No vasto teatro do Sistema Solar, onde a luz do Sol dança em esferas de fogo e gelo, jaz uma joia esquecida, banhada na mais profunda melancolia azul: Neptuno. O oitavo e último planeta principal a partir da nossa estrela, uma fronteira gelada onde a gravidade ainda tece os seus domínios.
O canto distante de um deus do mar
Batizado em honra do irascível Deus romano do mar, o planeta Neptuno ostenta uma cor azul-marinho, um manto etéreo de mistério. Mas esta cor não é a água salgada dos nossos oceanos. É a essência fria da sua atmosfera, composta por hidrogénio (H2), hélio (He) e uma névoa subtil de metano (CH4).
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É este último gás, o metano, que, absorvendo a luz vermelha, devolve ao espaço a tonalidade azul-celeste, um eco gélido da presença da luz a 4,5 mil milhões de quilómetros de distância.
Lá onde o Sol é um disco pálido, e a Terra um sonho distante, ele flutua, um gigante de gelo. Não de água sólida, mas de fluidos densos e quentes de água, amoníaco e metano, que rodeiam um núcleo rochoso com o tamanho da nossa Terra.
A sua descoberta, em 1846, foi um triunfo da razão. Não foi o olho que o encontrou primeiro, mas sim a pena e o cálculo. Astrónomos como Urbain Le Verrier e John Couch Adams previram a sua existência, um fantasma invisível que, pela sua força gravitacional, perturbava a órbita do vizinho Urano. Neptuno, o planeta previsto, o triunfo da matemática sobre o véu da escuridão.
A fúria das brisas gélidas
Apesar da sua distância sideral do calor solar, o clima do planeta Neptuno é tudo menos calmo. É um reino de ventos supersónicos, os mais rápidos do Sistema Solar, que podem ultrapassar os 2000 km/h, uma fúria tempestuosa que não encontra paralelo. Estas correntes de jato esculpem na sua atmosfera vastas estruturas de tempestade, como a já observada Grande Mancha Escura, um ciclone do tamanho da Terra.
A energia para estes ventos violentos vem de dentro. O planeta Neptuno emite mais calor para o espaço do que aquele que recebe do Sol. Pensa-se que este calor interno, remanescente da sua formação, alimenta a dinâmica atmosférica, transformando o gigante azul numa fornalha de gelo e vendaval. A temperatura média na sua estratosfera paira em torno dos -200 ºC, um frio tão absoluto que a vida, tal como a conhecemos, é uma impossibilidade poética.
O seu dia é breve: uma rotação que dura cerca de 16 horas terrestres. Contudo, o seu ano é uma eternidade: uma translação completa em redor do Sol leva cerca de 165 anos terrestres. O planeta só completou a sua primeira órbita desde a sua descoberta em 2011, fechando um ciclo de tempo que se estende para lá da memória humana.
Os segredos do séquito e dos anéis
Em seu redor, o planeta Neptuno dança com um séquito de 14 satélites naturais conhecidos, cada um nomeado em homenagem a divindades e ninfas marinhas da mitologia greco-romana. O maior e mais notável é Tritão, uma lua gigantesca, única por ter uma órbita retrógrada, isto é, gira em sentido contrário à rotação do planeta.
Tritão é um mundo gelado de nitrogénio e rocha, o local mais frio que alguma vez medimos no Sistema Solar (cerca de –235 ºC), onde se observaram géisers de nitrogénio ativo a irromper do seu interior. A sua superfície, marcada por terreno cantado e estranho, sugere uma história geológica turbulenta.
Neptuno também possui um sistema de anéis tênues, escuros e difíceis de discernir. Estes anéis, compostos principalmente por poeira, foram confirmados pela sonda Voyager 2 em 1989. O mais proeminente, o Anel Adams, é notável pelos seus arcos mais brilhantes, concentrações de material que receberam nomes de valores iluministas: Liberté, Égalité e Fraternité. São estruturas instáveis, mas a gravidade da pequena lua Galateia ajuda a mantê-los no seu lugar, como pastores celestes a guiar o seu rebanho de poeira.
Neptuno permanece, em grande parte, inexplorado. A Voyager 2 foi a única embaixadora do nosso planeta Terra a passar perto deste gigante de gelo. Ele é a metáfora da distância, um convite à imaginação, o último farol azul do nosso Sistema Solar, onde a ciência encontra a poesia na vastidão gélida do cosmos.

*António Piedade
Fonte: apimprensa

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