Segundo renomado historiador protestante, portanto insuspeito, a Santíssima Virgem sempre esteve no centro da vida medieval, sendo a alma da Cristandade |
Plinio Maria Solimeo
Durante séculos se criou uma legenda negra a respeito da Idade Média, tachando-a de uma época obscurantista e primitiva. Isso se deveu sobretudo ao ódio de muitos ao papel exercido pela religião nesse tempo, assim descrito por Leão XIII em sua famosa encíclica Immortale Dei, de 1885:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então, a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças aos favores dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. […] Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”.
Isso explica o interesse que os monumentos da Idade Média despertam até hoje, pelo número incontável de turistas que vão de todo o mundo à Europa, principalmente à França, para vê-los e admirá-los.
É preciso dizer que surgem felizmente de tempos em tempos, nos horizontes mais inesperados, historiadores honestos e eruditos que prestam tributo à Doce Primavera da Fé, como a chamou Montalembert. Um deles é Henry Brooks Adams (1838 – 1918) [foto ao lado], jornalista de renome, editor, escritor e professor de História Medieval na Universidade de Harvard, bisneto de John Adams, primeiro vice-presidente e depois segundo presidente dos Estados Unidos, e neto de John Quincy Adams, sexto presidente americano.
Grande observador da realidade histórica, Adams se encantou com a Idade Média, desiludido como estava com a vida pública do seu tempo. Depois de tentar a carreira política, “ficou enojado com os políticos demagogos, e com uma sociedade na qual todos se haviam tornados ‘servos do poder’. Escreveu que os americanos ‘não tinham tempo para pensar; só viam, e não conseguiam ver nada além do dia de trabalho; dizia que a atitude deles em relação ao universo exterior era como a dos peixes de profundidade” (Encyclopedia Brittanica), que não se importam a não ser com o que passa ao seu redor.
O jornalista Carmelo López-Arias, em artigo em Cari Filii, afirma que “o pensador e historiador protestante” descobriu a Idade Média através do papel que nela teve a Santíssima Virgem. Para López-Arias, em suas múltiplas viagens à Europa ele soube “captar a onipresença da Santíssima Virgem em todas as formas da cultura tradicional europeia; e, com uma sensibilidade especial, compreendeu que essa omnipresença era a própria alma da Cristandade, e respondia a uma psicologia humana e razoável”.
Ainda segundo López Arias, Adams assim explica a relação do homem medieval com a Santíssima Virgem: “Seu vínculo com Maria respondia a um instinto de sobrevivência. Sabiam que estavam em perigo. Se havia uma vida futura, Maria era a única esperança’. Ante a lei divina, ‘essencialmente eterna, infinita, imutável’, que não permitia ‘debilidade nem erro’, os homens ‘se viam forçados a ir de esquina em esquina seguindo uma lógica implacável, até cair desvalidos aos pés de Maria […], felizes de encontrar proteção e esperança em um ser que podia entender a linguagem que falavam, e as escusas que podiam oferecer’”.
Para Adams, esse papel de Nossa Senhora na Idade Média pode ser compreendido melhor analisando-se a catedral de Chartres [foto ao lado]. Ele o fez numa circunstância dolorosa, quando já sexagenário teve a alma despedaçada pelo suicídio da mulher, após 13 anos de feliz matrimônio sem filhos.
A fim de superar esse trauma, Adams começou a viajar por todo o mundo. “Buscando um ponto no qual focalizar sua vida e seus estudos, encontrou-se com a Cristandade medieval. […] ‘Para apagar sua melancolia e sobrelevar a aceleração dos princípios do século XX, buscou a sabedoria e a beleza do século XII’. A caminho de Chartres, descobriu que quase todas as grandes igrejas dos séculos XII e XIII pertenciam a Maria”, e que sua presença era insubstituível para o homem medieval.
Crítico do mundo moderno, Henry Adams visitou a tão bafejada Exposição Universal de Paris de 1900. Comenta López-Arias: “Ali, nos pavilhões industriais nos quais se expunham as grandes máquinas a vapor e seus gigantescos dínamos, descobriu a idolatria da força mecânica que anunciava seu domínio na centúria nascente. E ocorreu-lhe uma comparação que faria fortuna: ‘No Louvre e em Chartres […] se encontra a força mais alta jamais conhecida pelo homem [Maria Santíssima], criadora das quartas quintas partes da melhor arte, capaz de exercer uma atração sobre a alma humana maior do que todas as máquinas a vapor e que todos os dínamos concebíveis. […] Todo o vapor do mundo é incapaz de construir Chartres, mas a Virgem o pôde. […] Símbolo ou energia, a Virgem atuou como a maior força que o mundo ocidental jamais experimentou, e atraiu a si as atividades dos homens com mais força que qualquer outro poder natural ou sobrenatural jamais pôde exercer”. Adams faz esta contundente afirmação no capítulo O dínamo da Virgem, em sua mais famosa obra de caráter autobiográfico, A educação de Henry Adams, escrito em terceira pessoa em 1907.
Em outra de suas obras, Mont Saint Michel et Chartres [capa ao lado], assim fala Adams desta catedral: Ela “é uma fantasia de criança, uma casa destinada a agradar à Rainha do Céu, e a agradar-lhe tanto que Ela pudesse sentir-se feliz nela, para encantar-se enquanto sorri […] [a Virgem] foi a maior dos artistas, dos filósofos, dos músicos e dos teólogos que jamais viveram na terra, exceto seu Filho. Mas em Chartres Ele era ainda um infante sob sua proteção. A igreja foi construída para Ela em um espírito de fé ingênua, prática, utilitária e em pureza de pensamento, em todos os pontos comparável ao da menina que prepara uma casa para sua boneca preferida”.
López-Arias comenta: Esses “São parágrafos de Adams que recolhe John Senior em ‘A restauração da cultura cristã’ [capa ao lado], e Adams explica que isso é verdade não somente para as grandes catedrais, mas para ‘a cultura cristã absolutamente em todo lugar, e o será sempre, sobre toda a superfície da Terra. E Maria é sua causa, sua consequência e sua medida”. Pergunta Senior: “Cada uma de nossas roupas, cada uma de nossas diversões, cada uma de nossas conversas, de nossas empresas ou de nossas experiências nos laboratórios, cada um de nossos escritos, Lhe estão dedicados?” E conclui: “A restauração da Cristandade está ligada ao número de corações que estão consagrados ao Imaculado Coração de Maria’”.
Mas não são apenas Adams e Senior que descortinam o papel da Virgem na formação da Idade Média. A professora Rachel Fulton Brown, medievalista da Universidade de Chicago, chegou à mesma conclusão: “Em minhas investigações, prestei uma atenção especial à devoção medieval à Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é algo mais do que a Virgem que os cristãos creem que deu à luz ao Filho de Deus. Ela é a clave que explica a própria Idade Média. […] Para se entender o lugar de Maria na devoção medieval cristã, não basta estudá-la como um historiador da arte, um músico, um professor de literatura, um historiador ou um teólogo. Para se entender Maria como A imaginaram os cristãos medievais, tem-se que entender-se tudo. Ela está ali, na arte e na arquitetura, na música. Ela está ali, na literatura, na liturgia e nas artes liberais. Ela está ali, nas mais elevadas expressões da imaginação humana e nas mais humildes orações de petição. Ela está ali, na política, no ideal do matrimônio, nos brados de batalha e nas súplicas de piedade dos oprimidos. A Cristandade medieval é inconcebível sem Ela; e, sem embargo, desde a Reforma os cristãos (protestantes) se tornam loucos para explicar por que Ela está ali”.
Concluindo: Apesar de toda delicadeza de Henry Adams em descrever o amor do medieval à Virgem, não se nota no que ele diz de um amor especial por Ela. Por isso, apesar de tudo que escreveu sobre Ela, ele nunca se fez católico. Quando Adams morreu, em 1918, sua sobrinha encontrou em uma gaveta um poema intitulado Oração à Virgem de Chartres. Almejamos que a Virgem Mãe nossa tenha obtido de seu divino Filho compaixão para sua alma, tão apreciável em tantos lados.
ABIM
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