróis, praças e lugares de nossa história?
A voragem da modernidade das primeiras décadas do século XX varreu de nossas cidades brasileiras as belas casas, as avenidas arborizadas, as praças, os chafarizes e os encantos de outrora.
Era a avassaladora onda americanista hollywoodiana, que fez o Ocidente se vergar diante da “modernidade”.
Vestígios de Deus
A chave do problema eu a encontrei no comentário do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira que passo a resumir:
Seria legítimo ao homem, por exemplo, destruir o Corcovado a fim de fazer ali uma superestação de trens?
Quer dizer, uma primeira percepção, sem mais raciocínio, nos convence de que aquilo não deveria ser destruído, e que uma ordem profunda de coisas ficaria ferida, o que torna imoral aquela ação, por algum lado, se ela não tiver real justificação.
Pode parecer um tanto filosófico, mas o raciocínio é muito claro: a destruição estúpida de algo que existe, sobretudo se existe de um modo excelente, nos dá uma sensação contrária à ordem natural das coisas porque, em última análise, a ordem natural das coisas é a ordem natural do ser.
Afirma São Boaventura: “A Criação do mundo é como um livro no qual resplandece, manifesta-se e se lê a Trindade criadora em três graus de expressão, isto é, como vestígio, como imagem e como semelhança” (Sao Boaventura, Breviloquium, 2-12).
“Imagem e semelhança” aplicam-se somente aos homens, porque têm alma; “vestígios”, aos seres irracionais.
As obras nascidas das mãos do homem — como o farol East Brother — são, na expressão de Dante, “netas de Deus”.
Andou muito bem, portanto, a corporação norte-americana que adquiriu e preservou a East Brother Light Station. Como procedem bem os cariocas preservando o Pão de Açúcar, o Corcovado, o Outeiro da Glória, o Largo do Boticário etc. São “vestígios de Deus” e nada têm a ver com o erro do panteísmo segundo o qual tudo é Deus.
Saibamos lutar contra a falsa modernização que destrói as belezas naturais ou aquelas obras humanas que de algum modo espelham os “vestígios” do Criador.
Esse é o sentido da verdadeira preservação das belezas naturais, muito diverso de uma fanática ecologia que mal distingue a presença do belo ou do feio na natureza.
ABIM
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