terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Macroscópio – E agora, Venezuela? Ainda há esperança?

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Foi um sábado de alta tensão nas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil. Juan Guaidó tinha a esperança que a presença de colunas com camiões trazendo ajuda humanitária comovesse os militares e a polícia e fizesse ceder a estrutura de poder que suporta Nicolás Maduro. Houve umas dezenas de deserções, houve confrontos violentos e mortes, mas por enquanto o líder bolivariano não cedeu, mesmo sendo cada vez maior o seu isolamento internacional. Pelo que muitos se interrogam: e agora? Quais os limites da estratégia pacífica de Guaidó? Quanto mais tempo podem resistir os homens do Palácio de Miraflores? É a essas questões para procuraremos respostas no Macroscópio de hoje.
 
Antes de olharmos para o futuro, recordemos quão dramático é o presente. Duas grandes reportagens publicadas na imprensa dos Estados Unidos dão-nos uma ideia dos dias de horror que se vivem na Venezuela:
  • Venezuela’s Food Crisis Reaches a Breaking Point, Stephania Taladrid na New Yorker, é uma viagem aos bairros pobres de Caracas, por vezes guiada por gente que cresceu a admirar e a votar em Hugo Chávez, mas que agora também já está desesperada apesar dos truques do regime. Eis uma pequena mas significativa passagem: “What makes Venezuela’s food crisis all the more grim is that experts agree it is a result of human decision-making. “It’s not due to droughts, or floods,” Deborah Hines, the World Food Program Representative in Colombia, told me. “The situation is purely political.” Far from alleviating the crisis, Maduro has made basic necessities contingent on political loyalty. In 2016, to preserve his support, he launched a government-subsidized food program, known as the Local Food Production and Provision Committees (claps). Venezuelans are eligible to receive a monthly food handout, and other benefits, as long as they register for the Fatherland Card, which officials use to track voting participation. clap boxes usually arrive late and half-empty, but, during election seasons, they are stuffed, and recipients like Vegas get text messages from local representatives such as “Love is repaid with love.
  • A Staggering Exodus: Millions of Venezuelans Are Leaving the Country, on Foot, é uma reportagem em que se acompanham os que fogem de uma país a morrer de fome: “They are fleeing dangerous shortages of food, water, electricity and medicine, as well as the government’s political crackdowns, in which more than 40 people have been killed in the last few weeks alone. Rolling suitcases behind them, some walk along highways, their salaries so obliterated by Venezuela’s hyperinflation that bus tickets are out of reach. Others try to hitchhike for thousands of miles until they reach Ecuador or Peru.” Seguem-se histórias humanas tocantes.
 
Relativamente às alternativas que se colocam à oposição e Guaidó, João de Almeida Dias tinha colocado, num especial do Observador publicado ainda antes dos acontecimentos deste fim de semana, a pergunta mais difícil: Até quando pode Guaidó ser um Presidente que não manda em nada? Uma das pessoas com quem falou foi Fernando Spiritto, politólogo e professor na Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, que reconhecendo as limitações do autoproclamado Presidente interino da Venezuela, acrescentou que ele “não tem outro caminho que não seja este”. “Quais são as alternativas que Guaidó tem? Um golpe de Estado? Isso não funciona, nem uma intervenção militar. Não funciona para Guaidó, nem para os chavistas, nem para os EUA. A única opção da oposição é que Guaidó consiga um capital político tão grande que consiga sentar-se à mesa de negociações”. Houve sobretudo um aspecto que neste trabalho se destacou e que faz a diferença: “No último mês e picos, a oposição conquistou algo que nunca teve em 20 anos de chavismo: a iniciativa estratégica.”

 
Assim, no último fim de semana, Maduro preocupou-se sobretudo em ir respondendo às iniciativas da oposição, mesmo que controlando com mão de ferro as fronteiras, o que leva o New York Times, numa análise de Nicholas Casey e Albinson Linares, a interrogar-se sobre With Aid Blocked at Border, What’s Next Move for Venezuela’s Opposition? O balanço que o jornal faz é que Maduro saiu ferido e em fraquecido do confronto: “But while Mr. Maduro prevailed in this border showdown, conditions inside the country remain deeply unfavorable to him. He is still immensely unpopular within Venezuela, where he has overseen one of the most catastrophic economic disasters in Latin American history, a calamity that has led a tenth of the population to leave the country, largely because of shortages of food and medicine. Further damage was done to his image on Saturday as he denied aid to suffering Venezuelans.” Mais, prevê até que os acontecimentos de sábado deem mais força à oposição: “Still, even if few doubted that the opposition’s resolve would be lost over its failure to deliver the food and medicine, Saturday seemed like a turning point, with new talk of a need for foreign intervention”.
 
No mesmo sentido se pronuncia a especialista em América Latina do Wall Street Journal, Mary Anastasia O’Grady, em Maduro and Cuba Lose. Uma das notas mais interessantes do seu artigo é como liga o destino do regime venezuelano ao cubano e como assinala que também para este os ventos deixaram de soprar de feição. Reparem nesta passagem do seu texto: “As the smoke cleared Sunday, Mr. Maduro and his Cuban handlers still had the upper hand. Yet something big has changed. With so many regime atrocities now recorded and circulated on social media and the privation triggering a mass exodus, Venezuelan suffering under Havana control is no longer ignored. On Friday British billionaire Richard Branson sponsored a Live Aid-inspired concert for Venezuela in Cúcuta, Colombia. Star performers like Carlos Vives, Juan Luis Guerra and Venezuelan pop duo Chino & Nacho crooned for the cause. Pop culture, for a change, is saying, “Down with Cuban tyranny.” This is new. It could explain why on Saturday there were reports hundreds of dissidents were pouring into the streets to protest repression in Cuba itself. That’s new, too. Venezuela is increasingly isolated. If it tips, it may not be the region’s only dictatorship to fall.”
 
A situação é tal que, nota Héctor E. Schamis, um professor argentino do Centro de Estudos Latinoamericanos da Universidade de Georgetown, no El Pais, que até Trump habló de socialismo. Como? Assim, e de forma certeira: “El socialismo promete prosperidad, pero produce pobreza. Promete unidad, pero genera odio y división. Promete un futuro mejor, pero siempre regresa a los capítulos más oscuros del pasado. Siempre genera tiranía. Los socialistas prometen diversidad, pero persisten en la más absoluta conformidad. Ocurre que el socialismo realmente existente es, fundamentalmente, una atroz desigualdad de derechos, lo cual a la larga también produce desigualdad material, tal como lo ilustra Venezuela, el país con mayor pobreza y mayor inequidad del continente. Hoy lo dice Trump, paradojas incómodas para los socialistas”. Atrevido este analista defende a seguir o princípio da ingerência humanitária: "No hay vuelta atrás", como dicen los venezolanos, pero se trata de aumentar la presión donde duele. O sea, hay que asumir que lo ocurrido en esos puentes y en la frontera con Brasil califica como crimen de exterminio y que el mismo amerita invocar la Responsabilidad de Proteger. La obligación de acudir en rescate de una población civil en riesgo, esto es.”

 
Já José R. Cárdenas, que teve responsabilidades na agência para o desenvolvimento dos norte-americana nos anos de George W. Bush advoga uma política mais prudente e consensual em Here’s How Trump Can Hasten Maduro’s Exit, um texto publicado na Foreign Policy onde defende que é possível preservar um abordagem multilateral, bipartidária e abrangente no dossier venezuelano. Mas isso implica também saber desenhar um processo de transição pacífico: “Stalin González, a top opposition lawmaker, suggested earlier this month that a transitional government should include representatives of the ruling “chavismo” movement and military leadership to guarantee the political stability needed to hold new elections. “We need to give space to the chavismo that is not Maduro because we need political stability,” he said. It is important to remember that not all officials who follow Chávez are crooks or human rights abusers. Some of them truly believe in a more inclusive Venezuela—that is, incorporating the poor more into the life of the country. In fact, the neighborhoods surrounding the major urban areas were the base of chavismo, and honest chavistas need to know there is a role for them in a post-Maduro Venezuela. The United States cannot afford for them to believe a transition means a return to the status quo before Chávez.”
 
Nesta frente seria importante a Europa desempenhar um papel que não está a desempenhar, como defende Pawel Zerka em Europe should do better on Venezuela. E é fácil ver porquê: “The EU’s lack of a unified position is becoming a serious practical and diplomatic handicap. Individual member states can impose limited sanctions on Maduro’s regime, such as travel bans and asset freezes. But it is hard for them to impose meaningful economic sanctions on Venezuela given the existence of the EU’s single market. Such measures are key to European efforts to place Maduro under real pressure. As a bloc, the EU currently imposes only an arms embargo and limited sanctions on members of the regime. But it should be able to freeze all Venezuelan government assets in Europe, before handing them over to Guaidó. The EU should also limit European companies’ ability to sign contracts in Venezuela without the approval of Guaidó and the National Assembly. And the bloc should call for food relief and emergency funds to be handed directly to the National Assembly.”
 
Para o fim, e até como contraste à posição europeia, deixo uma interessante e surpreendente – por vezes até desconcertante – descrição de como o processo tem sido conduzido na Casa Branca. É um artigo sobre os bastidores da política americana que encontrei na Axios, de Jonathan Swan, Inside Trump's Venezuela pivot, que contém curiosas descrições de encontros inesperados na Sala Oval mas também o racional das opções da Administração Trump: “His senior advisers universally support unseating Maduro. And people close to Trump say he takes a markedly different view of Venezuela than Middle Eastern war zones. He sees Syria, Afghanistan, and Iraq as beyond help, a waste of American lives and money. Venezuela, in his view, is different: It's a neighbor, and a crisis there directly affects the U.S., via trade and migration. Trump thinks Venezuela should be rich and peaceful.” Mais: “Trump's instincts on Venezuela find daily reinforcement from the growing uprising on the ground there, the rare unity with other democratic Western governments, largely favorable media coverage, and bipartisan support on Capitol Hill.
 
Creio, mesmo assim, que chegamos ao fim desta newsletter sem resposta cabal para a pergunta que a encabeça, mas com um pouco mais de esperança. A ver vamos, Venezuela.
 
 
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