O escritor russo que deu ao povo o estatuto de
personagem de romance é cada vez mais lido e editado em Portugal.
No dia 20 de Novembro de 1910, faz hoje cem anos, o
conde Lev Nikolaievich Tolstoi morria, vítima de pneumonia, na estação
ferroviária de Astapovo. Tinha 82 anos e era uma das figuras mais célebres da
Rússia e da literatura mundial, autor de obras como Guerra e Paz, Anna Karenina,
A Morte de Ivan Illitch ou A Sonata a Kreutzer.
Um século depois da sua morte, aquele que é
considerado um dos grandes arquitectos da literatura moderna, continua a ser
lido e a influenciar escritores actuais. "Nem a literatura europeia, nem a
americana seriam as mesmas sem Tolstoi", não hesita em afirmar António
Pescada, responsável pe- la tradução, directamente do russo, de Anna Karenina
(Relógio d'Água). A única versão existente pertencia a José Saramago e era
vertida do francês. Pescada trabalha actualmente em mais uma tradução de Guerra
e Paz, depois de Filipe e Nina Guerra terem traduzido esta mesma obra para a
Editorial Presença no ano 2005.
A actualidade do escritor, que transformou a essência
do romance ao entretecer a vida interior e os abismos da alma humana com os
momentos de convulsão política e social, que tornou a história um acontecimento
que tem a sua verdadeira expressão na forma como afecta e transforma a
existência de cada indivíduo, "manifesta-se na quantidade de edições que continuam
a ser feitas, por todo o mundo. Inglaterra tem pelo menos dez traduções
diferentes de Guerra e Paz. Em Portugal há agora novas traduções do russo, e
isso é um ganho", continua António Pescada. Opinião idêntica tem Filipe
Guerra, que afirma que quando se lê uma obra que não provém da língua original
se perde "a diferença de estilo, de espírito, de entoação, de
naturalidade". O casal Guerra traduziu ainda as obras Ressurreição, Dois
Hussardos, A Felicidade Familiar, A Sonata a Kreutzer, A Morte de Ivan Illitch,
Hadji-Muratalém e de alguns contos, para a Editorial Presença.
O conde Tolstoi nasceu em Yasnaya Polyana, filho de
uma famí-lia nobre, combateu na Guerra da Crimeia, experiência que terá marcado
profundamente a sua vida e a sua obra. Embora não descurando os confortos que a
sua fortuna lhe permitia, vestia-se como um camponês, criou escolas para
alfabetizar os seus trabalhadores, teve um casamento turbulento com Sonia
Andreievna Bers, 13 filhos e insolúveis questões religiosas que o levaram a ser
excomungado pela Igreja Ortodoxa. "Foi um homem que nunca conseguiu
resolver as muitas contrariedades da sua alma, mas talvez aí resida a
sensibilidade tão vasta e intensa, que, para mim, é levada ao extremo no livro
Morte de Ivan Illitch, um tratado sobre o drama interior do ser humano",
afirma ainda o tradutor António Pescada.
Da excitação da jovem Natacha Bezúkov a vestir-se para
o primeiro baile à loucura de Rastoptchin matando gente à machadada até Anna
Karenina, atirando-se sobre a linha de comboio, o escritor constrói um fresco
onde gestos exteriores, quotidianos, revelam a complexidade psicológica dos
indivíduos.
Segundo Filipe Guerra, o que fará a obra de Tolstoi
perdurar no tempo "é o projecto artístico que está por trás dela, que tem
o dom de envolver o histórico no intemporal, o particular no universal, o
entendimento da vida e da morte".
No Centro Cultural de Belém em Lisboa, a data é
assinalada hoje e amanhã com sessões de leitura de excertos de obras do
escritor e a exibição de um filme.
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