sábado, 24 de março de 2018

Quatro décadas depois, Blackground é uma estrondosa revelação

Ipsilon
Bonga fala assim, nas nossas páginas, de um monumento que ajudou a construir:
“Nele, mostrou-se que éramos povo, que éramos gente com história e cultura.Entrámos no mundo pela porta da frente. Mostrámos que esta mesma raça, mal tratada, espezinhada, estava presente no auge da criatividade e da cultura de todos os continentes. Não era musiquinha para mexer a bunda da mulata, exótica – os racistas ainda estavam nessa -, não eram só cantorias. Partia da sua terra, Angola, e viajava pelo continente para se apresentar ao mundo inteiro”. "Nele", emBlackground.
Os Duo Ouro Negro convocaram Bonga, quando Bonga era ainda Barceló de Carvalho, campeão nacional de atletismo pelo Benfica, para marcar o pulsar rítimo desse disco. É esse o monumento de que se fala. Editado em 1972, é a obra-prima do Duo Ouro Negro. Disco de miscigenação, de superação, é um disco esquecido, mais citado do que ouvido. E não corresponde à imagem que a memória colectiva guardou do grupo. Podemos recuperá-lo agora com uma edição de coleccionador - enlevados pelo belíssimo texto de Mário Lopes que assim responde ao amor perfeccionista de quem, com labor de artesão e espírito de investigador, está a recuperar em edições de coleccionador obras do passado. Falamos da Armoniz de Miguel Augusto Silva.
Tudo isto, afinal, é a nossa história. Começa assim:

O que tenho para vos dizer é que há razões de sobra para não baixar o entusiasmo.
Por exemplo, a forma como somos incitados por Francisco Noronha -  Borá Dançar? - para este fim-de- semana ouvir Flora Matos, um dos nomes da extraordinária nova vaga do hip-hop brasileiro (Porto, Plano B, hoje; sábado em Lisboa no Musicbox). Statement deste texto: "Em resumo, diríamos mesmo que, actualmente, é no Brasil que se encontra o que de mais estimulante se faz no hip-hop a nível mundial, moderníssimo naquilo em que ele hoje se transformou: tão interventivo como festivo, tão romântico como socialmente consciente, tão pop como underground."
Podemos falar assim também do singularíssimo trabalho, afectivo e político, de Pauliana Valente Pimentel. A fotógrafa inaugurou quinta-feira, na Galeria Fonseca Macedo, em Ponta Delgada, no contexto do festival Tremor, a exposiçãoNarcisismo das Pequenas Diferenças. É um olhar que não julga, visão sobre o quotidiano que é ao mesmo tempo natural, estranha e poética, sobre jovens da ilha de São Miguel, uns de zonas pobres, outras de casas ricas, uns e outros a negociar a sua identidade numa sociedade fechada. É bastante reveladora esta conversa de Pauliana com Vítor Belanciano.
Uma revelação, uma certeza: muma colectiva do Atelier Museu Júlio Pomar e numa individual inaugurada no Museu Gulbenkian, confirma-se uma das mais interessantes artistas surgidas nos últimos anos. Chama-se Sara Bichão, jovem artista a reflectir sobre o fim - mesmo que prefira falar de “abismo”, de “limites”, em vez de “morte”, mesmo se o fantasma destes trabalhos seja uma experiência de quase-morte, real ou fictícia, que teve ao nadar no lago formado numa cratera de vulcão na Auvergne, em 2017.

 
 
 
 
 
 

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