Brexit? Macron? Reforma do euro? O mundo a acabar por causa do clima? Ou mais prosaicamente perceber como foi possível planear tão bem a greve dos enfermeiros? Vá lá, é fim-de-semana, vamos fazer uma pausa. Ou quase. O Macroscópio de hoje dedica uma boa parte das suas sugestões a temas “fora da agenda”, mas interessantes, porventura divertidos, daqueles de que seguramente lemos sem dar por perdido o tempo que lhes dedicámos. E é verdade: vamos mesmo falar de neandertais e de saliva, mas na verdade não há nada que os relacione com os “coletes amarelos”, pelo menos que tenhamos descoberto. Mas isso fica para o fim.
A minha primeira sugestão vai para um texto divertidíssimo de Jen Gilman Porat, uma jornalista americana que resolveu encontrar uma explicação genética para explicar o que considera ser os modos bárbaros e rústicos do ser marido à mesa. Em The Neanderthal ela conta-nos a sua saga, como se convenceu que o homem com quem vivia só podia comportar-se como se comportava por ter mais genes de Neandertal do que os habituais e como o levou a fazer um teste genético, daqueles que basta recolher um pouco de saliva, enviar para um laboratório e pagar umas dezenas de dólares. De caminho também analisou os seus genes, e é essa parte que transcrevo a seguir, sugerindo aos mais curiosos que descubram o “not so happy end” lendo o resto do artigo:
Who am I?
Now, I would know.
I calmed down rather quickly though. My ancestry, it turns out, was hardly surprising: mostly Italian and Polish framed by a mosaic of numerous other European countries. Exactly 1% of my DNA was attributed to Ashkenazi Jewish ancestry, half a percent from each side, and I proudly posted this in a Facebook status update for my Jewish husband’s family members to see. I was a real member of the tribe, if only by a mere drop.
It was later that night, after celebrating my newfound Jewish-ness, that I remembered to look for Neanderthal DNA. I quickly found the link and clicked it with the casual ease of someone who does not think of herself as a Neanderthal at all. (...) It took a moment to locate that information and when I did, I discovered, to my horror, that 297 Neanderthal variants placed me in the 81st percentile of all 23andMe users. I’m well above average for Neanderthal-ness; only 19% of other 23andMe customers can claim worse.
I almost kept this unfortunate fact to myself, but in search of immediate consolation, I told Tomer.
“I have terrible news,” I said. “I’m highly Neanderthal. Which means you must be, like, ultimate-level Neanderthal.” Tomer, I imagined, would be in the 99% percentile for Neanderthal variants.
“Who cares? I love you just the way you are,” he said, referencing our wedding song with a wink.
Surpreendidos? Nada como fazerem o vosso próprio teste (há já muitas companhias a propô-los e conheço quem já tenha feito a experiência com curiosos resultados), mas entretanto fiquem os mais velhos a saber que o mais provável é que, contra todas as expectativas, os seus filhos são capazes de estarem a ter menos sexo do que tiveram na idade deles. Pelo menos é isso que parece resultar de um longo inquérito da The Atlantic, Why Are Young People Having So Little Sex?, segundo o qual, “Despite the easing of taboos and the rise of hookup apps, Americans are in the midst of a sex recession.” Eis uma pequena passagem desse trabalho: “When, over the course of my reporting, people in their 20s shared with me their hopes and fears and inhibitions, I sometimes felt pangs of recognition. Just as often, though, I was taken aback by what seemed like heartbreaking changes in the way many people were relating—or not relating—to one another. I am not so very much older than the people I talked with for this story, and yet I frequently had the sense of being from a different time. Sex seems more fraught now. This problem has no single source; the world has changed in so many ways, so quickly. In time, maybe, we will rethink some things: The abysmal state of sex education, which was once a joke but is now, in the age of porn, a disgrace. The dysfunctional relationships so many of us have with our phones and social media, to the detriment of our relationships with humans. Efforts to “protect” teenagers from most everything, including romance, leaving them ill-equipped for both the miseries and the joys of adulthood.”
Admito que nesta altura do Macroscópio alguns dos meus leitores já estejam a interrogar-se sobre o que é que andei a beber, pelo que vou gradualmente passar para temas mais habituais neste espaço, começando por uma referência do New York Times que aborda uma discussão belga que tem alguns paralelos com um debate português. O texto talvez não seja o mais profundo e relevante do mundo, mas ao lê-lo percebemos como certos argumentos e certos temas pairam um pouco por todo o nosso mundo ocidental. Em Belgium’s Africa Museum Had a Racist Image. Can It Change That? relata-se o que os responsáveis desse museu têm feito para o distanciar de uma memória africana que, no caso particular da Bélgica e da colonização do Congo pelo rei Leopoldo, é especialmente brutal. Esta passagem dá o tom: “On entering the museum, visitors now first see displays explaining Belgium’s colonial legacy and how the museum’s items were obtained. Alongside this is a room of racist statues, portraying Africans as savages, that were previously dotted throughout the museum. One, “Leopard Man,” shows a masked African man wearing a leopard skin about to attack another asleep on the ground. By placing the statues in a side room, the museum is distancing itself from its past without denying it, Mr. Gryseels said. There are also now rooms that allow Belgium’s African community to tell its story, as well as others devoted to colonialism’s legacy in Congo and Rwanda, from its impact on natural resources to climate change.”
Passando agora a um trabalho de muito maior fôlego e alcance, salto da Bélgica para a China, e de um jornal americano para uma revista alemã, para vos sugerir que não deixem de ler, ou pelo menos de passar os olhos pela impressionante e a todos os títulos notável reportagem da Spiegel sobre os campos de prisioneiros chineses. Confesso que cheguei a ter este trabalho guardado para vo-lo indicar por altura da passagem de Xi Jiping por Lisboa, mas acabou por não se proporcionar, mas nunca é tarde demais. Sob o título geral de The Dark System, a investigação da Spiegel divide-se em quatro blocos: Part 1: Arrested; Part 2: Torture and Forced Labor; Part 3: The Metamorphosis e Teil 4: Traumas. Refira-se, o que é ainda mais notável, que “Many of the people in this story insisted that their real names be published. It was their explicit wish that their story be made public, even though such a thing can carry a strict penalty in China. Those who wanted to remain anonymous have an asterisk after their name. In order to protect their identity, we have altered some of their personal details. The management of Xishanping was approached for comment but never replied.”
Como leitura complementar, em Kolimá, un viaje alucinante por la Carretera de los Huesos humanos, o El Pais fala-nos de um livro no qual, “Con Solzhenitsin como guía moral, el periodista Jacek Hugo-Bader recoge en 'Diarios de Kolimá' su viaje en autostop por la tierra que albergó lo más atroz del gulag soviético”. Aqui fica-se sobretudo com vontade de mandar vir o livro: “Hay mucho alcohol, vidas enteras anegadas en vodka, escenas increíbles de partidas de cartas entre mafiosos, un cirujano que opera por teléfono mientras no para de beber... A mitad de camino Bader, que conoce también a gente magnífica que le ayuda a no morir congelado en medio de la carretera, se encuentra con Vladímir, un tipo que cuando cierra los ojos ve las montañas de cadáveres intactos, perfectamente conservados en permafrost, que sacó de la tierra con la pala de su bulldozer durante una prospección en busca de oro.”
Para o fim guardei três sugestões relativas a um tema que já tema várias vezes nesta newsletter, os coletes amarelos, e que realmente não é para os relacionar com os neandertais, antes para indicar três textos, muito diferentes entre si, que me pareceram acrescentar prespectivas interessantes de leitura de uma revolta que ainda não sabemos se foi estancada. Aqui ficam eles:
- How the long history of leaderless movements helps us understand the ‘yellow vests’ protests é uma do historiador Gabriel Leon no Washington Post em que ele compara esta revolta com um levantamento camponês de há quase 200 anos no Reino Unido, também ele sem líderes, também ele espalhando-se como uma mancha de óleo mesmo sem redes sociais e também ele apanhando as autoridades desprevenidas. Tratou-se dos “The Swing riots, also known as the Great English Agricultural Uprising of 1830, took place in the winter of 1830-31 and spread throughout the cereal-growing areas in the south and east of England.”
- France’s Yellow Vests Are Not Your Friends – No skin in this game, de Noah Rothman e publicado na conservadora Commentary, é uma crítica de alguém da direita aos que na direita festejaram a revolta francesa apenas porque ela parecia ser contra medidas de esquerda: “The American right can take some pleasure in the bloody nose the Yellow Vests gave Macron and the heedless consumption taxes his government champions, but not too much. Conservatives do not have a dog in this hunt. They fete this socialistic and sporadically violent movement at the cost of their own intellectual coherence.”
- From Sans Culottes to Gilets Jaunes: Macron’s Marie Antoinette Moment, de Sylvain Cypel, saiu na liberal New York Review of Books e dá-nos uma visão descritiva mas complementar da anterior. Esta passagem pareceu-me merecedora de re-citação: “Combining the classism of France’s best-off with the elitism of France’s best-educated,” wrote Edwy Plenel, the director of the Mediapart news site, “his way of exercising power embodies a politics of inequality where there are haves and have-nots, winners and losers, insiders and outsiders, the lucky and the unlucky.” His assessment has mirrored that of the Yellow Vests.
E pronto. Aqui ficou um Macroscópio diferente, retomando a tradição de newsletters mais leves ao fim-de-semana, mas sem esquecer a actualidade. Tenham boas leituras, façam apostas sobre quantos genes neandertais afinal têm, e não se esqueçam que o Natal está mesmo à porta. Até para a semana.
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário