Expresso das Ilhas, editorial
A Segurança em Cabo Verde e, em particular na Capital, constitui um problema sério que deverá merecer do novo Governo medidas urgentes. Quase todos os fins-de-semana há registos de desacatos e mortos em assaltos, em guerras de gang ou em encontros com a polícia. Homicídios acontecem com uma frequência preocupante. Assaltos com utilização de armas de fogo passaram a ser o mais comum. Tem-se a impressão de que ataques dirigidos aos polícias com intenção de morte aumentam. O número de armas a circular desde as artesanais às mais sofisticadas é cada vez maior, indiciando crescente procura para compra das mesmas. A falta de cooperação das populações, se não mesmo hostilidade das pessoas em relação à polícia torna o combate contra o crime ainda mais difícil. O acontecimento do fim-de-semana passado em São Pedro na cidade da Praia é paradigmático do que se nota em outros momentos em vários outros pontos do país. Disparos são feitos contra policiais, há uma resposta policial robusta, feridos são levados ao hospital, a população reage e desenvolve-se uma tensão entre a população e as forcas policiais que mina a confiança e diminui as possibilidades de cooperação para a manutenção de ordem e tranquilidade pública nas comunidades suburbanas.
O Governo já anunciou que vai avançar com a videovigilância no âmbito de um programa chamado Cidade Segura e com a polícia municipal na luta contra as incivilidades. Poderão ser medidas sensíveis que em articulação com outras mais compreensivas tragam mais eficácia para a acção policial. As respostas, porém, quase nunca são simplesmente de natureza tecnológica, mas fundamentalmente de natureza organizacional, de cultura institucional e de capacidade técnico-operacional para responder à complexidade dos problemas. Por outro lado, a experiência de outros países têm demonstrado que o restabelecimento da confiança na relação com as comunidades nos bairros periféricos das cidades deve ser um dos grandes objectivos a atingir para que, de facto, se consiga resultados duradoiros na prevenção e na luta contra o crime.
As informações que são avançadas na página da Polícia Nacional na internet revelam que a PN continua com as práticas anteriores de, nos bairros, parar e revistar “stop and frisk” particularmente os jovens. São práticas que têm lugar no quadro das políticas chamadas de tolerância zero e de “broken windows” e cujos resultados são hoje muito contestados. Não provam que realmente fizeram diminuir o crime, mas constata-se que aumentaram as denúncias de violência policial, os casos de descriminação (profiling) e também os sinais de degradação da relação com as comunidades. Os métodos militarizados das unidades tácticas da polícia envolvidas nessas operações podem ser efectivas numa resposta pontual ao crime, mas não são os melhores para desenvolver a relação de confiança que a polícia precisa desenvolver com as comunidades. A proximidade das populações tem que ser feita de outra forma para que o objectivo fundamental de se ter ordem e tranquilidade pública seja atingido e reforçado nas pessoas o sentimento de segurança.
Nos Estados Unidos, onde essa doutrina policial de tolerância zero surgiu e foi aplicada em várias cidades a começar por Nova Iorque desde dos anos noventa, há anos que tem sido revista e em alguns casos completamente descartada. Os resultados mistos obtidos com a sua aplicação acabaram por revelar suas insuficiências e o seu lado negativo de discriminação social e racial e também da alienação das populações que a polícia devia proteger. A última investigação feita pelo Departamento de Justiça à polícia da cidade de Baltimore divulgada na semana passada trouxe a público com particular acuidade os problemas graves de violência policial, os efeitos nocivos da crescente militarização da polícia e as consequências do distanciamento das comunidades. Os recentes ataques a polícias em várias cidades, transformados em alvo a abater, constituíram um sinal de alerta de que se deve proceder a mudanças urgentes na actuação da polícia.
Também em Cabo Verde, em que o crime continua a aumentar, a sensação de insegurança é cada vez maior e até polícias são alvos de assaltos e de agressões a tiro, impõe-se que se reveja com urgência as práticas policiais. Claramente que não estão a resultar, pelo contrário, tendem a provocar uma escalada de violência entre a polícia e os gangs ficando a população no meio sem segurança e sem confiança que a situação irá melhorar. As mudanças na polícia não podem ficar só pela troca de pessoas nas chefias. Há que mudar de atitude, de estratégia e da forma como se relaciona com o público e se utilizam os meios postos à disposição. Ponto assente é que não se pode deixar tudo na mesma e esperar que alguma coisa mude.
*Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 768 de 17 de Agosto de 2016
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