O colapso do aparelho da protecção civil no fogo de Pedrógão Grande foi-se tornando evidente ao longo dos últimos dias. E a cada dia que passa vamos conhecendo mais pormenores. Hoje, por exemplo, foi conhecida a chamada “fita do tempo”, ficando evidente que houve gravíssimas falhas no sistema de comunicações, o SIRESP. Isso mesmo pode ser lido nos jornais que tiveram acesso à documentação, o Público (Pedrógão: pessoas cercadas pelo fogo e sem assistência devido a falhas do SIRESP) e o Jornal de Notícias (As 10 falhas críticas das comunicações no fogo de Pedrógão), ou na síntese do Observador onde se dá conta do conteúdo da "caixa negra" da Proteção Civil.
Mas o que é o SIRESP? Porque falha o SIRESP? O que sabemos sobre a forma como o Estado contratou este serviço? São muitas as perguntas que têm sido feitas nos últimos dias agora que parece evidente que a falha no sistema de comunicações de emergência pode ter sido uma das responsáveis pelas dimensões da tragédia. Ora a verdade é que há muito sabíamos que este sistema tinha problemas de fiabilidade.
No final de Janeiro de 2014 a TVI transmitiu uma reportagem de investigação no programa Repórter TVI onde a jornalista Ana Leal revisita a forma como o sistema se comportou em anteriores situações de desastre, ouve utilizadores que lhe relatam os limites do sistema e interroga os responsáveis da época. São 36 minutos que vale a pena ver, ou rever, especialmente à luz do que agora sabemos sobre o que se passou em Pedrógão. Esta reportagem surgiu na sequência das falhas do SIRESP nos temporais e nos fogos de 2013, também reportadas e comentadas na TVI.
Começando pelo princípio, podemos encontrar no Jornal de Negócios uma cronologia de Uma história que atravessou Governos – começou ainda com Guterres e chega a Costa – sendo que, como recordou o Jornal Económico, estamos perante uma história de 12 anos de suspeitas e falhanços, sendo que antes de Pedrógão já nos incêndios do ano passado se haviam registado falhas graves (DN). O mesmo fez o Observador, num texto mais desenvolvido de Pedro Rainho: As polémicas do sistema de comunicações que falhou (outra vez). Aí se recorda, nomeadamente, a história da primeira adjudicação, nos últimos dias do governo de Pedro Santana Lopes, e a forma como António Costa, enquanto ministro da Administração Interna de José Sócrates, acabaria por relançar o sistema: “Quando chegou ao Governo, Costa pediu um parecer sobre o negócio à Procuradoria-Geral da República. Mas, apesar do tom crítico da análise ao documento e de ter declarado nulo o ato de adjudicação — parecer que daria ao então ministro respaldo para anular o concurso inicial e procurar novos interessados que não a SLN –, Costa optou por voltar-se para o mesmo consórcio e renegociar as condições do contrato original, abdicando de uma série de funcionalidades e reduzindo, com isso, o valor global do negócio.”
Continuando a procurar perceber o que é o SIRESP recordo que o Observador preparou um Explicador – Como funciona este sistema de emergência que falha nas catástrofes? – que, até pela lista de perguntas, é um bom guia para perceber o que tem de especial o SIRESP que o distinga, por exemplo, do que oferecem as redes abertas de telecomunicações. Recordemos essas perguntas:
- O que é o SIRESP?
- Como funciona?
- Quando começou a funcionar?
- Que empresas estão na sua origem?
- O negócio foi polémico?
- Quanto custou?
- Que entidades usam este sistema?
- O sistema cobre o país inteiro?
- É a primeira vez que dá problemas?
- Quais foram as falhas no incêndio do Sardoal?
- Que falhas houve em Pedrógão Grande?
Vejamos agora alguns textos que têm informação importante sobre este sistema, a forma como foi adjudicado, a origem das diferentes controvérsias e os seus elevados custos:
- SIRESP: o país numa rede de interesses, um texto que vale não apenas pelo seu conteúdo, muito directo, como por ter sido escrito (para o jornal online Eco) por Fernando Alexandre, que como secretário de Estado do anterior Governo renegociou esta PPP (sim, porque o SIRESP também é uma PPP). Reparem nesta passagem: “A opção por uma Parceria Público-Privada (PPP) foi um excelente negócio para os privados envolvidos. Os privados desta parceria são os suspeitos do costume: SLN/BPN (hoje Galilei, uma sociedade em liquidação com milhões de euros de dívidas ao Estado português), PT (que durante muitos anos fez grandes negócios por ajuste directo com o Estado Português) e, claro, o BES (neste caso através da sua parceria com a Caixa Geral de Depósitos na ESegur). Estes associados, conhecidos pelas suas ligações ao poder político representam o pior da promiscuidade no nosso regime económico e político, como hoje todos sabemos.”
- SIRESP, a história de uma parceria público-privada que custou mais do que parece merecer, um texto de Paulo Pena no Público (acesso condiciona) que coloca o dedo nalgumas feridas, algo assumido logo de entrada: “Daniel Sanches assinou o contrato. António Costa renegociou-o. A PGR investigou-o. Três dos accionistas privados desapareceram com estrondo: SLN, GES e PT.” Nesse artigo nota-se que, em 2005, “Mais uma coincidência: esta terá sido a primeira renegociação complexa de um dossiê "quente" que António Costa confiou a Diogo Lacerda Machado, o ex-consultor do primeiro-ministro que agora vai integrar a administração da TAP.” A participação de Lacerda Machado nessa renegociação está hoje sob escrutínio público.
- Para que serve o SIRESP?, um post de Manuel Vilarinho Pires no blogue Gremlin Literário, onde se chama a atenção (não é o único local, mas seleccionei este) para o contrato do SIRESP (este é o link para o texto integral) e para a sua cláusula 17 onde se isenta o consórcio de continuar a assegurar o funcionamento da rede nos casos de força maior, sendo que "Constituem, nomeadamente, casos de força maior actos de guerra ou subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias, raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem as actividades objecto do Contrato". Ou seja, estas situações “correspondem, como é norma, exactamente às situações de emergência que justificam a existência do sistema, mesmo quando um oportuno raio cai do céu. É a cláusula de pára-raios”. (Este texto do Público também trata desta cláusula do contracto.)
- A história do SIRESP em números, de Joaquim Miranda Sarmento no jornal Eco, também um bom levantamento de todo o processo e onde se nota que “Do ponto de vista operacional, o contrato não tinha cláusula de fiscalização e acompanhamento da instalação dos equipamentos. Também tem um anexo (anexo nº 29) de penalizações que faz com que o valor a pagar pelo Estado apenas se reduza em casos em que o sistema falhe durante vários dias, o que significa que no caso de Pedrógão Grande, não se afigura que as cláusulas de penalização possam ser acionadas.”
Sobre o que se passou em concreto em Pedrógão Grande, e depois da perplexidade de a empresa responsável pelo sistema ter vindo hoje dizer que o SIRESP “esteve à altura” e “não houve interrupção” do serviço (relatório integral aqui), há mais alguns textos a referir:
- As contradições sobre a falha do SIRESP, um levantamento do Observador sobre o que foi sendo dito pelas autoridades;
- Porque é que o SIRESP deixa de funcionar?, uma tentativa de explicação preparada pelo Expresso sobre o que pode ter corrido mal.
O tema, como se percebe lendo o relatório onde se pedem mais meios, se sugerem mais investimentos e se propõe que a empresa que gere o sistema fique ainda com mais competências, vai continuar a estar muito presente na discussão pública. Espero ter contribuído para que todos os leitores do Macroscópio possam seguir esse debate de forma mais informada e crítica.
Por hoje é tudo. Tenham boas leituras e bom descanso.
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