O país tem sido atravessado, nos últimos dias, por algumas controvérsias que, nalguns casos, já fizeram correr rios de tinta e deram azo a muitas declarações públicas, enquanto noutros casos o debate foi quase silenciado. Basta pensar no que já se disse e escreveu sobre a lei de financiamento dos partidos em contraste com a forma expedita como hoje baixaram à comissão sete propostas de lei que ameaçam subverter um dos sectores que mais riqueza gerou no país nos últimos anos, o do alijamento local. E se em todos os debates podemos e devemos divergir sobre opções e soluções, é bom que nos entendamos sobre os factos, e isso nem sempre acontece mesmo quando são do conhecimento de todos. Vale pois a pena voltar a três debates desta semana para procurar lançar sobre eles alguma luz.
Começo pelo tema do financiamento partidário, e não vos canso muito pois imagino que já estejam pelos cabelos com tanta contradição e desmentido. Deixo mesmo assim à vossa consideração quatro textos que fazem a diferença:
- Como se financiam os partidos lá fora? Fala-se, fala-se, fala-se, mas poucas vezes nos preocupamos em saber como fazem os outros para aprender com virtudes e erros. Daí a oportunidade deste ensaio de Nuno Gonçalo Poças no Observador, onde se explica como é que noutras democracias se financia a democracia. É um trabalho muito interessante e completo para uma conclusão singela: não há modelos perfeitos. Mesmo assim, acrescenta-se, “a discussão sobre as virtudes de cada um dos modelos (público, privado ou misto) é importante, mas, independentemente do modelo, o que deve estar de facto em discussão são os mecanismos de fiscalização. E, acima de tudo, ter essa discussão no seio da sociedade civil, fora do monopólio dos partidos e do Parlamento. Sendo certo, claro, que independentemente das regras, haverá sempre quem tente ignorá-las. Mesmo grandes democracias como Itália, França, Alemanha ou Estados Unidos não deixaram de ter grandes casos de corrupção envolvendo financiamento eleitoral ou partidário”.
- As confusões deles sobre a lei que Marcelo vetou é um outro especial do Observador, exaustivo, onde se passa em revista declarações de António Costa, Ana Catarina Mendes, João Galamba e Laurentino Dias, do PS, Hugo Soares e Duarte Marques do PSD, João Oliveira do PCP Francisco Louçã do Bloco. E se conclui que todos eles, em menor ou maior grau, mostraram ignorância ou trataram de mistificar quando se tratou de responder às perguntas que todos fizeram: “O processo foi secreto? A isenção do IVA sempre existiu? O fim do limite à angariação de fundos não é assim tão importante e as suas consequências são inócuas? A lei é retroativa? E os partidos fizeram, como garantem, apenas aquilo que o Tribunal Constitucional pedia?”
- A festa de Natal da ignorância é um texto de leitura indispensável. Escrito no Público por José Xavier Basto, um professor universitário que presidente da Comissão do Imposto sobre o Valor Acrescentado em 1985, este texto parte dos muitos erros conceptuais de Francisco Louçã no mesmo jornal (“A festa de Natal do populismo”, sem link), para nos mostrar como este debate foi marcada pelo “analfabetismo fiscal, traduzido na ignorância do que sejam os impostos, como funcionam e quais os seus fundamentos básicos”. Por exemplo, foram mais que muitas as confusões sobre o que significa “pagar o IVA” e “ser isento de IVA”. Muito didático, o texto usa exemplos concretos esclarecedores ao dirigir-se ao “professor Louçã”: “Quando a sua universidade compra equipamento informático para a investigação ou ensino, ou quando um hospital público renova os equipamentos da unidade de cuidados intensivos, suportam IVA e não lhes assiste direito a qualquer devolução. Porquê? Pela razão simples de que nas propinas dos alunos que frequentam a universidade não incide IVA, segundo as regras europeias e nacionais e, de acordo com as mesmas regras, as taxas moderadores dos hospitais também estão isentas do imposto. Acha bem que os partidos políticos recebam devolução de IVA quando remodelam o gabinete do secretário-geral, quando os hospitais públicos, segundo a lei geral, não têm direito equivalente?”
- Os partidos não precisam de nós, de Rui Ramos no Observador é, dos muitos textos de opinião (depois dos inicialmente referidos nesta newsletter já na passada semana), um dos que merece realmente atenção. Defende o autor que “Os partidos são a prova de que em Portugal quem tem o Estado, tem tudo: financiados com dinheiro público, não precisam da nossa militância, nem do nosso afecto nem sequer do nosso respeito.”
O tema do alojamento local voltou à agenda política, com vários partidos – Bloco, PCP, PAN e alguns deputados do PS – a apresentarem sete propostas de lei que hoje foram brevemente debatidas na Assembleia da República, logo baixando à comissão especializada de onde deverão sair daqui por dois meses. Primeiro que tudo importa saber o que foi proposto, sendo porventura a melhor síntese a realizada pelo jornal online Eco em Deputados discutem alojamento local. Saiba o que vai mudar que explica como “Em cima da mesa estão alterações que vão desde a introdução de quotas para limitar o número de alojamentos locais nas zonas mais pressionadas pelo turismo, a serem definidas pelas respetivas câmaras municipais, até à distinção entre o alojamento local “profissional” e “não profissional”, passando ainda pela obrigatoriedade da autorização do condomínio para que um alojamento local possa ser explorado.”
A discussão sobre este tema tão importante para a nossa economia e para cidades como Lisboa e o Porto deverá aquecer nas próximas semanas (pelo menos era bom que isso sucedesse), mas para já deixo aqui a análise de Nuno Correia da Silva que, no Observador, nos falou de A proposta mais estúpida do mundo. Eis um dos argumentos:
“Atualmente, o alojamento local gera, para a economia de Lisboa, qualquer coisa como seis mil milhões de euros, seis vezes mais do que a Autoeuropa. Foi o setor que mais contribuiu para a criação de emprego. São milhares de pessoas que estão em causa. (...) Estamos a falar de pessoas que entraram na vida ativa porque o turismo gerado pelo alojamento local criou uma “nova economia”. Uma economia que os acolheu, depois de terem sido excluídos pelos modelos ortodoxos, pela economia estatizante dos sindicatos que, para garantir cada vez mais direitos a quem já tem emprego, deixou de fora os jovens e as pessoas de meia idade. São exatamente estas pessoas que os projetos em debate na Assembleia da República parecem ignorar ou esquecer.” Também no Observador, referência ao texto de um deputado do PSD, Cristóvão Norte: Alojamento local: anatomia do crime.
Acabo esta breve tentativa de lançar um pouco de luz sobre alguns temas da actualidade doméstica com uma referência a uma outra notícia destes dias, uma notícia porventura merecedora de mais atenção: as tabelas de retenção do IRS para os trabalhadores por conta de outrem não incorporam todo o alívio fiscal do Orçamento de 2018, o que significa que esse alívio só muito parcialmente será sentido no ordenado do fim do mês. Desta forma o Estado encaixa mais IRS este ano (o que ajuda as contas públicas) e terá de devolver mais IRS no ano que vem (com um cheque mais gordo a chegar mesmo em cima das eleições). As contas foram feitas pela consultora PwC a pedido do Eco (Como a redução do IRS se reflecte nos salários e reembolsos) e do Jornal de Negócios (Centeno reduz IRS, mas limita efeitos nos salários. Acerto de contas em 2019). Pedro Sousa Carvalho, director executivo do Eco, explica muito bem o que está em causa em Uma tabela de IRS a pensar em eleições? Se não é, parece. Para ele, “Tal como se suspeitava, as taxas de retenção baixam, mas menos do que deviam. Continuaremos a emprestar dinheiro ao Estado e em 2019, ano de europeias e legislativas, há de chegar um cheque simpático.”
E por hoje é tudo. Aproveitem estes dois dias de intervalo para descansar e, no frio que se adivinha, para ler. Até para a semana.
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário