Entre Documentos e Diálogos: A Arte Única na Desconstrução do Colonialismo Europeu
Conhecida pela sua envolvente série de trabalhos intitulada "Mastigar papel mastigado, o desejo de compreender o velho continente para cuspir a sua história", iniciada em 2014 durante sua residência artística na Antuérpia, Carla Filipe apresenta, no dia 16 de fevereiro, na Sala de Exposições da Escola das Artes da Universidade Católica, a sua abordagem distinta com a exposição "Expurgar Papel". Neste novo capítulo, a artista explora as complexidades do colonialismo europeu, utilizando documentação do séc. XVII ao séc. XX adquirida em alfarrabistas e em mercados de segunda mão. Um trabalho que desafia as convenções artísticas, focando-se exclusivamente na colagem como meio expressivo. No mesmo dia, a anteceder a inauguração da exposição, vai realizar-se uma Conferência de Lilia Schwarcz sobre “Imagens da branquitude: a presença da ausência.”
“A arte é uma jornada complexa e completa, uma privilegiada forma de provocar reflexão e transformar consciências, um passeio fascinante pela mente e pela história. Expurgar Papel é uma contribuição valiosa para o diálogo crítico sobre a história europeia. Através do minucioso trabalho de Carla Filipe, somos convidados a questionar, refletir e, acima de tudo, a compreender as nuances do passado que continuam a moldar o nosso presente”, indica Nuno Crespo, diretor da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa.
Carla Filipe trabalha somente em torno desta documentação, sem recorrer ao desenho ou pintura, usando apenas a colagem enquanto veículo e metodologia percorrendo as linhas ténues entre o respeito e o desrespeito do documento muitas vezes considerado uma “entidade imaculada”. Em resumo, esta exposição será um corte e cose de documentos do séc. XVI até à modernidade.
Na construção destas colagens a imaginação é uma constante, a imaginação que vem na ação de combinação de ideias, manipulação de conteúdos, usando o humor, o drama, a realidade. Todos os elementos usados para as colagens são frágeis, onde tudo é informação, desde os vários tipos de papéis usados, como jornais, notas ou papel de fantasia.
Nesta singular exposição temos igualmente representada a revolução industrial, onde o papel tem outra manufatura, que distingue a sua durabilidade enquanto documento, sendo o elemento mais contemporâneo assim como, a introdução do cabelo, que também é arquivo (ADN).
A inclusão do cabelo relaciona o trabalho com o corpo, que também é um “arquivo”, fazendo ligação ao próprio título “mastigar” e “cuspir”; o acto de mastigar é também um acto de mascar, criando saliva misturada com a matéria sem engolir. É triturar toda a documentação entre os dentes, e cuspir este arquivo sem organização, sem categorias e sem preservação.
Seguindo a mesma ideia de repulsa, temos igualmente o “escarro” devido à inalação do pó desta documentação que acumula e necessitamos de expurgar (para não ficarmos contaminados: limpeza). Como se a artista quisesse adquirir todo a documentação possível e mastigar tudo para um novo início, através de uma ação de repulsa e de libertação transformando toda a matéria que é expulsa da sua boca numa espécie de cola que fica peganhenta na superfície. Tomando assim, consciência de que o arquivo é colonizador.
Esta é a primeira de quatro exposições do ciclo “Não foi Cabral: revendo silêncios e omissões”, um programa em co-curadoria entre Lilia Schwarcz e Nuno Crespo, que contempla uma agenda de concertos, conferências, exposições e performances, que vão decorrer entre 16 de fevereiro e 24 de maio. O ciclo é organizado pela Escola das Artes, em parceria com a Universidade de São Paulo (Brasil) e a Universidade de Princeton (EUA). A exposição de Carla Filipe estará patente ao público entre 16 de fevereiro e 15 de março.
Mais informações:
Fernanda Teixeira
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