Especialistas ouvidos pela Lusa consideram que a forma de financiamento da greve dos enfermeiros é “criativa” e “nova do ponto de vista juslaboral”, levanta “dúvidas fundadas e legítimas”, mas cumpre os requisitos legais do financiamento colaborativo (‘crowdfunding’).
A forma de financiamento da greve dos enfermeiros, que dura há cerca de um mês, tem levantado dúvidas sobre a sua legalidade. A recolha de fundos ‘online’ reuniu 360 mil euros e já está em marcha uma nova campanha destinada a financiar uma nova paralisação.
“Na realidade, a presente greve dos enfermeiros, que apelidaram de “cirúrgica”, é também ela criativa, na medida em que o financiamento da mesma tem como respaldo o Regime Jurídico do Financiamento Colaborativo”, considera Pedro da Quitéria Faria, sócio responsável pela Área de Prática de Direito Laboral da Antas da Cunha Ecija.
O financiamento colaborativo, ou ‘crowdfunding’, é o tipo de financiamento de entidades, nomeadamente pessoas coletivas (nas quais se incluem os sindicatos), das suas atividades e projetos, através do seu registo em plataformas eletrónicas acessíveis na Internet, com o objetivo de angariar investimento proveniente de investidores individuais.
O ‘crowdfunding’ é regulado pelo Regime Jurídico do Financiamento Colaborativo, previsto na Lei 102/2015, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 3/2018, de 09 de fevereiro.
Existem várias modalidades de financiamento colaborativo: donativo, recompensa, capital e empréstimo, sendo que os enfermeiros recorreram ao financiamento colaborativo através de donativo, sem entrega de contrapartida pecuniária.
António Monteiro Fernandes, professor do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, considera que, “em matéria de greves, como noutros domínios, o princípio é o de que o que não é proibido é permitido”, mas alerta para que “o financiamento de terceiros pode ser, em si mesmo, ilegal se, por exemplo, provier de concorrentes da entidade empregadora atingida pela greve, configurando concorrência desleal”.
Pedro da Quitéria Faria admite que esta “forma de financiamento de um movimento grevista é, de facto, nova do ponto de vista juslaboral e, nessa medida, levanta novas questões e dúvidas fundadas e legítimas sobre a aplicabilidade deste modelo de financiamento”.
Também Marta Carvalho Esteves, advogada da JPAB especializada em Direito do Trabalho, indica que se trata “de uma questão que, por ser uma novidade, ainda não se encontra respondida e levanta diversas dúvidas e opiniões díspares”, razão pela qual já foi solicitado pelo Ministério da Saúde à Procuradoria Geral da República um parecer sobre a sua legalidade.
Para Pedro da Quitéria Faria, a questão sobre o financiamento de greves através do ‘crowdfunding’, “é de facto controvertida e por ora não pode existir uma resposta perentória e indiscutível sobre a legalidade do processo”.
Contudo, o especialista em Direito Laboral considera que “todos os pressupostos do Regime Jurídico do Financiamento Colaborativo foram integralmente cumpridos”, e, nessa medida, antevê “alguma dificuldade em poder classificar-se o processo como sendo ilegal, porque não foi financiado nos termos clássicos através de fundos de greve”.
Foram cumpridos os pressupostos de titularidade e registo, deveres da plataforma, onde devem constar a identificação das partes, a modalidade de financiamento colaborativo a utilizar, a identificação da atividade a financiar e o montante e prazo da angariação.
Foram igualmente observados os requisitos relativos à identificação dos instrumentos financeiros a utilizar para proceder à angariação de fundos, o dever de comunicação de início de atividade à autoridade competente (a Direção Geral das Atividades Económicas), a taxa de utilização da PPL (plataforma legalmente reconhecida para o processo), as características da oferta, a sujeição aos limites máximos de angariação e ao dever de informação sobre a atividade a financiar.
A greve dos enfermeiros nos blocos operatórios de cinco hospitais foi convocada pela Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor).
A paralisação, que decorre até ao fim do ano, já levou ao cancelamento de mais de sete mil cirurgias programadas no Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto), no Centro Hospitalar Universitário do Porto, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e no Centro Hospitalar de Setúbal.
Fonte: NDC
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