quinta-feira, 23 de março de 2017

Música para dar e vender

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Ipsilon
 
 
  Vasco Câmara  

Coup de foudreLuís SeveroKelly Lee OwensSlow J. ... Temos música para dar e vender nesta edição do Ípsilon.
Escutem Mariana Duarte sobre um dos nomes incontornáveis de uma cada vez mais visível geração de jovens escritores de canções portugueses: "Luís Severo é o disco em que Luís bate de frente com a vida adulta". Dito de outra forma: "O amor sem ressaca e a ansiedade geracional, a gentrificação e a vida adulta. Um disco enorme, para ouvir nos dias 29 e 30 no Teatro Ibérico, em Lisboa". Qual é a dúvida?
Agora Vítor Belanciano: "Ao primeiro álbum cria de imediato o seu próprio universo sonoro, entre a canção pop sonhadora e a austeridade electrónica, num todo que resulta fluido, orgânico e atmosférico. As composições conseguem ser em simultâneo fantasistas e de impacto certeiro." Não se pode recusar este convite: "Deixemo-nos curar pela música de Kelly Lee Owens".
Aos 18 anos, em Manchester, Kelly foi auxiliar de enfermagem numa clinica para doentes terminais. "Dez anos depois, lança o tipo que álbum capaz de reconciliar-nos com a vida, num testemunho electrónico rodeado de emoção que nos abraça com elegância", continua Belanciano. "Sim, a música pode ser terapêutica”, disse-lhe Kelly em entrevista.
Agora a nossa capa:
Nas páginas de abertura, Slow J desafia: “Eu estou aqui para inventar música nova". É uma entrada de leão de um jovem músico de Setúbal que fascinara com um primeiro EP e que agora lança o seu primeiro álbum. The Art of Slowing Down. Por aqui já fez estragos, vejam o artigo de Francisco Noronha: "Marca, definitiva e triunfalmente, a afirmação de um artista singular, dotadíssimo e de faro rompedor, e que abanará, por certo, a música portuguesa por muitos e bons anos." O texto do Francisco enche-se de fôlego, e tinha de ser assim, para comunicar o seu entusiasmo sem deixar o leitor cair e perder-se, e para acompanhar o statement de Slow J, que se chama na realidade João Batista Coelho e tem 20 anos. “Eu estou aqui para inventar música nova".
Depois deste registo de incontido entusiasmo, o texto de Isabel Lucas sobre Nova Orlães ainda fica mais tintado pela melancolia.
A história começa em 1970: Joan Didion, jornalista e escritora, viajou pelo Sul americano com a intuição de que ali compreenderia algo de fundamental sobre a América. As suas notas de viagem nunca foram publicadas. Até agora: constituem parte fundamental de South And West: From a Notebook, livro editado nos Estados Unidos pela Knopf e que é o primeiro de Didion depois das suas memórias (2011)Em South And West: From a Notebook o Sul é a segregação racial e de classe; é o conservadorismo; é a resistência ao contágio do Norte e da Costa Oeste. Quatro décadas depois, com esse livro como companheiro, Isabel Lucas viajou por Nova Orleães, percebendo algo de fundamental sobre a América. Não resisto a comunicar-vos alguma da temperatura deste texto necessariamente sufocante:
"É como uma serpente a deslizar em curvas em campo verde. Amarela, baça, uma linha cada vez menos perceptível em direcção à foz, como se a terra se dissipasse de súbito nesse percurso. Àquela luz, o caudal parece de enxofre ou saibro, sombreado a escuro, diluindo-se depois numa massa líquida compacta até desaparecer no Golfo do México. É uma visão do ar. O Mississippi, o maior rio dos Estados Unidos, como que a rondar para sempre e ameaçando alastrar, sem margem definida num pântano gigante e, se houvesse dúvidas, a lembrar que a natureza manda. Aquele rio é a materialização dessa certeza permanente que talvez justifique o fatalismo endémico de que fala Joan Didion ao caracterizar o modo de ser da gente de Nova Orleães. Ali, é impossível esquecer, por um dia que seja, que o selvagem determina o humano, e a devastação não é um acidente mas uma consequência de habitar aquela terra, condicionando toda a percepção de vida e de morte. Uma viagem por Nova Orleães talvez deva começar por aí."

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