segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Macroscópio – A necessidade de falar de um tema inconveniente

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Não é habitual o Macroscópio tomar como ponto de partida um texto do Observador. Não me recordo sequer de alguma vez o ter feito. Mas hoje vou por aí, e sigo esse caminho por causa de um texto que foi originalmente publicado num blogue, Dois dedos de conversa, onde uma portuguesa residente em Berlim, onde trabalha como tradutora, vai escrevendo “sobre o que nos desaquieta”. O texto em causa é Será que alguém em Portugal faz ideia do pandemónio que por aqui vai com os refugiados? e é um relato muito franco, muito directo, daquilo a que Helena Araújo assiste todos os dias na capital da Alemanha. Deixo-vos uma pequena passagem:
O sentimento geral é de que estamos perante uma nova vaga de “invasões dos bárbaros” (em alemão diz-se Völkerwanderung, migração de povos – não tem o sentido pejorativo e ameaçador do português). Os alemães vêem o estado de necessidade das pessoas que aqui chegam e sentem que têm de ajudar, mas também estão apreensivos sobre o que isto possa significar de mudança nos hábitos e no nível de vida (nomeadamente as mulheres terem medo de andar na rua, ou uma redução drástica dos apoios sociais, nomeadamente os cuidados de saúde, devido a este enorme acréscimo de despesas). Apesar disso, continua a haver uma multidão de voluntários que sabem focar-se no essencial: ajudar estas pessoas, que precisam tanto. O país olha para os voluntários com gratidão. Em 2015 contaram-se cerca de 800 ataques contra os refugiados. Ninguém contou os gestos de acolhimento, mas são milhões.

Não cito prepositadamente as descrições sobre o “pandemónio”, mas recomendo-lhes que não deixem de as conhecer. Facilmente perceberão por que tantos falam de caminhar sobre brasas. Como já referimos no Macroscópio (a 13 de Janeiro), os acontecimentos de Colónia na passagem do ano parecem ter aberto uma Caixa de Pandora, impressão reforçada poucos dias depois no Especial do Observador A noite que mudou a Alemanha e o amanhã de Merkel, de João Almeida Dias. Ainda ontem, domingo, soubemos que, afinal, a rapariga alemã que disse às autoridades ter sido sequestrada e violada por um refugiado acabara por admitir ter inventado a história por medo. E hoje noticiámos a subida de tom do discurso político, com a líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) a defender que a polícia deve usar, em último recurso, armas de fogo contra a entrada de imigrantes ilegais.

Tudo isto acontece numa altura em que desabam as referências da Europa do pós-Guerra - e também do mundo. Quem o diz é o insuspeito Joschka Fischer, antigo dirigente dos verdes alemães e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, num texto em que reflecte sobre os efeitos do desaparecimento gradual da Pax Americana:Welcome to the Twenty-First Century. Refiro este texto não por ele abordar esta crise em concreto, mas pelo diagnóstico sombrio que nos deixa: “The bleak prospect of European suicide is no longer unthinkable. What will happen if German Chancellor Angela Merkel is brought down by her refugee policy, if the United Kingdom leaves the European Union, or if the French populist Marine Le Pen captures the presidency? A plunge into the abyss is the most dangerous outcome imaginable, if not the likeliest.”

Talvez a melhor forma de transformarmos esta profecia em realidade seja ignorar o mal-estar que cresce um pouco por toda este nosso continente. E que, no caso da Alemanha, está muito longe de se limitar às ondas de choque dos acontecimentos da noite de Ano Novo junto à estação central de Colónia. Recorro para isso, de novo, à Spiegel e às suas reportagens. Tomemos esta, de título porventura incómodo para muitos: Sexism and Islam: 'Where I'm From, This is Handled By Men'. Dela cito apenas um episódio, relatado logo a abrir:
A few days after the incidents in Cologne on New Year's Eve, (…) a female teacher stood in front of her class at the school and tried to talk to her students about that night's events. She was horrified by their reaction. "What exactly do you want?" one of the students shouted. "That's what women can expect if they walk around there at night!" No one in the classroom protested. The girls were silent. "They have their thoughts on the issue, but they often say nothing," says the school's principal, Rolf Wohlgemuth. After the incident, he went into the teacher's classroom and tried to explain to the students that the government protects the rights of everyone, including women. He is skeptical that the message will have a lasting impact on all the students.

Da Spiegel, mais algumas referências:
Continuando a citar autores alemães, passo agora ao New York Times, onde Jochen Bittner, editor de Política do influente Die Zeit, escreveu recentemente um artigo que confronta os dilemas e escolhas do seu próprio país: Can Germany Be Honest About Its Refugee Problems? Ser honesto consigo próprio nem sempre é o mais fácil, daí o desafio: “Ms. Merkel has said that right now, our country needs to draw on a new German pragmatism. Yes, but it also needs German thoroughness, not least for the sake of the real refugees who need our protection. Without a cleareyed Ehrlichkeitskultur that addresses real problems in a reasonable tone, we risk seeing it fall into the hands of the growing far right.”

Outro texto importante é o de Josef Joffe, publisher e editor do mesmo Die Zeit, este originalmente publicado no Wall Street Journal: Germany’s Road To ‘No We Can’t’ On Migrants. Eis um outro ponto sensível que ele encara com frontalidade, a falsa ideia de que estes refugiados são os imigrantes de que um país como a Alemanha necessita para manter a sua economia a funcionar, uma das ideias que sustentou a política de “portas abertas” do Verão passado: “Sadly, these asylum seekers are the “wrong” people for the wrong economy. Low-skill jobs fetching a decent wage are waning throughout the West, but only one-quarter of Iraqis come with completed vocational training. There are no reliable numbers, but back home, argues Munich economist Ludger Wössmann, two-thirds of young Syrians are “functional illiterates by international standards.” Tino Sanandaji of the Stockholm Business School told the Frankfurter Allgemeine Zeitung: “It takes an average of seven years before a refugee gets a steady job.””

Vou terminar este Macroscópio com um trabalho mais longo, um levantamento realizado pelo think tank de Nova Iorque Gatestone Institute: The Islamization of Germany in 2015 (tradução – medíocre – para português aqui). O texto é, no essencial, uma cronologia exaustiva do que se passou em 2015 na Alemanha, ano em que se estima que a população muçulmana naquele país tenha crescido como nunca antes se vira: somando os imigrantes ao saldo demográfico natural da população já residente no país, foram mais 850 mil, fazendo com que se estime que vivam hoje na Alemanha cerca de seis milhões de muçulmanos. Eis uma passagem dessa cronologia onde se refere a reação da presidente da câmara de Colónia aos eventos da noite de Ano Novo:
The mayor of Cologne, Henriette Reker, said that "under no circumstances" should the crimes be attributed to asylum seekers. Instead, she blamed the victims for the assaults: "One must behave wisely when moving around in a group. One behaves wisely by not demonstrating exuberant joy to everyone you meet and who smiles at you. Such gestures can be misunderstood." Reker said her office would publish guidelines, presumably including a dress code, for German women and girls to follow to avoid similar incidents in the future.

E assim chego ao fim por hoje, repetindo a recomendação com que comecei: conheçam o testemunho/relato de Helena Araújo. Dá muito que pensar. E tenham um bom descanso.

 
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