Nos anos 60 do século passado, Lynn Margulis, uma investigadora norte-americana, demonstrava que no interior das células de todos os animais e plantas vivem ex-bactérias. O que inicialmente parecia uma ideia ousada e irrealista rapidamente se tornou no relato de uma das mais fascinantes façanhas da evolução da vida na Terra. Ao longo dos anos, as evidências foram-se acumulando e hoje parece não haver muitas dúvidas de que há cerca de 1,5 mil milhões de anos, algumas bactérias, talvez à procura de abrigo, encontraram o parceiro ideal, mudando para sempre o curso da História da vida na Terra.
O mais espectacular nesta parceria, é que as bactérias não são simples parasitas a explorar as suas anfitriãs. Muito pelo contrário, são a razão do seu viver. Hoje chamamos-lhes mitocôndrias (existentes em praticamente todas as células eucarióticas, com núcleo e organitos celulares) e cloroplastos (existentes em células eucarióticas que realizam fotossíntese). O que poderá ter justificado esta união? Por que aceitaria uma célula pré-eucariótica (precursora das células modernas), ser parasitada por uma bactéria? Ao que tudo indica, foram meros interesses economicistas…
Os antepassados dos cloroplastos eram seres incrivelmente inovadores. Enquanto transformavam a energia solar em energia química, quebravam a molécula de água, libertando oxigénio para atmosfera, que ao acumular-se contribuiu para formar a camada de ozono. Ao mesmo tempo, transformavam o dióxido de carbono (CO2), substância muito abundante na Terra, em compostos orgânicos. Ao contrário do CO2, que até então tinha baixo valor para os seres vivos, os compostos orgânicos eram preciosos para muitas formas de vida e de imediato passaram a ser usados para nutrir e formar novas células. Este modo sofisticado de usar a luz, a água e o CO2 para gerar energia e compostos orgânicos originou uma verdadeira explosão de vida.
Também os antepassados das mitocôndrias eram seres revolucionários para o seu tempo, pois podiam carburar a oxigénio e portanto gerar muito mais energia do que outros seres vivos. À escala celular, o sucesso mede-se pela capacidade de gerar energia. Mais energia pode significar maior velocidade de reprodução e adaptação ao meio e possibilidade para desenvolver funções sofisticadas. A simbiose das células pré-eucarióticas com as bactérias que deram origem às mitocôndrias e aos cloroplastos permitiu que os seres vivos se tornassem maiores, mais complexos e sofisticados, conquistando novos habitats.
Mas os contributos dos micróbios para a produção de energia não ficam por aqui. Foram também peças-chave na formação de reservas que a humanidade tem vindo a explorar. Três bons exemplos são o carvão, o petróleo e o gás natural. No primeiro caso, a acção digestiva de alguns micróbios anaeróbios (vivem na ausência de oxigénio) sobre a vegetação morta terá sido decisiva para a transformar em turfa, mais tarde convertida em carvão. Também o petróleo se pensa que tenha tido origem na decomposição seres vivos marinhos, promovida por micróbios. Nestes processos de decomposição houve sempre o envolvimento de micróbios produtores de metano, o principal constituinte do gás natural. O metano de origem biológica é também o principal constituinte do biogás, cuja produção pode estar associada à valorização de resíduos, por exemplo na produção animal ou no tratamento de esgotos. O álcool combustível ou o hidrogénio são apenas mais dois dos múltiplos exemplos do uso de micróbios na geração de energias alternativas. Haja imaginação, que micróbios habilidosos parecem não faltar.
Célia Manaia
Docente e Investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, Porto
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