sábado, 28 de abril de 2018

Macroscópio – Encenação ou um grande passo em frente? O encontro das duas Coreias

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Não há muitos meses o receio era uma guerra na península da Coreia – e que essa guerra alastrasse rapidamente e se materializasse num conflito não convencional, com recurso a armas nucleares. Agora é o encontrofinamente coreografadoentre os líderes das duas Coreia e a promessa de Kim e Trump se encontrarão também eles nas próximas semanas. Estupefação? Sem dúvida. Mas inúmeras interrogações. A seguir deixo-vos algumas pistas sobre possíveis respostas. 
 
Primeiro comecemos por alguns trabalhos do Observador que ajudam a enquadrar o que aconteceu esta semana e, também, a conhecer melhor o regime norte-coreano. Sendo que o meu destaque inevitável vai para três especiais de Nuno André Martins no Observador e que classifico de leitura indispensável. Coreia de Norte. Do milagre à miséria no Paralelo 38é uma excelente introdução à realidade do país mais fechado do mundo, aí onde “o mais recluso dos regimes sobrevive há quase 70 anos debaixo de constantes prognósticos de colapso, sucessivas crises económicas e mais de 18 milhões de pessoas afetadas.” Já emOs Corleone de PyongyangNuno André Martins explica-nos como no império do crime norte-coreano vale tudo para financiar as ambições dos Kim, o que incluiu negócios de droga, armas, notas falsas, tabaco, Viagra, assassinos profissionais, um gangue de motards e até uma facção do IRA. Finalmente em Os negócios secretos do terrorconta-se a história da rede montada por Pyongyang para apoiar alguns dos regimes mais perigosos do Médio Oriente - e ainda lucrar com o processo, o que vai do terrorismo ao desenvolvimento de armas químicas na Síria. 
 

Continuando no Observador, referência ainda a mais dois especiais, sendo o primeiro  um trabalho mais analítico de João de Almeida Dias, O “Velho Senil” e o “Homem Foguete” vão falar. É uma vitória de Trump ou de Kim?Já Hyeonseo Lee. Entrevista com a mulher que diz ter descoberto o calcanhar de Aquiles do regime norte-coreanoé o resultado de uma interessante conversa de Marta Leite Ferreira com uma dissidente que encara com muito cepticismo as negociações com os Estados Unidos. 
 
Para completar as minhas referências colhidas na imprensa portuguesa cumpre citar o comentário desta semana de Jorge Almeida Fernandes no Público, Quem ganha? Kim, Trump ou a China?, onde se considera que neste regresso da diplomacia secreta “O líder norte-coreano é desde já o primeiro vencedor da cimeira anunciada, pois negociará com Trump de igual para igual. Mas também este conta ganhar prestígio. Muitos são cépticos sobre o resultado. E falta conhecer a forma de intervenção de Pequim.”
 
Passando agora ao encontro dos dois líderes coreanos, Kim e Moon, a The Economist descreve-o assim: Despot meets democrat: Can the euphoria of the Korean summit last?De facto, começa por recordar a revista, estamos a falar de um encontro com alguém pouco recomendável: “this was a man who has threatened the world with nuclear war, used summary executions and foreign hit jobs to eliminate his rivals and presided over some of the worst human-rights abuses in recent history”. Sendo que esse mesmo líder vai também estar com Trump, sendo que desse encontro se espera mais do que uma declaração de boas intenções, importante mas vaga, como foi a saída da reunião desta-sexta-feira: “The warmth of the proceedings, and Mr Trump’s even warmer response to it, suggests that his mooted summit with Mr Kim, which is supposed to take place in late May or early June, will indeed go ahead. But what the outcome of that meeting will be, or even what the two sides will offer, remains as opaque as ever. And next time around, the measure of success will be more than warm smiles and shiny photographs.”
 
Quanto ao encontro realizado junto ao paralelo 38, o Wall Street Journal refere-se-lhe como One Small Step for Moon, One Large Stride for Korean Harmony. É uma ideia que sublinha relatando um momento cheio de significado: “Greeting Mr. Kim at the border between the two Koreas, a smiling Mr. Moon casually asked when he could visit the North, as the two shook hands. “Why not now?” Mr. Kim replied, according to Yoon Young-chan, a spokesman at Seoul’s presidential Blue House. The two then crossed the military demarcation line into the North for a moment—and a photo opportunity—before they stepped back into the South, holding hands.” O relato do New York Times é mais completo, chamando a atenção para as conclusões do encontro: North and South Korea Set Bold Goals: A Final Peace and No Nuclear Arms.

 
Mas fazer a paz é difícil – tão difícil que há 65 anos que apenas vigora um cessar fogo. É o resultado de uma terrível guerra que fez milhões de mortos, algo que se recorda e enquadra neste pequeno vídeo do New York Times, uma guerra cuja memória e feridas ainda condicionam os diferentes actores, como se explica nestes dois textos: 
  • Korean peace treaty would have to overcome decades of distrust, uma análise publicada no Financial Times onde se nota que “The legacy of the war was an intense hatred for the US in the North. “North Korea was bombed to smithereens” by the US Air Force, said Ms Weatherby. It also engendered distrust by Pyongyang of its own allies, the Soviet Union and China, each of whom had reasons to drag out the armistice negotiations in an effort to see the US tied down militarily, she added. The result was a North Korea that had “a profound sense of isolation, of being constantly under threat, of being embattled”, Ms Weatherby said, adding that the North is a society organised around war.”
  • The Deceptively Simple Promise of Korean Peace, ou a razão para a paz não ter acontecido nestes 65 anos na interpretação de Uri Friedman da The Atlantic: “The most pressing question coming out of the meeting between the leaders of North and South Korea is which problem will be resolved first [desnuclearização ou tratado de paz], if either is resolved at all, and how those decisions could transform the Korean peninsula.
 

Precisamente porque existem estas memórias e estes traumas achei especialmente interessante, até por ter um registo bem diferente, a interpretação dada para a evolução da Coreia do Norte por um veterano do Departamento de Estado, Peter Van Buren, num artigo publicado na The American Canservative: What if Kim Jong-un is Looking to Liberalize?Para ele, “The rush to the table may be a sign the North Korean leader's strategy is economic, not nuclear.” Porquê? Talvez porque talvez Kim queira seguir o exemplo do grande vizinho do lado, a China: “It isn’t hard to imagine Kim with a biography of former Chinese leader Deng Xiao-ping on his nightstand. Deng’s rise to power saw China’s centrally managed economy failing to feed its people, isolated from the world, and dependent on the Soviet Union. Then everything changed in 1979 when Deng secured an agreement with President Jimmy Carter that covered his security needs (...), diplomatically papered over long-simmering political issues like the status of Taiwan, and allowed him to introduce changes that led directly to China’s economic ascendance.” Por outras palavras: Kim quer sentir-se seguro para começar a pensar menos da defesa do regime e mais nos destinos económicos do seu país. 
 
Boa parte das outras análises que fui lendo são mais cépticas, ou apenas mais cuidadosas. Três exemplos, com várias graduações de desconfiança: 
  • What Does Kim Jong-un Want? U.S. Fears Answer Is ‘Give a Little, Gain a Lot’, deMark Landler e Choe Sang-Hun no New York Times: “The key to success, South Korean officials said, is if North Korea and the United States can agree to narrow the time span between the initial freeze, which Mr. Moon has called “the entrance,” and complete denuclearization, which he calls “the exit.” South Korean officials are banking on Mr. Kim’s desperate desire to improve the economy and Mr. Trump’s need for a diplomatic victory before the midterm elections in November.”
  • Is Kim Jong-un really now a man of peace?, o comentário da britânica The Spectator, onde se desconfia de Trump – “It was possible to see method in Ronald Reagan’s dealings with the Soviets — he convinced them that they could not win an arms race before he raised the issue of disarmament. With Trump there is always a suspicion that he is acting on impulse, and without much discussion with his advisers.” – mas onde mesmo assim se abre uma porta ao improvável: “Kim Jong-un has been characterised as an unpredictable, unknown quantity capable of lashing out at other countries without reason and with little thought to the interests of his people. That is not unusual among dictators. Much the same description, however, could be applied to Donald Trump — which is unusual among leaders of democratic nations. In their impulsive characters, we can hope, they might at least find something in common when they meet.”
  • Kim's concessions seem too good to be true; they may be just that, um texto de Thomas Henriksen no The Hill, onde se multiplicam alertas: “Washington confronts the extraordinary and tricky test of making permanent and verifiable Pyongyang’s apparent concessions. The Trump foreign policy team can agree to a genuine peace treaty to replace the armistice signed at the Korean War’s end. It can normalize diplomatic relations with a disarmed DPRK. It can reassure the North that United States will not military strike at its bases. It could even provide some minimal financial assistance and mutual trade accords. But what Trump cannot do is trust verifications of any promised denuclearization agreement to the United Nations or any third party.
 
E, por fim, há ainda aquela hipótese de que ninguém fala abertamente, mas que não deixa de estar presente: os gestos mais amigáveis do regime de Pyongyang não resultarão senão da sua incapacidade de prosseguir o programa de desenvolvimento de armas nucleares e de mísseis por causa de um grave acidente detectado por cientistas chineses. É o acidente de que nos dá conta o Guardian em North Korea nuclear test site has collapsed and may be out of action – China study: “North Korea’s main nuclear test site has partially collapsed under the stress of multiple explosions, possibly rendering it unsafe for further testing and leaving it vulnerable to radiation leaks, a study by Chinese geologists has shown.” De acordo com este estudo esse acidente teria ocorrido em Setembro de 2017, o mesmo mês de Setembro em que a Coreia do Norte testou a sua mais poderosa arma nuclear precisamente nessa localização. Desde essa altura, mais nada. 
 
Deixo-vos com todos estas dúvidas e interrogações, mas também com alguma esperança, mas ciente de se há país sobre o qual é frequente os peritos em futurologia enganarem-se esse país é a Coreia do Norte. 
 
De resto volto a recordar que o Observador começou esta semana a divulgar as condições do seu novo programa de subscrições, que arrancará no dia 2 de Maio, fazendo-o através de uma Mensagem dos Fundadorese de um Explicador. Leiam, esclareçam-se e juntem-se a esta comunidade que é cada vez mais numerosa, até porque já podem escolher aquiuma modalidade de assinatura. 
 
De resto, tenham o melhor dos fins-de-semana. 
 
 
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