domingo, 30 de dezembro de 2018

Eu, Psicóloga | Birdbox : O que os olhos não veem o coração não sente.



A visão é o último dos nossos sentidos a ser formado. É um dos sentidos de mais difícil estimulação dentro do útero. Mas depois que nascemos , é uma questão óbvia: Você abre seus olhos e vê o mundo. Quando o alarme toca, você vê os números vermelhos, a cor da colcha e dos seus pijamas, as folhas verdes da árvore no lado de fora da janela e o teto, que pode provavelmente estar precisando de uma tinta. A visão nos oferece 80% de todas as impressões do que está ao nosso redor. Quatro quintos de todas as informações recebidas pelo cérebro chegam-nos através dos olhos.

Mas a visão também tem suas peculiaridades: seja na percepção de cores, visão 3D ou visão noturna: todas elas variam de uma pessoa para outra. Aos 80, é um simples fato da vida que já não vemos tão bem quanto aos 20 – a acuidade visual, a percepção do espaço e das cores, e nossa capacidade de ver à noite, tudo se deteriora com a idade. A percepção de cores ocupa um lugar especial. Em geral, mulheres e homens percebem as cores de maneira diferente.

Mas o que tudo isto tem a ver com BirdBox? Tudo.

BirdBox é o filme da Netflix que tem causado mais discussões e Memes desde o seu lançamento. O filme é uma adaptação do livro (do mesmo nome) do Romance de estreia de Josh Malerman, Caixa de pássaros é um thriller psicológico tenso e aterrorizante, que explora a essência do medo. Assim como o livro, o filme se passa em dois momentos: no presente quando o “monstro” aparece e cinco anos depois.

O filme conta uma história de algo ( monstro, força, ou alguém , não fica claro) , com a presença tão forte e assustadora que basta uma olhadela para desencadear um impulso violento e incontrolável que acabará em suicídio. Ninguém é imune a visão e a única coisa que se sabe é que ao olhar para a coisa, algo de muito ruim acontece.

Muitas metáforas surgiram tentando explicar o que o filme quis nos passar. Se pensarmos, cada um entendeu de uma forma (ou não) e deu um significado diante daquilo que compreendeu. Todas são brilhantes, (maternidade, saúde mental, etc), apenas pretendo dar um novo “olhar” (pegou essa indireta?).

BirdBox é uma metáfora de como olhamos as coisas ao nosso redor e nos deixamos influenciar. No filme existe a presença de algo mal que se alastrou sobre a Terra. Pessoas que o viam se matavam ou passavam admirar a “coisa” de tal forma que passavam o resto da vida obcecadas em fazer as pessoa que não tinham a visto “enxergarem” a beleza do monstro.

São duas “cegueiras” que acabam cegando. Explico melhor. Uma que conduzia a morte, pelo suicídio ao olharem para seus maiores medos. E a outra cegueira da obsessão, em ver o “bem”, o “belo” onde não existe e forçar o outro a ver o que não querem ver.

Duas fragilidades que nos fazem pensar a forma como lidamos com o que vemos. Um enxergar pode produzir a morte, o outro uma admiração cega, obsessiva, sem limites. O que fazer? No filme, o correto parece ser o não ver. Mas a que custo?

É muito comum em terapia e na vida não conseguirmos enxergamos algo que está na nossa frente. Tememos ver porque Inconscientemente sabemos que se enxergamos será doloroso demais. Até que chega o momento em que vemos a verdade, temos o tal do insight e por mais doloroso que seja, não conseguimos fugir da verdade. Einstein já dizia: “ a mente que se abre uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original”.

Freud também vai falar que aquilo que se torna para nós consciente, jamais volta a ser Inconsciente. Para Freud a maior parte da consciência é inconsciente. Ali estão os principais determinantes da personalidade, as fontes da energia psíquica, as pulsões e os instintos. É justamente o que não conseguimos AINDA ver. Porém , o inconsciente, não é apático e inerte, havendo uma vivacidade e imediatismo em seu material. Memórias muito antigas quando liberadas à consciência, podem mostrar que não perderam nada de sua força emocional.

 “Aprendemos pela experiência que os processos mentais inconscientes são em si mesmos intemporais. Isto significa em primeiro lugar que não são ordenados temporalmente, que o tempo de modo algum os altera, e que a idéia de tempo não lhes pode ser aplicada” (1920, livro 13, pp. 41-2 na ed. bras.)

Materiais inconscientes quando “vistos”, ou trazidos à luz, seja por um ato falho, um sonho, uma memória ou em um processo terapêutico serve para nós libertar. Não pode e nem deve ser forçado, e o inconsciente por assim dizer , só libera quando estamos preparados emocionalmente. Quer um exemplo? Quantas vezes a pessoa traída é a última a saber mesmo que as evidências estejam bem na frente da pessoa? Está é a ideia: os olhos só veem o que o coração está pronto para enxergar.

O filme mostra um enxergar forçado, sem preparo e por isso mostra as pessoas se matando ou se tornando obsessivas com a visão.

Como eu disse anteriormente, muitas interpretações tem surgido e todas são válidas, mas na minha opinião fica este “olhar clínico” sobre os medos que por inúmeros motivos não estamos preparados ainda para lidar. Cada pessoa tem o seu tempo e forçar alguém a ver algo que não está preparado ainda pode causar mais danos do que benefícios. 

A visão é importante em tudo que fazemos. Quatro quintos de todas as informações recebidas pelo cérebro chegam-nos através dos olhos. Mas para as nossas emoções é preciso saber como e quando devemos olhar algo. Na minha opinião, o filme deixa duas lições: 

1- Não se obriga ninguém a ver o que não está preparado e

2- por outro lado uma vez que você tenha visto é preciso lidar com o que se vê , afinal não dá para passar avisa toda fugindo (como no filme) de algo que não se pode ver. A vida real não funciona assim.

Debora Lima de Oliveira
Psicóloga Clínica e neuropsicóloga 
CRP: 06/123460

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