JOÃO BELGA
NO ESCAPE FROM NOISE
Rui Afonso Santos
De múltiplas camadas, sentidos e significados se constitui o trabalho do artista visual João Belga.
Na sua pintura, referentes musicais, visuais, literários e filosóficos conjugam-se num remix vincadamente urbano, que revifica o espírito do colectivo e o binómio Arte / Vida.
Um desenho extremamente seguro serve muitas vezes de base a uma pintura que expande os seus limites estritos e tradicionais e que transborda para a colagem, a serigrafia, a fotografia, o fanzine, o caderno de apontamentos visuais, o livro de artista e, finalmente, a superfície da tela, do pequeno ao grande formato, inserida em contexto de instalação.
As técnicas do recorte, da adição, da cumulação, da fotografia, da colagem e do desenho, do cut-up e da assemblage, reconfiguram-se em pinturas onde à cultura visual ocidental se aliam as diversas culturas e subculturas urbanas contemporâneas.
O hardore punk californiano e correspondente subcultura, caracterizado pela velocidade frenética, dura, agressiva e anti-comercial, anima esta prática que, também ela, recorre a inscrições e aforismos de cunho político.
David Lynch é uma das referências do trabalho de João Belga, com seu tempo e pseudo-narrativa inclassificáveis, onde realidade e ficção se misturam e confundem. Tal como o noise acústico, hipnótico, que João Belga também pratica em colectivo-banda, na construção de ambientes sonoros, é uma hipótese alternativa à alienação da hoje globalizada mega-catadupa de imagens quotianas, da TV à Net, de tal forma numerosas evertiginosas que se anulam entre si.
João Belga não propõe ideologias nem fins salvíficos, mas, recusando toda a ortodoxia visual e estética, procura indiciar alternativas e sentidos para este caos através, por exemplo, da laboriosa compilação de Atlas, como o fez Aby Warburg para o Renascimento ou como procede Gerhard Richter.
A imagem é recortada e depois macro-ampliada, diluindo assim o seu referente figurativo mimético até atingir a quase não-figuração, pelo lado do informe.
É uma prática de sampling, contaminando-se, necessariamente, os universos da música, do som e do trabalho visual. Acrescendo a estas, surgem no trabalho do artista referências vindas da literatura, do nihilismo yuppie de Brett Easton Ellis e do Less than Zero, ao fetichismo sexual e mecanicista de J. G. Ballard e Crash, culminando no universo de Fred Palahniuk e do seu aclamado Fight Club – o universo da Geração X
Uma geração que teve, necessariamente, de se desenvencilhar, não perdida, como muitos supunham mas, porventura, mais activa e participante, que recupera o colectivo e a responsabilidade de cada um como antídoto contra o individualismo exacerbado da geração yuppie e perante o cenário de um mundo desumanizado e autofagicamente destrutivo.
Combatendo esta massificação ideológica, cultural e visual, a da «Sociedade do Espectáculo» fruto de relações instaladas de poder e do capitalismo avançado, João Belga inspira-se assim, também, em Guy Debord e na Internacional Situacionista – fermento da revolta parisiense do Maio de 68 – combatendo a ortodoxia através da apresentação de múltiplos sentidos, num mundo desumanizado onde, porém, ressalta a redenção pela realização afectiva.
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