Face à Acusação do Ministério Público (MP) do Departamento de Investigação e Ação Penal de
Leiria, deduzida contra doze arguidos no âmbito do in | quérito aos incêndios que, no dia 17 de
junho de 2017, lavraram nos concelhos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos
Vinhos, Alvaiázere e Ansião, e do conteúdo da mesma, temos a MANIFESTAR, neste que é um
momento particularmente difícil e doloroso para os familiares das vítimas mortais e feridos:
- Ao longo das suas 200 páginas, a Acusação anuncia de forma totalmente frontal ao que vem.
Numa construção jurídica firme e sempre em crescendo elenca e assaca responsabilidades
concretas contra doze arguidos, as causas que conduziram à morte de 64 pessoas e lesões em
outras 44, não poupando detalhes nas circunstâncias das mortes e dos feridos - de maneira
esmagadora na sua clareza e descrição -, naquilo que entendemos ser a resposta cabal ao
interesse público que a tragédia que lhe está subjacente exige e do interesse público na sua
divulgação para memória futura;
- É para nós patente a assunção de uma nova consciência do peso e importância de um
Ministério Público verdadeiramente independente, autónomo e da necessidade premente de
serem reforçados os recursos humanos e materiais ao seu serviço, capazes de lograr sucesso na
prossecução da Justiça;
- Quanto às suas conclusões, trata-se de algo inédito, um assombro de resistência dos princípios
basilares de um Estado de Direito numa sociedade cada vez mais descrente na Justiça;
- É mais do que uma Acusação. É memória futura numa sociedade conhecida por ter pouca
memória;
- É mais do que uma Acusação. É um documento pedagógico para responsáveis políticos,
dirigentes e funcionários públicos, gestores da coisa pública e sociedade em geral;
A Acusação é inédita na história da judicatura portuguesa, sendo por isso corajosa, mas não
destemida pois, assumindo com humildade a grande complexidade do processo, está calcada,
contudo numa robusta e diversificada produção de prova que a ampara;
Ousou ver onde, antes, outros negaram. A total incompetência dos agentes de proteção civil, a
incompetência dos responsáveis na gestão e fiscalização da manutenção das servidões
administrativas das redes viárias nacionais e municipais e linhas elétricas.
E não foi por caminhos apertados e também isso merece profunda reflexão. Da Acusação
também se pode retirar conclusões sobre aquilo que lá não está, isto é:
- Recusou assacar responsabilidades políticas pela profunda mudança nos comandos distritais
da ANPC em vésperas de época de incêndios e pela análise cuidada das suas competências
profissionais. Na ótica do MP, é o que se conclui, caberá à sociedade portuguesa avaliar as
responsabilidades políticas por tais condutas de futuro
- Recusou assacar responsabilidades junto dos agentes operacionais no terreno (bombeiros e
GNR). Ao ver do MP, é o que se conclui, os agentes cumpriam ordens superiores e por isso as
suas ações e omissões foram ilibadas
Essas são as conclusões genéricas que a AVIPG, como associação de familiares das vítimas
mortais e feridos alcançou perceber da Acusação, sem prejuízo da análise técnica dos
mandatários constituídos.
Ao MP, e a todos os agentes envolvidos, cumpriu defender as vítimas mortais e feridos e por
isso dirigir-lhes:
- A nossa gratidão à Procuradoria Geral da República, e muito em particular aos representantes
do Ministério Público do DIAP de Leiria, que se dedicaram, ao longo de um intenso ano, à
condução da investigação e dedução da respetiva acusação daquele que é um muito complexo
processo e um marco na história judiciária em Portugal;
- A nossa gratidão a todos os investigadores da Polícia Judiciária, da Diretoria de Coimbra e de
diversas entidades públicas, pela enorme dedicação na investigação dos incêndios de junho de
2017;
- A todos os cidadãos e entidades associativas que contribuíram para a investigação na medida
das suas capacidades, conhecimento e competências;
- Pela forma elevada e respeitosa como os trabalhos decorreram ao longo deste ano, de forma
não intrusiva, mas incisiva e assertiva no que diz respeito ao especial momento que todos
vivíamos. Por vezes, temos essa noção, não foi fácil para muitos de nós compreender o vosso
papel. Testemunhar era reviver situações traumáticas e de grande revolta.
Não é o fim de um caminho, mas o princípio em busca de uma Justiça possível.
Não é uma vitória. Não há guerra nem vitórias possíveis nesse cenário. Já perdemos todos.
Percebam. Já perdemos todos. Vítimas, sobreviventes, acusados e sociedade.
AVIPG - Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande
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